terça-feira, 12 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7119: História de vida (31): Monte Novo das Flores e a minha paixão pela natureza (Felismina Costa)

1. Mensagem da nossa tertuliana Felismina Costa* com data de 11 de Outubro de 2010:

Amigo Carlos vinhal
Espero que a história que tenho para vos contar valha a pena ser lida.
Para mim, ela é a realidade da minha adolescência, num espaço calmo e tranquilo, rodeada pelos meus pais e irmãos. Claro que a limitarei ao estritamente necessário, para que seja entendida a minha vivência, pacata e feliz, naquele espaço Alentejano onde nasci e cresci. Toda ela é real.


Monte Novo das Flores

Desde Menina que sou uma apaixonada pela Natureza.
Penso que deve ser uma herança dos quatro costados, como soi dizer-se, por aquelas bandas.

Nasci, e vivi, junto de meus avós maternos em Santa Luzia, no Concelho de Ourique, até aos onze anos.
Meu avô Carlos, pequeno agricultor, cultivava uma cerca, de uns cinco hectares, junto à casa onde vivia, e era igualmente um apaixonado pela terra. Desde muito pequena, que me encantavam aquelas lides. O cheiro da terra, o cheiro da erva, o orvalho matinal, e o expoente máximo daquele espaço, as flores campestres, que sempre aceitei como uma oferta Divinal, e que a Primavera me oferecia sem usura, cobrindo aquele chão moreno, a perder de vista.

Os tempos eram difíceis, o trabalho rareava, e meu pai achou por bem arrendar uma pequena quinta, de uns cinco hectares, (dividida por um pequeno ribeiro, que corria todo o ano), e que a troco de muito trabalho, nos proporcionava o sustento necessário.

Esse espaço, situa-se junto à estrada Nacional 263, que liga Beja a Odemira, insere-se num pequeno vale, num lugar de nome Vale Coelho, e o Monte, (porque cada casa tem o seu nome próprio), para além do pequeno aglomerado em que se insere, chamava-se, Monte Novo das Flores, e saindo de Santa Luzia, no sentido para Odemira, fica 2,5km a seguir.

Acho que foi das melhores prendas que a vida me deu!

Tinha onze anos quando os meus pais arrendaram esse espaço, e vivemos lá até aos meus 19 anos.
Era uma casa grande, e o Sol acordava dentro dela, espalhando os seus raios doirados, por todo o espaço circundante.

Tive a sorte de nascer no seio de uma família de grande sensibilidade, e de outros valores, que me fizeram crescer segura e feliz, valorizando a vida, no mais ínfimo pormenor.

Quando Março chegava, tudo floria.

As árvores nuas, cobriam-se de milhares de flores brancas e rosa, desenhando os meus livros de poesia.

A terra era preparada para as sementeiras de verão, e, dos braços do pai, saía a força e o saber, que transformavam aquele espaço inculto durante o Inverno, num tapete moreno e fofo, pronto a receber a semente, que em pouco tempo se transformava em alimento, em abundância, em prazer.

Terei que vos dizer que a nossa prol era formada por seis elementos: o pai, a mãe, e nós os quatro, eu sou a mais velha, a seguir dois rapazes e por fim outra rapariga, que teve o privilegio de nascer ali.

Os pais, já partiram há muito, mas permanecem, permanecem em nós, na nossa saudade, na nossa recordação, no nosso agradecimento, na nossa alegria, porque foram os nossos mestres, os professores da vida, da nossa vida: a seu lado, aprendemos a terra, os ciclos da vida, o prazer de semear e colher, saber que o esforço era recompensado, que à nossa volta tudo tinha o efeito das nossas mãos, moldava-se cada pé plantado, assistíamos ao seu crescimento, à sua floração, à sua fecundação, ao seu desenvolvimento, qual filho que ajudamos a crescer.

E, eu crescia encantada, saboreando o prazer do conhecimento daquelas lides em que participava activamente.

Para além disso, o ambiente era fantástico! A mãe educava-nos com poesias, a sua moral elevada, variava entre a atenção dada ao trabalho que não tinha fim, e à nossa formação que não descurava, quer pelo exemplo, quer falando connosco, testando as nossas capacidades, esclarecendo dúvidas, ensinando, formando. O pai, era como nós, um admirador da mãe e um ser extremamente sensível e ao mesmo tempo alegre e bem disposto, amigo!

A terra, dava tudo.

O trigo, as batatas, as favas as ervilhas, os frutos, uma imensa variedade de frutos, os vegetais, o azeite, enfim. O fim de cada dia, tinha o cheiro da Natureza pura e viva, os aromas misturavam-se e aspiravam-se a plenos pulmões, saudavelmente absorvidos. Chegávamos a casa cansados, mas felizes.

E as noites de Verão, magníficas, eram um encantamento para a minha alma simples e sonhadora de adolescente.

Em Julho, as cantigas das cigarras e dos grilos entoavam na noite, como caixas de música, cujo som recordo nitidamente.

O luar, claro e luminoso, iluminava a terra inteira, num céu de encanto, onde as estrelas brilhavam, onde a via-láctea se mostrava, qual estrada deserta, numa ascensão e queda, deixando-me a pensar, que por ela quantos milhões de anos teriam já passado.

Felismina Costa
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 22 de Agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6881: Blogoterapia (154): Encontrei no Blogue seres humanos extraordinários, que admiro, preso e considero amigos, apesar de só os conhecer virtualmente (Felismina Costa)

Vd. último poste da série de 13 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6590: História de vida (30): O dever militar chamou-me: Joaquim Cardoso Veríssimo (1949-2010),ex- 1º Cabo At Inf, CCAÇ 5, Canjadude, 1971/73) (José Corceiro)

16 comentários:

Juvenal Amado disse...

É assim cara Felismina.

O seu escrito trás-me os cheiros, os sabores, da casa do meu camarada Caramba.
É o Alentejo que aprendi a amar nas noites de longas estórias, saboreando um vinho e o prazer da companhia do meu camarada, da mulher Rosa e filhos.
Já lá não vou à uns anos. Coisas da vida.
Mas que saudades.

Gostei muito
Um abraço

Juvenal Amado

Torcato Mendonca disse...

Mas que maravilha, Amiga Felismina e que recordações me traz.
A Felismina sabe o porquê. Pois.
Está a falar de lugares de minha juventude e que saudades senti.
Vai dizer-me que são vivências diferentes e tem razão.

Só que adorei e recordei o cruzamento para Garvão, Estação da Funcheira ou, sempre em frente Aljustrel e Beja...

Não escrevo assim num comentário.

Agradeço-lhe o momento encantador que vivi. Você Felismina descreve bem e, se me o permite, continue a escrever. Claro que a edição é outro assunto. Escreva e mostre, a quem sabe e a quem não sabe, essa faceta maravilhosa do Alentejo. Tanto a dizer...

Por vezes, quem julgam pouco saber tanto sabem...lição de vida e acrescentos a "Teorias do Conhecimento"

Um abraço do Torcato

Anónimo disse...

Carissima Felismina
Uma maravilha a sua narração.
Por momentos regressei a Campo Maior, terra de meu pai.
Quando quero deliciar-me com os sabores alentejanos, vou almoçar ao Alentejo.
Abraço
Luís Borrega

joaquim augusto pombinho macau disse...

Gostei muito da discrição da sua infância e adolescência, também sou alentejano, raramente daqui saí, todo o Alentejo é espectacular, mas esse pequeno espaço, onde cresceu, é um lugar privilegiado, no Alentejo são poucos os sítios onde corre a água todo o ano.
A situação agora é muito pior, há muito mais água disponível, que no seu tempo, mas os campos alentejanos, com raríssimas excepções não são cultivados, muitos dos terrenos no seu distrito que estão na R A N e na zona de influência do Alqueva, estão de pousio, ou pior que isso, cobertos de olival, isto infelizmente é a regra em todo o Alentejo.
Em contrapartida importamos quase todos os produtos alimentares que consumimos e temos das percentagens de desemprego mais elevadas do país.
Joaquim Macau

Anónimo disse...

Não fosse eu também Alentejano e diria que isto parece uma concentração dos ditos.
Obrigado pelo belo texto que descreve uma pequena parte do que é ou era o verdadeiro Alentejo.
Espero mais.
BSardinha

Anónimo disse...

Amiga Felismina

A sua história teve o dom de me retrogradar à minha meninice, projectando na minha mente um filme a cores, com os momentos que eu tive nesse passado, e agora recordo com saudade. Vi-me ainda criança, a fazer algumas tropelias na aldeia onde eu nasci e passei momentos muito felizes. Foi nesta aldeia que eu aprendi a amar o próximo, a admirar e respeitar a Natureza, e a ficar um pouco mais bucólico.

Gostei…

Parabéns e um abraço

José Corceiro

Anónimo disse...

Felismina,
Muito obrigado por partilhar connosco o Alentejo bucólico, vivo, colorido e harmonioso da sua infância.
Provavelmente´, já não terá comparação com a vida quase urbana da actualidade, onde as crianças passam o tempo no jardim de infância, na escola, com horários proletários a partir dos quatro meses, e fazem o crescimento em frente das play-stations, sem qualquer contacto com a natureza, que desconhecem na sua premência e encantos.
Mas o seu texto ainda revela um ensinamento que me permito sublinhar: "saber que o esforço era compensado".
Hoje sonhamos com grandes vidas, com luzes e privilégios, com prémios milionários que nos projectem para as facilidades da vida social e imponham à admiração futil.
Ainda estou à espera de ouvir: estuda meu filho para seres útil à sociedade, que ela retrubuir-te-á.
Um abraço
JD

Anónimo disse...

Caríssima amiga Felismina!

Mesmo a esta hora, vou sair ao meu quintal, passar a mão pela "lúcia lima", pelos poêjos, hortelã da ribeira e oregãos para saborear e regressar a essa linda nossa Planície.

Sou um doente dessas coisas todas pois num pequeno pedaço de terra quero por todo o nosso Alentejo e não só.

Não posso encontrar uma semente! Vai directa ao vaso para a pequena estufa. É tão gratificante!

Belo momento Felismina que nos ofereceu nesta linda Tabanca.

Quando comecei esta aventura um primo meu dizia para minhas filhas: Sabem o que ele está a fazer? Tenta transportar para aqui um pedaço da sua terra e a memória, saudade de vossos avós.

Obrigado! Por este belo e bucólico texto, que me fez voltar às raizes.

Merece uma orquidea, uma esterlicia, uma cica eu sei lá!

Se passar aqui pelo Estoril, terei imenso gosto em lhe oferecer.

Como é bela a nossa planície.

As melhores saudações,

Mário Fitas

Anónimo disse...

Cara amiga Felismina

Fiquei muito sensibilizada com o seu texto.
São as cores, os odores, e os sabores da minha infância, no Alentejo.
Na descrição que fez, não falta nada, à realidade que vivi...!

Um grande beijinho para si e os meus Parabéns

Maria Teresa Parreira

Hélder Valério disse...

Caríssima Felismina

Belíssimo texto.

Para a geração dos que 'fizeram' a guerra que aqui recordamos, tudo o que ali é referido não é totalmente estranho, pois para a maioria de nós (excepto alguns mais empedrenidamente citadinos) havia sempre uma 'terra' a que pertencíamos, ou pelo menos a nossa família.

Para os mais jovens ficam aqui estas belas 'imagens falantes', em forma desta escorreita prosa que, em certos momentos, assume quase forma poética.

Muito obrigado!

Hélder S.

Anónimo disse...

Caríssima Felismina,

È um citadino da mui nobre Invicta e Leal Cidade do Porto, que se lhe está a dirigir para dizer que gostou muito do que leu e que concluíu que deve ter tido uma linda família que lhe proporcinou uma linda infância, como a que eu tive também.
Apesar de viver na chamada 2ª. cidade de Portugal ainda senti alguns dos cheiros e dos cantares da bicharada nessa pura natureza de então.

Ainda consegui jogar a bola nas ruas que hoje para as atravessar tenho de respeitar os sinais e se calhar mesmo assim corro um sério risco de ser atropelado.
Tudo isto para lhe dizer que gostei e gostei de recordar a minha meninice um pouco longínqua.
Um grande abraço,

Adriano Moreira

Joaquim Mexia Alves disse...

E ainda há gente que quer viver na cidade!!!

Bela história, com cheiros de memória.

Um abraço

Luís Graça disse...

Mensagem da Felismina Costa, que o editor L.G. entendeu dever publicar como "comentário" ao poste P7119:

No dia 13 de Outubro de 2010 02:43, Felismina Costa escreveu:

Boa noite, meu editor e Amigo [Carlos Vinhal]!

É sensibilizada, que lhe agradeço o trabalho e pormenor, que graciosamente teve a gentileza de procurar para alindar a minha história de vida.

Já no trabalho anterior, fiquei encantada com o pormenor do Brasão da minha terra, que agrada sempre aos seus naturais.

Obrigada pela sua sensibilidade, amigo, pela sua disponibilidade para editar, trabalho que só se vê nas postagens, mas que se ignora o tempo roubado à vida particular de cada um de vós, editores, e que não duvido, é imenso.

É preciso ter amor à camisola, e bem-hajam por isso!

Um blogue desta dimensão, nem sei imaginar o trabalho que dá, ter tudo organizado desta forma!

É de louvar!

Estou convosco, mas ignoro muitas coisas, mas já tenho pensado como é que se mantém?

Irei sabendo. Hoje, sei apenas que foi um prazer entrar no Blogue, e muito maior em permanecer.

O meu obrigado a todos vós pelo vosso brio e pelo vosso altruísmo.

É uma equipa de homens valentes, inteligentes e disponíveis para a valorização de cada um.

Um abraço Amigo.

Felismina Costa

Luís Graça disse...

Resposta (particular), com data de hoje, às 12h12, do nosso co-editor Carlos Vinhal (que está de serviço 24 horas por dia ao nosso blogue!!!), à mensagem da Felismina Costa, e que o editor L.G. entende dever publicar como "comentário" a este poste... (Para bom entendedor, meia palavra basta, diz o nosso povo).


Cara amiga Felismina:

Obrigado pelas suas palavras que recebemos com agrado, não por vaidade, mas pelo reconhecimento do nosso sacrifício pessoal.

O Luís que tem uma actividade intensíssima como professor e o Eduardo que corre o país, e que, como os mineiros do Chile, trabalha nas profundezas da terra, conseguem ainda tirar umas horas do dia para o Blogue.

O nosso problema é quando se juntam a Alice, a Fernanda e a Dina a dizerem que agora os maridos só pensam no Blogue. É o preço.

Deixo-lhe um abraço extensivo ao seu agregado familiar.

Carlos

Anónimo disse...

Meus Amigos!

Juvenal Amado

Torcato Mendonça

Luís Borrega

BSardinha

José Corceiro

JD

Mário Fitas

Maria Teresa Parreira

Hélder Valério

Adriano Moreira

Joaquim Mexia Alves

E

Editores do Blogue

A todos, muito Boa-Noite!

É uma honra os vossos comentários!

A descrição da minha história é tão natural, que me causou uma certa surpresa a vossa apreciação.
Contudo, dir-vos-ei, que senti uma certa "vaidade", não pelo que escrevi, mas pelo que me "escreveram".

Espero continuar a merecer a vossa apreciação.

Um abraço do tamanho do Alentejo para todos vós e a minha gratidão sincera.

Felismina Costa

Anónimo disse...

Imperdoável a minha falha nos agradecimentos ao amigo Joaquim Macau, porque pensei em procurar saber, se era ou não um dos nossos tertulianos e responder-lhe em particular, para falar sobre o nosso Alentejo, e acabei por fazer os agradecimentos, sem fazer essa pesquisa, pois meteu-se o fim de semana pelo meio, e a memória já não é o que era.
Se quiser enviar-me o seu e-mail, terei muito gosto em falar consigo.
Agradeço a sua apreciação e envio-lhe um abraço.

Felismina Costa