quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Guiné 63/74 - P7446: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (11): Os Pequenos Nadas da vida

1. Mensagem do nosso camarada José Eduardo Oliveira* (JERO) (ex-Fur Mil da CCAÇ 675, Binta, 1964/66), com data de 14 de Dezembro de 2010:

Meu Caro Amigo Luís

Com a aproximação do Natal queria dar-te uma prova de respeito e amizade. Ou vice-versa.

Voltar ao "Blogando e andando", que comecei no nosso blogue com o teu "alto patrocínio", é simbolicamente essa prova. É raro o dia em que não me surpreende a força e dinamismo do nosso blogue. É simplesmente notável.

Nos últimos tempos devido ao envolvimento pessoal que tenho no jornal da terra não tenho tido tempo para nada. Depois... estou metido em dois livros. Um está pronto - falta apenas inseriras imagens - e outro se seguirá.

Quando se chega aos "setenta" sentimos que o tempo nos pode faltar e alguma ansiedade nos assalta para "deixar" testemunhos... antes que seja tarde...
Estou nessa fase.

Alguma remorso me acompanha por não ter mais tempo para colaborar no nosso blogue mas espero que o Editor e seus colabores mais próximos me possam perdoar...

Entretanto é tempo de votos. Para ti e para os teus votos de um Feliz e Santo Natal.

Um abraço fraterno de Alcobaça,
JERO

PS-Segue um pequeno texto com o simbolismo dos "pequenos nadas" que fazem a diferença na vida.Digo eu.


BLOGANDO E ANDANDO (11)

OS ”PEQUENOS NADAS” DA VIDA…

O Pedro, um jovem de 13 anos, acompanhava habitualmente o pai nas idas à taberna da aldeia.

Vivia numa zona rural e depois da “escola” ajudava nas tarefas caseiras. Na fazenda, que circundava a casa dos seus pais e avós, pegava na sachola ou no ancinho dia sim, dia sim e ia aprendendo o que a vida custa. Os trabalhos agrícolas eram duros e as idas à taberna com o seu pai eram sempre momentos bem-vindos.

Fascinavam-no as conversas do seu pai com os mais velhos, nomeadamente, quando essas conversas evocavam recordações da guerra do Ultramar. Se tentava meter a sua “colherada” não lhe davam grande atenção. Era ouvir e calar. Quando o seu pai bebia o seu copo de vinho soltava um “ah” de satisfação, que parecia ficar a pairar algum tempo no ambiente acolhedor da taberna. “Ouvia-se” o silêncio entre conversas dos amigos de seu pai.

Aqueles “aaahh” de satisfação eram momentos “únicos”… Pareciam fazer parte de um ritual monástico, salvaguardadas as devidas proporções. Quando o pai esvaziava o copo e batia com ele, já vazio, no balcão o “aaahh”, já tantas vezes ouvido, surpreendia sempre o Pedro que seguia com olhar o momento de prazer do seu pai. Que bom devia ser beber um copo. Quando é que ele teria direito a um “aaahh”!?

O tempo ia passando e o Pedro um dia atreveu-se a pedir ao pai:

- Quando é que eu posso beber um “aaahh”?

O olhar que o seu pai lhe deitou antecipou a resposta que bem lhe custou a ouvir:

- Ainda és muito novo para um “aaahh”.

Passou o Verão, chegou o Outono e o Pedro pensou que já tinha acumulado “créditos” para mais um pedido. E num dia em que tudo tinha corrido especialmente bem nos trabalhos da escola e da fazenda arriscou:

- Oh pai, quando é que eu posso beber um “aaahh”?

Teve direito a mais resposta negativa mas, desta vez, pareceu-lhe que o Pai tinha feito um compasso de espera antes de proferir o “não”. Saiu chateado da taberna e voltou sozinho para casa.

No dia seguinte o Pedro fez mais uma tentativa.

- Oh Pai quando é que eu…

Para sua surpresa o pai disse para o taberneiro.

- Oh Grazina dá lá um copo ao rapaz.

Pareceu-lhe que tinha havido um piscar de olhos entre ambos mas… o seu copo finalmente “aterrou” no balcão.

O Pedro pegou-lhe com o coração a palpitar e com os olhos a brilhar preparou-se para soltar o seu primeiro “aaahh”.

Bebeu o primeiro golo e arrepiou-se todo. Soltou um “iiiihh” prolongado… Tentou um segundo golo e o seu “iiiiiiihhh” foi ainda mais prolongado. Olhou para o copo com asco… e sentiu a mão do pai nas suas costas.

- Como vês ainda não tens idade para um “aaahh”.

O Pedro teve que reconhecer que sim e saiu para a rua para apanhar ar. O pai ficou um pouco trás e, bem disposto, disse ao Grazina:

- Eh pá não poupaste no vinagre. Fico-te a dever uma.

Só muito mais tarde o Pedro soube da “marosca” e... percebeu como o seu Pai tinha sido sábio.

De facto o vinho não deve ser bebido por gente nova… e que há idade para tudo…

Esta história é verdadeira e passou-se numa freguesia perto de Alcobaça.

Infelizmente os pais dos miúdos da cidade nem sempre têm tempo para estar tão presentes nas vidas dos seus filhos. Nomeadamente nas suas saídas nocturnas, quando consomem “aaahh’s” antes de tempo…

Os tais “pequenos nadas” da vida que podem vir a fazer toda a diferença!

É ou não “eeehh”!?
JEROOO…
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 8 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7246: (Ex)citações (107): Mininus di praça e “O Fascínio” (José Eduardo Oliveira)

Vd. último poste da série de 26 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6899: Blogando e andando (José Eduardo Oliveira) (10): Revisitando o passado de Alcobaça, dos anos 40, na Tabanca de São Martinho do Porto

7 comentários:

Joaquim Mexia Alves disse...

Meu camarigo Jero

Quer queiras quer não a tua história emocionou-me!

Os tempos em que os pais tinham tempo para os filhos e os filhos aprendiam com os pais!

Obrigado Jero, por esta tão delicada lição.

Espero que aqueles que hojem bebem ahhs antes do tempo, percebam que o tempo nunca perdoa ao tempo, quando apressam o tempo.

Um grande e camarigo abraço para ti e para todos

Anónimo disse...

Caro Jero

Parabéns e obrigado… por nos relatares estas lições de vida, ainda que simples, contêm muita sabedoria.
Histórias, que só tu com a tua sensibilidade e transparência, consegues dar um toque de fascínio.

Um abraço e Feliz Natal.

José Corceiro

manuelmaia disse...

Caro Jero,


Parabéns pelo teu escrito.
Interessante e inteligente a forma de obrigar o jovem ao ihhhh afastando-o, quiçá definitivamente,do ahhhh...
Bem esgalhado,sim senhor.
abraço
manuelmaia

Anónimo disse...

Jero,
Não me obrigues a passar por Alcobaça para me pagares o aaah que me deves.
Um abraço
JD

Anónimo disse...

Amigo!

Como é bom ler estas histórias!
A saudade do passado chega logo e fica a pairar a nostalgia!
Quantas recordações me vieram à memória?.. infinitas!
quando os anos começam a pesar é porque já carregamos muitas vivências, muitas lembranças, e então...
somos pequenas enciclopédias da vida.
Gosto da sua forma de escrever,
clara e concisa.
Engraçada a forma que o pai encontrou para desviar o filhote do fascínio pelos aaaahhhh! do pai.
É pena que a forma de vida presente, deixe que os filhos cresçam quase sozinhos, entregues a si próprios e às experiências que os adolescentes querem antecipar, convencidos de que já são uns homens:
Só muito mais tarde se convencem de que ainda o não eram.
Sei que a sua história pretende ser um alerta, esperemos que muitos jovens a leiam.
Obrigada amigo.

Um abraço da Felismina

Anónimo disse...

JD
Camarigo da linha
Amanhã já era tarde...Aparece.
Levo-te directamente à tasca do aaaahh e do iiiihh.
Aproveito para agradecer os simpáticos comentários do meu vizinho Mexia Alves, do José Corceiro (feliz natal para ti também), do Manuel da Maia(homem bom do Norte)e da Felismina, tertuliana amiga.
Fraternal abraço de Alcobaça do JERO.

Hélder Valério disse...

Caro camarigo JERO

Estiveste ausente da escrita activa bastante tempo mas nem por isso desmereceu a qualidade e a intenção didática que sempre procuras incutir no que nos ofereces.

Gostei!
E, já agora, quando voltamos a fazer o aaahhh!

Abraço
Hélder S.