sábado, 13 de novembro de 2010

Guiné 63/74 - P7276: História da CCAÇ 2679 (42): A noite em que ninguém queria ir levar o rádio a Tabassi (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 11 de Novembro de 2010:

Carlos,
Aqui vai um episódio em que fui um dos intérpretes. É verdade, verdadinha, mas até parece mentira.
Um abraço para ti, e outro mais abrangente para o Tabancal.
JD


HISTÓRIA DA CCAÇ 2679 (42)

A noite em que ninguém queria ir levar o rádio a Tabassi

Um dia, ao entardecer, o Foxtrot ficava dentro do aquartelamento e eu estava deitado a aguardar o jantar, quando se desencadeou algum burburinho junto da pseudo porta-de-armas, em frente ao meu quarto, a escassos três ou quatro metros. A razão era a seguinte: o 3.º Pelotão desdobrava-se em duas saídas noturnas. Dois terços foram com o Ramalho passar a noite em Amedalai, os restantes acompanhariam o Transmissões que levava o rádio para passar a noite em Tabassi (não havia rádios suficientes, pelo que, ao fim do dia, um dos rádios que saíam para o mato ou em colunas seguia para aquela aldeia), e dois furriéis da Companhia de Cavalaria com dois grupos estacionados em Bajocunda, um dos quais em Tabassi.

Por alguma razão a saída atrasara-se, o sol declinava, e o pessoal recusava-se a sair de noite com furriéis periquitos. Pareceu-me mais uma qualquer revanche, do que uma justificação suficiente. No entanto, a resistência para sair era persistente e teimosa. Nem os furriéis demoviam o pessoal, nem o pessoal encontrava outra lógica que não fosse a recusa de os acompanhar a pé, meia dúzia de quilómetros.

Houve intervenções de alguns graduados, mas foram infrutíferas, e só serviram para consolidar a posição dos contestatários. Veio o Trapinhos, finalmente, para resolver a situação. Eu acabei por me levantar e assistir ao que se ia passar. O Trapinhos ficou a um nível mais alto, na extrema da varanda, em frente à janela do meu quarto. Em redor, alguns graduados aguardavam curiosamente o desenrolar dos acontecimentos. Tal como eu.

Nesse interim, o capitão terá constatado que não era capaz de persuadir o pessoal a sair com os furriéis e o rádio, pelo que começou a levantar a voz e a prometer porradas. A reacção foi de desafio, ele se quisesse que desse porradas, mas dali, sem outras condições, não arredavam o pé. Esguio, os ombros salientes das carnes magras e o olhar encovado, o Trapinhos dava um ar de incapaz, bradava que isto e aquilo, mas ninguém lhe ligava puto. Entretanto, engrossara o número de observadores, pois uma parte do pessoal passava por ali na direcção do refeitório, e ficava na assistência, de onde se ouviam risadas e dichotes. O nosso Comandante crescia em desespero e não tinha qualquer capacidade para se fazer respeitar, nem qualquer ideia brilhante que salvasse a situação. Os dois furriéis, por seu turno, referiam ali perto que sozinhos também não iam.

Era um imbróglio. Alguns dos graduados dirigiam-se aos contestatários perguntando-lhes se não achavam que era chato passar uma noite sem rádio em Tabassi, e se não tinham solidariedade pelos camaradas da outra Companhia que lá estavam; outros referiam-se menos apropriadamente, dizendo-lhes para não serem maricas, que não custava nada fazer meia dúzia de quilómetros, e assim acicatavam a resistência.

Dirigi-me ao meu quarto, vesti o camuflado, calcei as botas, peguei na arma, no cinto de carregadores, e a coberto da noite contornei aqueles que ladeavam o capitão já aos berros. Chamei dois cabos do grupo de resistentes, e perguntei-lhes se saíam comigo. Que sim, comigo saíam. Disse-lhes para chamarem os restantes, sem banzé, mandei avisar os furriéis e o Transmissões que já estava a andar, e a pequena coluna já estava organizada e em andamento ao passar pelo depósito de géneros.

O curioso, é que por força da escuridão, o pessoal assistente não se deu conta da ocorrência, e o Trapinhos, lá do alto, ainda se ouvia a refilar com autoridade, no enunciado de porradas e perseguições.
__________

Nota de CV:

Vd. último opste da série de 1 de Novembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7207: História da CCAÇ 2679 (41): Uma visita do Gen Spínola (José Manuel Matos Dinis)

28 comentários:

Anónimo disse...

Laus in ore proprio villescit
Cabral

Anónimo disse...

Laus in ore proprio villescit
Cabral

Anónimo disse...

Concordo totalmente caro Cabral.

O autor tenta

Elephantem ex musca facere

mas Cabral

Afflicto non est addenda afflictio

porque

Aliud alic vitio est


Desculpem, mas tal como o Cabral não resisti. A prosa é muito boa.

JMA

Anónimo disse...

Caro José Dinis

Atendendo a que a minha arma era transmissões e em parte foi o pomo da discórdia, acho muito bem que os militares não quisessem ausentar-se do quartel, sem levar consigo um rádio.

Um abraço

P.S.

Já agora, do pouco que me lembro do Codoperex de transmissões, vamos lá a ver se consigo descriptar as mensagens dos dois comentários anteriores, embora isto me pareça latim:

Laus in ore proprio villescit = Elogio em boca própria é vitupério

Elephantem ex musca facere = Fazer dum argueiro um cavaleiro

Afflicto non est addenda afflictio = Não se aumenta a aflição do aflito

Aliud alic vitio est = Cada qual tem seu defeito

Se estiver errado corrijam-me, por favor!

Um abraço

José Manuel Corceiro

Anónimo disse...

Magister dixit

... e a wikipedia também.

Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

Quod nimium est, laedit
CA

Hélder Valério disse...

Caro Zé Dinis

A história é curiosa....

Por um lado temos uma situação criada, sabe-se lá bem como, por uma daquelas 'razões' que por vezes apareciam; por outro não parecia haver solução razoável para a resolução do problema; por outro ainda, a solução apareceu, aparentemente de forma discreta e, aparentemente, quase 'clandestina'.

No entanto, sendo tu o protagonista da solução do imbróglio da história, acabaste, não por falar do teu umbigo, é certo, mas por falar de ti...

Ora, parece-me, tendo em conta alguns 'desencontros' que por aqui foram dados a conhecer através de comentários/piropos, lá levaste com o latim. Bom para ti que o Corceiro traduziu!

Como de costume, aqui fica um abraço
Hélder S.

Anónimo disse...

Meus Caros Corceiro e Helder,
Isto amanda muita catagoria: comentários antigos, não sei se de antes, se depois do Cristo, e na língua morta que ainda inspira musas e poetas líricos.
Pois é verdade, a coberto do latim e do anonimato, fui brindado por aqueles envergonhados comentários que inflacionam o valor do que pretendem dizer. São assim os meus inimigos queridos.
Eu conto pedaços de estórias da minha companhia, sobre acontecimentos não ficcionados, para divulgar a vida militar naquelas circunstâncias. Faço avaliações disto e daquilo? Sim, já tenho feito, e procuro que os leitores também possam fazer.
Abraços
JD

Anónimo disse...

Inimigos? Ó JD a guerra acabou há muito!
Ne sutor ultra crepidam
José Manuel Cabral

Anónimo disse...

Já agora....um ditado desta Lapónia já nos 25 graus negativos:-"Ofta talar de som aldrig tiger många toma word".Ou seja:-"Aqueles que nunca se calam dizem demasiadas palavras". Um grande abraco.

Carlos Vinhal disse...

Ou em bom português - Quem muito fala pouco acerta.

Carlos Vinhal

Anónimo disse...

... o que, Carlos, posto em Latim, dá mais ou menos isto:

Importunus erit crebo quicumque rogabit

Abraço,
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

E,para se continuar com os Clássicos,porque näo a cultural e inesquecível frase Histórica do Exm.Sr.Almirante Pinheiro de Azevedo:"Barda..... para os trabalhadores"!....E,a propósito desta:"qui scribit,bis legit"!

Anónimo disse...

Oops, caro José Belo. Demorei, pois...

Quaerenti propere danda est responsio lenta.

De qualquer modo,

Qui bene perquirunt, promptius inveniunt

Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

Eu sei!Eu sei! Agora há muitos que juram que o nunca usaram,(ou sequer viram!).....o emblema do glorioso(?) Benfica! Mas porque näo a latinória que lá está...täo bem...escrita?

Anónimo disse...

Não, meu caro. Em vez de

Et pluribus unum,

prefiro

Fecit iter longum, comitem qui liquit ineptum

CCordeiro

Anónimo disse...

Senhores "Abades" é só traduzir:-Gotta mihi vade moo frigore quanvis tarandro facis foris stupri.VALE USQUE REDITUR.

Anónimo disse...

E,mais uma vez,lá tenho que pedir desculpas.Eu já deveria saber que se näo deve "brincar" com certas Instituicöes que,entre outros,englobam "Abades". Escrevi:Tenho que ir mugir as minhas renas com o frio do carago que faz lá fora.Adeus até ao meu regresso! Depois das operacöes de "com/putagem da Manica" sai isto:(Tenho um moo-me vai fria você faz sem que embora a rena é o retorno tanto quanto stupri.Adeus retorna à mente na medida em que). Ora como VOS posso garantir que só bebo o vodka local daqui a uma meia hora.....Näo será isto um programa de um computador do Ministério da Economia?

Anónimo disse...

A mim deu isto:

"Tenho um moo-me: Vai fria, você faz sem que, embora a rena é o ALL stupri.VALE o caminho de volta".

Depois, palavra por palavra ou de duas em duas e deu isto

"Tenho para mim ir mugir o frio, que, embora a rena é o que você faz fora do estupro. Adeus até à volta". Por aqui talvez conseguisse aproximar-me - mugir o frio é boa. Só não percebia a questão do estupro.
Há que pedir desculpas?
Então aí vão as minhas também.
Carlos Cordeiro

Carlos Vinhal disse...

Os meus doutos camaradas puseram-me para aqui a latir, mas os velhos cursos técnicos do anos 60 apenas contemplavam o afloramento ligeiro à língua portuguesa. Não sei se seria para manter uma certa distância dos intelectuais e por via disso marcar a devida diferença.
Depois desta introdução política (as minhas desculpas), peço, se possível, a tradução, verbum pro verbo, das diversas frases com que fomos presenteados. Não se esqueçam que docendo discitur. Como eu haverá muitos camaradas que ficaram a ver navios.
Um abraço especial para os camaradas Cordeiro e Belo.
Carlos Vinhal

Joaquim Mexia Alves disse...

Ora bem, então prosseguindo no latim, aqui vai uma famosa frase em "latão":
«Primium milium, pardalorum est"!!!

E já agora alguém me explica, doutos conhecedores de latim, porque é que no emblema do Benfica está "e pluribus unum" e não «et pluribus unum"?

E um abraço camarigum para todos

Carlos Vinhal disse...

Porque o tipo que pintou aquilo tinha só o curso industrial de pintor. Havia?
Carlos Vinhal

Anónimo disse...

Bom dia, caros amigos.
Caro Carlos, gostei dos "doutos". Também estudei numa Escola Industrial e Comercial. Não tivemos Latim, nem o aprendi depois. Veleu-me a wikipedia, para que conste. Foi somente uma brincadeira, para dar ares de... "douto". Quando a wikipedia não resolveu, fui a outro dos meus "doutos" conhecimentos: o "Google tradutor". Como vês, "de doidos e doutos todos temos um pouco".
Traduções:

- ":"qui scribit,bis legit" - quem escreve lê duas vezes.
- "Quaerenti propere danda est responsio lenta" - pergunta apressada, resposta demorada.
- "Qui bene perquirunt, promptius inveniunt" - quem procura sempre alcança (não é à letra).
- "Et pluribus unum" - a wikipedia diz que é entre muitos, um (o t do et caiu muito cedo). É o lema dos EUA para significar que de 13 colónias foi feito uma nação (tudo isto me diz o Google).
- "Fecit iter longum, comitem qui liquit ineptum" - antes só do que mal acompanhado.
Também concordo contigo. De facto, docendo discitur

E aqui está a "douta sapiência" à distância (no meu caso) de alguns cliques.

Um abraço amigo do
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

Também no "Grande Selo" dos EUA aparece "e" e não "et".
Nunca ouvi falar que nas escolas industriais houvesse o curso de pintura. Na minha tínhamos comércio, montador electricista e serralheiro mecânico.
Carlos Cordeiro

Carlos Vinhal disse...

Como diria o douto Mexia Alves, "prontos", as fontes do camarada Carlos Cordeiro, já nós as conhecemos.
Claro que o Carlos como Prof de História está habituado a mergulhar nos books em busca do saber.
Na minha escola também havia os cursos referidos, mais o de Formação Feminina, mais longo 1 ano, se bem me lembro.
O curso de pintor de bandeiras foi inventado na hora.

Agora caro José Belo, diz-nos, hic et nunc,de onde vem tanto latim, além de outros conhecimentos já aqui demonstrados por ti? Muito discretamente, ressalve-se. Não brinco.
Aquele abraço
Carlos

Joaquim Mexia Alves disse...

O "latinório" do José Belo deve "vir-lhe" do Direito, porque no tempo dele, (nos primórdios do Direito em Portugal...eheheh), ainda tinham latim.

Agora não sei!

E "prontus"!

"Abraçus camarigus"

Anónimo disse...

Caros amigos

Fico banzado com tanto “latinório”, que sinto tal orgulho no blogue por estes doutos saberes, que não posso deixar passar em branco, com a minha humildade, de os parabenizar, dizendo: “multum in parvo” porque “naturo abhorret a vácuo”

Bom dia, para todos, um abraço e “omnia vincit amor”

José Manuel Corceiro

Anónimo disse...

Bom,quanto aos doutos e profundos conhecimentos de latim...devem-se aos infindáveis diálogos,(em tempo täo distante que já é "clássico"),das Assembleias do MFA em que participei.Daí o termo...clássico-bucólico! Como posterior "exigrado" as minhas lat(r)inarias aperfeicoaram-se em conversas diárias com as minhas renas, (aquando das mugidelas)e outras "alimárias" locais,algumas delas envergando "togas" quase latinas!(já agora,quero lembrar-lhes que isto de mugir renas na escuridäo dos invernos árticos tem o que se lhe diga para evitar confundir fêmeas com...machos)! Mas com toda esta história,(e apesar do interesse óbvio para o avanco cultural da humanidade),estamos a esquecer outros clássicos fundamentais(e näo me estou a referir ao Otelo de C.!)mas sim aos nossos "companheiros"(!) gregos. Como estes ,em tempos que já lá väo,também usaram a sua língua....salvo seja!salvo seja!...na nossa santa térrinha,e isto muito antes dos latinório;e como vamos tendo cada vez mais alegrias em comum com eles,porque näo este clássico grego muito a propósito dos geniais economistas dos nossos governos(!plural!)."É PREFERÍVEL SER DONO DE UMA MOEDA DO QUE ESCRAVO DE DUAS"! Um grande abraco. PS/Caríssimo Camarada e Amigo Carlos Vinhal.Essa do curso de "Formacäo Feminina"....seria ,já entäo, para ambos os sexos?! Tenho que confessar que,indefensavelmente, o ignorava.Mas fico muito grato por me teres ajudado....finalmente...a compreender algumas atitudes da minha querida amiga "Daduxa",(ou seria "Mamuxa"?) nos meus verdes anos do Estoril. E cá vai mais um abraco!