terça-feira, 12 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7117: (Ex)citações (97): Sensatez e rigor no Nosso Blogue (José Manuel Matos Dinis)

1. Mensagem José Manuel Matos Dinis (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 10 de Outubro de 2010:


SENSATEZ E RIGOR, FAZEM PARTE DA RECEITA

Tenho um neto que completou agora dois aninhos. É o Barbosa. De nome próprio chama-se Manuel Maria. Por mim, de mão beijada já lhe ofereço o Barbosa. Depois, se ele for apreciador de vinho, de mulheres e... poeta, guindar-se-á por direito ao epíteto de Bocage. Parece que trilha o bom caminho. No dia de aniversário foi um magnifico "entertainer". Quando lhe perguntavam quantos anos tem, abria um sorriso, compunha um movimento, e dizia com correcção: dois!

Ora, ele respondia pelo que ouviu dizer. Na verdade ele não sabe que tem dois anos, pois não tem qualquer noção do fraccionamento do tempo. Dessa essência, o tempo, ele não sabe nada. Mas é esperto, memoriza as coisas, e fala em conformidade.

No caso do meu neto, ele começa pelo fim: diz sobre o que ouviu dizer, e, pode ser que, com o tempo, ele venha a saber muita coisa, a interpretar e juntar conhecimentos para formação de uma sageza sistematizada e autêntica.

Tergiversei sobre o encanto do Barbosa no caminho da aprendizagem, para mais fácil exposição do que pretendo transmitir, por flashes de luz, em medidas comedidas e adequadas às diferentes inteligibilidades, seguindo o modelo de Jesus, que falava quase sempre por parábolas, narração alegórica que encerra algum preceito de moral ou verdade.

Pode acontecer, porém, que ele venha a desenvolver um interesse técnico, para desmontar e montar brinquedos, que o tornem destro no manuseamento de máquinas, por exemplo. Pode não desenvolver o espírito por aí além, pode não se interessar por filosofias, nem se preocupar com critérios sobre a interpretação histórica, mas pode vir a merecer a alcunha de Bocage, e ganhar a vida honestamente numa área técnica. Nota: associamos o Bocage à boémia, mas um bom profissional de qualquer área, pode viver alguns momentos de boémia, e outros de manifesta responsabilidade.

Pela nossa natureza, todos os homens são eminentemente sociais. Por isso convivem e exprimem-se. Aqui é que a porca torce o rabo: é sobre a qualidade da expressão. Porque, se é natural exprimir-mo-nos sobre o que sabemos, também há uma grande tendência para nos exprimirmos sobre o que não sabemos, mas sobre o que ouvimos dizer, sobre matérias induzidas que gravámos como autênticas, sem cuidar de apurar a autenticidade.

É a preversão do conhecimento.

Porque, na verdade, se não sabemos, não temos opinião própria. Apenas reproduzimos opinião, de sentido continuado, ou de sentido contrário relativamente à autenticidade do assunto. Isto depende de alguns pressupostos enquanto ouvintes, ou leitores, de opiniões.

E como somos sociais, pode acontecer ocasiões em que, sem termos a sabedoria adquirida sobre certa matéria, apenas o conhecimento que resulta do contacto com ela, sem ocasião para reflectir interpretativamente, apesar disso, somos capazes de tomar posição, defendendo-a, ou atacando-a, com maior ou menor tenacidade. E o essencial, nessas alturas, não passará de uma treva. Mas que poderá formar correntes de opinião e conduzir as pessoas por caminhos errados, daí, que me pareça necessária alguma temperança antes de enfileirar em movimentos.

Vem isto a propósito de duas situações que, com alguma frequência, encontro no Blogue.

A primeira refere-se a Camaradas que se queixam de alguma intelectualidade (recurso ao conjunto das faculdades intelectuais) imprimida em certos textos. Meus caros, eu não acho que a aversão incida na intelectualidade, antes, quando não temos um verdadeiro interesse sobre a matéria vertida, refugiamo-nos nesse argumento. O que quer dizer, que não sabemos ainda o suficiente para abordar a questão em presença e, provavelmente, não queremos aprender o caminho para chegar lá. O que, ainda assim, é melhor do que revelarmos a presunção de saber o que não sabemos.

A outra situação refere-se a casos de opinião e/ou tomada de posição, sem o necessário conhecimento intrínseco da coisa, da matéria, do alegado conhecimento. Esta situação é grave, pois pode induzir-nos por caminhos erradas e exige de nós, se nos interessarmos correctamente, que encetemos a via do esclarecimento do que nos chega ao conhecimento.

Foi assim, aliás, que encomendei o livro do Manuel Rebocho, cuja essência é bem diferente da crucificação do QP. É essa vontade de acerto (não digo preocupação) que por vezes me leva a alfarrabistas e a cotejos. Depois faço a minha interpretação, porque, como cada um, vejo o mundo pelos meus olhos, e confrontando às minhas experiências ou a outros conhecimentos adquiridos, formulo os meus juízos. Neste caso, conhecimento adquirido será aquele que foi comparado, confirmado ou testado. Conhecimento simples, será aquele que nos transmite a noção (a ideia) da existência de qualquer coisa, sem especial preocupação sobre ela e a sua essência, de que é fácil exemplo, as pessoas irem para o mar sem conhecer o Princípio de Arquimedes. O seu conhecimento não é essencial para o dia-a-dia, e as pessoas fazem a sua vida. Agora, se quiserem perceber porque não se afundam... têm que adquirir conhecimento.

Essa tendência de nos manifestarmos por impulso, ou por paixão, sem a ciência certa, encontrei-a entre nós, sem que daí resultem mais-valias, e a contrariar o que estabelece o regulamento do noveforanadaevãotres.

Sensatez e rigor, fazem parte da receita.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 21 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7019: Convívios (191): Próximo convívio da Tabanca da Linha, dia 2 de Outubro de 2010, no Talho do Diamantino - Quinta do Cortador (José Manuel M. Dinis)

Vd. último poste da série de 1 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6917: (Ex)citações (96): Camarada...não é bem irmão, não é bem amigo, não é bem companheiro, não é bem cúmplice, é uma mistura disto tudo com raiva e esperança e desespero e medo e alegria e revolta e coragem e indignação e espanto, é uma mistura disto tudo com lágrimas escondidas (António Lobo Antunes, escritor, 68 anos)

9 comentários:

Luís Graça disse...

Meu caro Zé Dinis:

Não podia estar mais de acordo contigo... As nossas regras são, afinal, as do bom senso e do bom gosto. Fica mal falar do que se não sabe, não se viu, não se leu, não se estudou... Mas também não é de bom tom "falar de cátedra", falar do alto do cadeirão do saber...

Eu sei que todos somos iguais, mas há sempre uns mais iguais que outros... No blogue e fora do blogue, por esse mundo fora...

O nosso blogue procura (sem o conseguir na totalidade) ser equitatitivo, equilibrado, sensato, aberto, sensível... É preciso "saber ouvir" e "dar voz" às diferentes sensibilidades e condições dos nossos tabanqueiros...

Obrigado pelos teus ensinamentos e incitamentos... Agora diz-me lá onde foste buscar essa do Noveforanadaevaotres...

Historicamente, a I Série do blogue chamava-se Blogueforanada (em princípios de Outubro de 2003) mas não tinha a haver com a Guiné...

Depois eu criei um outro, só para as minhas "blogarias", o Blogueforanadaevaodois...

E finalmente temos a II série, a partir de Junho de 2006, do nosso blogue, que está de facto registado no Blogger (que pertence ao Google) como Blogueforanadavaevaotres... mas que na realidade se chama (e deve chamar) Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné...

Um ou outro camarada já tem usado a expressão "noveforanada" e "noveforanadaevaotres" mas só por graça ou brincadeira... Outros já o têm feito, pontualmente ou por sistema, com segundo sentido, e até com intenção de crítica malévola...

Se pesquisares no Google, ele dá os postes onde aparece a expressão...

É evidente que tudo nasceu do trocadilho à volta da expressão Nove fora nada...

Mantenhas. Luís Graça

Luís Graça disse...

Maldita garalha:

Não queria dizer "Historicamente, a I Série do blogue chamava-se Blogueforanada (em princípios de Outubro de 2003) mas não tinha a haver com a Guiné"...

Queria dizer, isso sim, "não tinha nada a VER com a Guiné".

Joaquim Mexia Alves disse...

Meu caro camarigo José Dinis

Concordo contigo e não concordo!!!

E a parte que não concordo deve-se a esta frase tua:
«Essa tendência de nos manifestarmos por impulso, ou por paixão, sem a ciência certa, encontrei-a entre nós, sem que daí resultem mais-valias»

Julgo eu, que faz parte da "terapia" que desejamos este espaço também constitua, que um atabancado extravase por impulso ou por paixão algo que sente ou lhe foi provocado por um qualquer texto, nem que depois tenha de reconhecer que extravasou em demasia.
É que ao extravasar se libertou de uma tensão e ao reconhecer, (se for caso disso), que extravasou demasiado, já aprendeu alguma coisa.
Se todos falarmos apenas do que sabemos, (talvez esteja a ser radical em relação ao teu texto), isto vai-se tornar muito monótono e temo bem que qualquer dia cada um esteja apenas a falar do que sabe e que até pode nem interessar aos outros.
Interpretei-te mal? Talvez acredito que sim.

Mas meu caro, não vem mal nenhum ao mundo se eu escrever umas calinadas sobre algo que não domino, pois até depois posso vir a aprender.

Eu substituiria a sensatez e rigor, pela sensatez, verdade e humor!

E sempre a considerar-te, bem como a todos os camarigos, sou aquele que assina com um abraço camarigo

Ah e desculpa lá, mas facilmente perceberás que escrevi por impulso e até por paixão.

Vai sair brevemente noticia na Tabanca do Centro do VI Encontro em Outubro. Está atento, meu caro!

Joaquim Mexia Alves disse...

Oh Luís Graça

«maldita garalha»!!!

Gostei da gralha dentro da gralha!!!

eheheh!!!

Um abraço

Anónimo disse...

Zé Dinis, Camarada e Amigo,

A teu pedido, enviei-te uma análise ao teu texto, análise essa que será ou não publicada, mas que eu te autorizei que dela fizesses o que bem entendesses.

Se aqui venho neste momento, é apenas e só para dizer que o escrito que de ti recebi e sobre o qual debitei teoricamente, tinha por título " A formação do Conhecimento".

Fico espantado com o "baptismo" do teu post utilizando a expressão Noveforanadaevãotrês,expressão que eu detesto, pois como deves ter conhecimento,tirando as brincadeiras de alguns camaradas nossos, é utilizada por pessoas que devotam toda a sua antipatia,aversão e malevolência ao nosso Blogue e eu gosto demasiado do Luís Graça e Camaradas da Guiné para deixar passar em claro esta situação.

Tenho a certeza que conhecedor do que afirmo, não terias utilizado esta expressão mas, querido amigo, estamos sempre a aprender, estamos sempre a adquirir conhecimentos e por muito que saibamos nunca sabemos tudo,fraternamente to digo.

Um abraço de amizade do

Vasco A. R. da Gama

Anónimo disse...

Camaradas,
Constato três comentários, subscritos por três Camaradas que muito prezo, com conteúdos algo apreensivos. Vou tentar explicar-me:
Em relação à minha entendível faladura de cátedra, peço desculpa, mas não tive qualquer intenção, nem o texto tem suporte científico, nem pedagógico. Pretende ser, tão só, uma conversa que encetei com os Camaradas da Guiné aqui reunidos. Ó Luís, achas que tem algum ar professoral?
O comentário do Joaquim é um excelente exemplo de impulso ou paixão que eu aprecio. Gosto do tom coloquial, franco, humurado, e da amizade que extravaza. Não é, naturalmente, a este género que me refiro e, que, felizmente, predomina entre nós.
Terceiramente, respondo ao Vasco (e, também, ao Luís), esse magnífico e emotivo Camarada, capaz de sair de Buarcos em socorro de um amigo.Mesmo que a ajuda seja para resolver uma petiscada. Pois a propósito do título, digo-te, e ao Luís,que não foi da minha escolha, pois o que constava era, de facto, A Formação do Conhecimento. Não sei porquê, o Carlos adoptou aquele. Mas o que me preocupa, é a conotação que lhe é atribuída fere susceptibilidades. Nunca me dera conta dissa deliberada intenção, e, se alguém a manifesta, talvez diluí-la como forma natural de nos referirmos e identificarmos, possa tirar-lhe a eventual carga de ironia ou provocação. Repito, não tinha essa sensibilidade. E acredito, claro, que o Carlos também não. Não é homem para impludir o blogue a que tanto se dedica, nem é do género de me pregar uma traição.
Façam o favor de entender o título, se não for mudado, como um mero acaso.
Abraços fraternos
JD

Torcato Mendonca disse...

## As nossas regras são, afinal, as do bom senso e do bom gosto. Fica mal falar do que se não sabe, não se viu, não se leu, não se estudou... Mas também não é de bom tom "falar de cátedra", falar do alto do cadeirão do saber...

Eu sei que todos somos iguais, mas há sempre uns mais iguais que outros... No blogue e fora do blogue, por esse mundo fora...

O nosso blogue procura (sem o conseguir na totalidade) ser equitativo, equilibrado, sensato, aberto, sensível... É preciso "saber ouvir" e "dar voz" às diferentes sensibilidades e condições dos nossos tabanqueiros...

Obrigado pelos teus ensinamentos e incitamentos...##

São palavras do Luís Graça e assumo a responsabilidade da transcrição.
Estou de acordo com ele. Digamos assim.

Não é necessário"Tergiversar";comparar os nossos camaradas, na sua forma de pensar, com o processo evolutivo da aquisição do conhecimento de uma criança;menosprezar o conhecimento empírico;ser elitista e talvez machista;comparar o incomparável e, o Snr Du Bocage aqui? Gosto dele!

Não desgosto do texto porque me ensina algo e eu gosto de aprender. Contudo,o que é o conhecimento assim descrito?
Ah...há a lei da rolha ou a rolha da lei. Certamente no "noveforanadaevão três".
Estudarei o assunto e talvez um dia grite -EUREKA.
Nunca pensei ler o livro citado mas, se necessário for...
Caríssimo José Dinis recebe um abraço,
Torcato

MANUELMAIA disse...

CARO ZÉ DINIS,

GOSTEI DESTE TEU FILOSOFAR SOBRE OS DIFERENTES TIPOS DE ESCRITA E SOBRETUDO DAS REACÇÕES À DITA...

O MANUEL MARIA NÃO TERGIVERSARÁ A UM DESAFIO DESTA ELOQUÊNCIA QUANDO LHE DER PARA ASSUMIR O BOCAGE DEPOIS DO BARBOSA, QUE SU ABUELO D.DINIS LHE OUTORGOU POR DIREITO RÉGIO.
ABRAÇO
MANUELMAIA

Anónimo disse...

Caro Torcato,
Opinar, pode ser entendido com significados de distintas interpretações: alvitrar, julgar, entender. As respectivas formulações são bem distintas e com diferentes efeitos desejados.
Quanto aos que pouco divulgam sobre os conhecimentos que detêm, pode haver reserva na transmissão, por timidez, ou por receio do efeito provocado, ou pela subjectividade da importância do assunto.
No entanto, faço votos de que ninguém se coíba, por se sentir inibido.
UM abraço
JD