segunda-feira, 18 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7143: Notas de leitura (159): Descolonização Portuguesa - O Regresso das Caravelas, de João Paulo Guerra (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Outubro de 2010:

Queridos amigos,
A obra do João Paulo Guerra abarca os três teatros de operações, centro-me, de acordo com a lógica do nosso blogue, no que mais importa para a compreensão dos efeitos da descolonização da Guiné.
É só um esclarecimento prévio, a descolonização é muito mais sofrimento do que aquele que irá ser vivido sobretudo pelos soldados guineenses que combateram à sombra da bandeira portuguesa.

Um abraço do
Mário


Descolonização Portuguesa - O regresso das caravelas, por João Paulo Guerra (1)

Beja Santos

“Descolonização Portuguesa – O Regresso das Caravelas”, é um relato sequencial do antes, durante e imediatamente após a descolonização. Tem notas introdutórias, de acordo com a cronologia, e alguns dos seus protagonistas mais directos tomam a palavra de acordo com o que viram e experimentaram, ouvimo-los em discurso directo, de acordo com a estrutura pré-estabelecida pelo autor. O resultado é muito lisonjeiro: ficamos com acesso a um balanço do que mais significativo ocorreu dentro das crónicas da descolonização (por João Paulo Guerra, Oficina do Livro, 2009).

A descolonização foi um processo tumultuoso e tão polémico que não se prevê a prazo uma forma de a compreender em termos consensuais, procuram-se responsáveis para as medidas tomadas na política de descolonização e no regresso de, pelo menos, meio milhão de portugueses. O que João Paulo Guerra nos oferece é um quadro alusivo à ascensão de muitos Estados à independência, entre 1955 e 1962 e a evolução da política portuguesa durante esse período. Salazar recusou negociações com os movimentos de libertação, não cedeu a quaisquer propostas apresentadas pelos seus aliados ocidentais. Se nos primeiros anos, a partir de 1961, a guerra não foi alvo de contestação no interior das Forças Armadas, irá passar a ser encarada com muita responsabilidade política e sem solução militar, vista essencialmente no teatro de operações da Guiné. Carlos Fabião, seguramente o militar português que melhor conheceu este teatro de operações refere que foi a contestação ao Congresso dos Combatentes, em Maio e Junho de 1973, que deu aos oficiais a base para novas contestações. Exactamente nessa altura, quando tudo se começa a complicar na Guiné que se começa a ouvir com muita frequência dizer, entre os militares que se chegasse a uma situação de colapso o poder político iria crucificar os militares, como na Índia. No final de 1973, disse Pezarat Correia, a derrota militar perfilava-se no horizonte, na Guiné, havia denúncias de massacres em Moçambique, a população civil insurgia-se na Beira acusando os militares. Spínola passou a escrito que a guerra não tinha solução militar, havia que encontrar a solução política adequada.

Manuel Monge, major do 16 de Março, considera que a situação era insustentável. Perdeu-se um tempo precioso em não querer negociar com os movimentos de libertação. E declara: “Eu fiz parte da delegação que negociou o cessar-fogo com o PAIGC, que pedia, nas negociações de Londres, que os portugueses permanecessem mais 6 anos na Guiné para os ajudarem. Ora nós ficámos lá mais uns 6 meses. Tudo teria sido diferente se se tivesse conseguido evitar a derrocada das instituições e se se tivesse mantido a disciplina e a operacionalidade das Forças Armadas”. As próprias condições em que se dá o 25 de Abril, o tumulto em volta do que devia ser a descolonização trouxe prontamente contradições, tensões entre Spínola e o FMA, posições por vezes opostas entre os principais partidos políticos. A força deixara de existir, um golpe de Estado como aquele que ocorreu em 25 de Abril deu automaticamente o sinal de que as guerras coloniais tinham chegado ao seu termo, o moral combativo exauriu-se. No dia 1 de Junho de 1974, em Bissau, uma assembleia de 800 militares do MFA aprovou uma moção exigindo que o Governo português reconhecesse, “imediatamente e sem equívocos, a República da Guiné-Bissau e o direito à autodeterminação e independência dos povos de Cabo Verde”. Dava-se a radicalização e indisciplina das tropas que se traduzia no terreno em pressões e exigências de vária ordem, plenários, indisciplina e até ultimatos. O testemunho de Almeida Santos sobre estes acontecimentos é elucidativo. São muitos os depoimentos das personalidades políticas e intelectuais ouvidos por João Paulo Guerra: Adriano Moreira, Cardoso e Cunha, António de Spínola, Carlos Fabião, Salgueiro Maia, Veiga Simão, Kaúlza de Arriaga, Luís Cabral, Manuel dos Santos Manecas, Mário Soares, entre tantos outros. Uns são abertamente críticos e negam a derrota militar ou a incapacidade de continuar a guerra. A generalidade defende que se fez a descolonização possível, porque tardia. Ia assim nascer um parto com imensa dor, o primeiro sinal veio da independência unilateral, em 24 de Setembro de 1973, em que o PAIGC proclamou, perto de Madina de Boé, a República da Guiné Bissau. Lisboa, a despeito do impressionante reconhecimento internacional da nova República, negou conversações. Ora acontece como reconhece o Luís Cabral, para o PAIGC a vitória não era objectivo principal: “Só lutámos para que a situação se tornasse de tal modo difícil que a potencial colonial fosse obrigada a ir para negociações. Com o 25 de Abril, convoquei o Comité Executivo de Luta do PAIGC para discutir a questão. O Amílcar, antes de ser assassinado, estava preocupado em fazer uma proposta ao Governo português. Para que a proposta fosse nova, havia que fazer uma concessão da nossa parte. Fez-se o comunicado de 13 de Maio em que se declarava que não haveria negociações sem o reconhecimento do nosso Estado e sem o reconhecimento do direito à autodeterminação e à independência ao povo de Cabo Verde e também das outras colónias portuguesas”.

Nesse dia 25 de Abril, a UNITA reacendia a guerra em Angola.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 15 de Outubro de 2010 > Guiné 63/74 - P7132: Notas de leitura (158): Na Guiné com o P.A.I.G.C., de Georgette Emília (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Torcato Mendonca disse...

Descobres tudo...vou na peugada deste porque o João Paulo G. tem que ser lido.
Mastigado lentamente. Tu, devorador de letras em papel, vais rápido...lapin

Obrigado Mário e um abração do Torcato