quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Guiné 63/74 - P7707: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (54): Na Kontra Ka Kontra: 18.º episódio




1. Décimo oitavo episódio da estória Na Kontra Ka Kontra, de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), enviado em mensagem do dia 1 de Fevereiro de 2011:


NA KONTRA
KA KONTRA


18º EPISÓDIO

Não havia que fugir mais ao problema que ali tinha trazido aquele homem. Mais nada havia a dizer que não fosse o Sadjuma fazer o pedido ao Alferes.

- Diz lá Sadjuma o que me tens a pedir.

- É sobre o forno que o meu Alferes fez.

De tudo o que o Alferes tinha pensado como sendo o problema do milícia, o forno não fazia parte. O Sadjuma continuou.

- Como sabe estamos aqui isolados. Um homem, aqui, não tem futuro algum. Como milícia ainda dá para sustentar a família, mas a guerra não durará sempre…

- Ala te ouça. Continua.

- Se a guerra acabar ou tiver que deixar a milícia, gostava de ter um modo de vida para continuar a poder tratar da mulher e dos filhos.

O Alferes dava “voltas e voltas à cabeça” a ver se vislumbrava o que aquele homem queria dizer, com as suas preocupações com a família mas, sobretudo, a ligação com o forno que acabara de construir. Já com alguma impaciência o Alferes incita-o a acabar o discurso.

- Continua, continua.

- Não sei se é possível o que lhe vou pedir mas, pode crer que eu só ajudava, não incomodava ninguém.

Nesta altura o Alferes estava mesmo a passar da impaciência ao desespero. Não estava a aguentar os minutos de expectativa que, nesta situação lhe estavam a parecer horas. Numa atitude mais ríspida, que os seus galões lhe proporcionavam, diz:

- Sadjuma, diz o que tens a dizer pois já está a parar de chover e amanhã é outro dia.

Apercebendo-se da impaciência do Alferes e numa atitude muito humilde, que aliás o caracterizava, faz o seu pedido.

- Meu “Alfero” posso ser ajudante do padeiro?

Como se pode imaginar “caíram-lhe ao chão”, os queixos, tudo. O Alferes sentiu um misto de alívio, pela simplicidade do pedido, e também de satisfação pela facilidade em poder atender ao solicitado. O padeiro talvez não precisasse de ajudante mas nestas condições seria bem vindo. Sempre aliviaria o mestre, no “traz e leva”.

As intenções do Sadjuma, além de ser ajudante de padeiro, eram sobretudo, como facilmente se compreende, aprender a fazer pão. Inteligente como era não havia dúvidas que em poucos dias se encontraria apto para governar a sua vida na arte de padeiro.

- Oh Sadjuma, então era só isso? Estava preocupado contigo. Sempre pensei que estivesses com algum problema sério. …Claro que não vais poder ser ajudante de padeiro …Já és. Deixa-me falar amanhã com o padeiro para depois te poderes apresentar ao trabalho.

O Sadjuma ao lado do Alferes Magalhães.

Estavam a cair as últimas pingas, quando o Sadjuma se despediu do Alferes com mais uma continência, coisa rara por aquelas paragens. Depois da grande chuvada, o pessoal continua recolhido. Estava tudo molhado, inclusive o “bentem” debaixo do mangueiro. O Alferes ainda sai para apanhar algumas gotas de chuva refrescantes. Com aquela humidade a rondar os cem por cento, os quarenta graus de temperatura parecem ser cinquenta, autenticamente sufocantes. As nuvens negras que trouxeram a chuva já se iam afastando, deixando ver um espectacular céu estrelado.

Mais uma vez o Alferes Magalhães tem uma noite de sono reparador, depois do alívio sentido e porque no dia seguinte teria uma agradável e importante tarefa a cumprir. Não se levantou tão cedo como o costume. Foi o último a ir tomar o café, desta vez com pão quase fresco, uma delícia.

Estava-se em fins de Junho, pouco faltava para os abrigos da população civil ficarem prontos. A rede de arame farpado fora melhorada, sobretudo na passagem para a fonte, de forma que ao anoitecer podia ser completamente fechada. O Alferes Magalhães estava livre para “outras guerras”.

Toma o café ainda com alguns dos seus homens que, em pequenos grupos se foram levantando, dirigindo-se para os seus afazeres que, diga-se, não eram muitos. Havia uma certa acalmia na tabanca. Quando por último o Furriel se levanta, vendo o Alferes muito pensativo pergunta se o pode ajudar em alguma coisa. Este levanta a cabeça e sorrindo vai dizendo:

- Nosso Furriel, o que estou a pensar fazer, o senhor não pode fazer por mim, e como deve imaginar não é ir à orla da mata.

O Furriel afastou-se e o Alferes pensando alto:

- Onde eu vou arranjar uma vaca? Tenho que falar com o João.

Depois de uns momentos a ordenar as ideias, levantou-se e foi procurá-lo para os lados da sua morança, perto do mangueiro, no centro da tabanca. Quando o viu chamou-o à parte e disparou:

- João onde posso arranjar uma vaca?

- Uma vaca? Para que é que o Alferes precisa de uma vaca? Com um cabrito, a sua tropa governa-se dois ou três dias.

Fim deste episódio
Até ao próximo camaradas.
(Fernando Gouveia)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Fevereiro de 2011 > Guiné 63/74 - P7701: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (53): Na Kontra Ka Kontra: 17.º episódio

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