quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Guiné 63/74 - P7091: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (36): Desastre de viação de um T6

1. Mensagem de Fernando Gouveia (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 3 de Outubro de 2010:

Caro Carlos:
Embora me esteja a dirigir a ti, enviando mais uma estória para a série “A Guerra Vista de Bafata”, é também para dar conhecimento aos restantes camaradas que vão continuar a ter que me aturar com os meus escritos.
Na Tabanca de Matosinhos foram vários os camaradas que me perguntaram se tinha deixado de escrever. A estes já dei a explicação do meu silêncio temporário, aos restantes direi o que tu também já sabes: Tenho andado a preparar a publicação no Blogue, e não só, da já anteriormente anunciada estória “NA KONTRA KA KONTRA”, com quarenta e oito episódios. Porém, por motivos de ética literária, esta publicação tem que aguardar mais algum tempo.

Um abraço a todos.
Fernando Gouveia


A GUERRA VISTA DE BAFATA (36)

Desastre de viação de um T6

Há dias um amigo, a propósito das inúmeras vezes que tinha andado de avião, referia-se à perigosidade inerente a descolagens e aterragens, pois é sabido que é nestas situações que acontecem mais desastres. Pessoalmente, nunca tinha pensado nas muitas vezes que já andei nas mais diferentes aeronaves. Verifiquei que foram muitas mais do que as que eu supunha, contribuindo para isso as viagens para, e na, Guiné.

Resolvi fazer uma lista das vezes que levantei voo. Os dois últimos voos foram entre Portugal e a Guiné. Pelo meio ficam muitas viagens para diversos lugares e, inclusivamente, um voo de parapente no Brasil. Diga-se de passagem que a primeira experiência de voo foi em Bragança, quando tinha dezoito anos, num biplano velhíssimo que não ultrapassava os duzentos quilómetros por hora.

Mas fixando-me na Guiné e concretamente no Comando de Agrupamento de Bafata, onde estive dois anos, referirei que para além da minha principal actividade, ligada às Informações, também tinha entre outras, a função de contactar os pilotos que chegavam e de os encaminhar para os locais das refeições ou de pernoita, para o Esquadrão de Cavalaria, ali ao lado, ou para a sede do Batalhão, pois no Agrupamento não havia condições para isso.

Por essa razão tive oportunidade de voar de Dakota, de DO e de helicóptero, em RVIS, ou quando tinha de ir a Bissau por qualquer motivo.

Não posso deixar também de referir as vezes que voei de “Eron”. Um quadrimotor civil, que por vezes utilizei em viagens de férias, quando falhava o Dakota. Lembro-me que uma vez, já o avião no fundo da pista para levantar, o motor, roncou, roncou e o piloto, achando que o avião não estava em condições, mandou sair todo o pessoal mais os animais que lá iam e partiu para Bissau vazio. Tive que pedir um táxi aéreo da capital, que julgo ter sido um “Cessna”.

Ainda sobre o “Eron”, só há pouco tempo, quando falava com o António Pimentel sobre este avião, desconhecendo ele a sua existência na Guiné, soube uma coisa interessante. Para tirar a limpo a existência ou não desse avião resolveu telefonar a um seu amigo que tinha sido piloto da aviação civil nesse tempo, na Guiné. Quarenta anos depois ambos ficámos a saber que o dito “Eron” pertencia a uma “companhia” de aviação cujo dono era Moisés Tchombé.

Mas voltando ao título desta crónica. Ao contrário de muita gente, sempre gostei de andar lá em cima. Na Guiné tentei voar o máximo que pude. De “Fiat” nunca me passou pela cabeça voar, tanto mais que não pousavam em Bafatá, mas de T6, isso sim. Um belo dia chega um T6 com um piloto “porreiraço”. Como era minha obrigação fui à pista para lhe dar apoio. A primeira coisa que me pergunta é se não tinha ouvido um rebentamento minutos antes de ele chegar, pois faltava-lhe uma bomba, daquelas de 50kg que traziam debaixo das asas. Disse-lhe que não e ele achou que tinha sido muito antes que lhe tinha caído a bomba. Adiante. Conversa puxa conversa e, como eu estava a precisar de ir a Bissau, perguntei-lhe se me levava, a mim e a um saco pequeno. Resposta afirmativa, que não havia problema.

Ia voar num T6.

Quando os pilotos passavam a noite em Bafatá e os aviões ficavam na pista era necessário destacar um grupo de militares para fazer a sua segurança. Porém, muitas vezes para obviar a isso, os pilotos levavam os aviões da pista até junto das portas de armas do Esquadrão de Cavalaria e do Agrupamento, ao longo de um caminho de uns trezentos metros não sendo pois necessário segurança suplementar, além da habitual à porta de armas.

Foi o que aconteceu nesse fim de dia. Roncando lá veio o T6 pelo caminho em direcção ao local de pernoita. Fosse pelo escurecer do fim de tarde, ou pela falta de visibilidade a partir do “cockpit” o que aconteceu foi que o piloto enfiou uma roda do avião num boeiro do caminho, batendo com a ponta da asa no chão.

O T6 em que não cheguei a voar

Tiveram que vir mecânicos de Bissau consertar o aparelho e lá se foi a única oportunidade que tive de voar numa autêntica relíquia da aeronáutica.

Fernando Gouveia
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 1 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6668: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (35): Diário da ida à Guiné - 17/03/2010 - Dia catorze

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