quarta-feira, 29 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7053: Eu, capitão miliciano, me confesso (4): A minha tropa, em 1960/62, antes da minha guerra, em 1970/72 (Jorge Picado)

1. Comentário de Jorge Picado ao poste P7042,  com data de 28 do corrente:


Caro José Martins:  Como sempre, a tua escrita é sintética (talvez fruto da tua profissão de TOC - Técnico Oficial de Contas), mas bem detalhada e concisa, não deixando de parte aqueles pormenores importantes para enquadrar bem a época e as situações. Gosto sempre.


Hoje fizeste-me recordar algumas vivências da minha atribulada vida do Serviço Militar que tive de cumprir, antes da Guerra.


Desculpem a intromissão, mas estou numa de sentimentalismos, talvez próprios da idade já avançada e não resisto (*).


(i) GACA-2


Também fui um utente desse aquartelamento desde Fevereiro (?) a  Setembro (?) de 1960, ou seja, desde que terminei o COM no CIAACA-Cascais e fui promovido a Aspirante e por artes "mágicas", eu que era o 2.º classificado de AAA (classificação 16,59) fui parar a essa Unidade, "destinada" aos últimos do curso, em lugar de ir para aquela que tinha pedido (RAAF-Queluz). 


Tive pois de "gramar" aí  todo o tempo da recruta que ministrei, até voltar àquela que de facto era a Unidade a que fiquei vinculado e pela qual "lutei", daí resultando ter sido "marcado" pelo Cm do GACA, com nefastas consequências.


(ii)  Invasão da Índia (**)


Apanhou-me na 1.ª Rep do EME, em Santa Apolónia, após nova e "um tanto mirabolante" convocatória para o SM em 30 de Agosto de 1961.




(iii)  Capitão Varela Gomes


Conheci-o precisamente uns dias antes deste acontecimento, já que por motivos que neste momento não sei concretizar, mas tenho uma ideia que teria havido nesse mês de Dezembro umas eleições (teria?) e,  como ele entrou nas listas da Oposição, o seu lugar na Defesa Nacional, onde estava colocado, foi posto em causa e então foi transferido de Serviço e foi ocupar um lugar na mesma sala da 1.ª Rep do EME, onde eu  "trabalhava",  uns tempos antes da invasão da Índia.


Como ambos faziamos as viagens (o horário da "repartição" era das 8H às 13H) de casa para Lisboa e vice-versa, no mesmo comboio da Linha de Cascais, pois ele morava, julgo que, em Carcavelos e eu, nessa época, em Oeiras, aliado ao facto dele ter ficado a saber que eu era colega de curso e especialidade, além de amigo,  dum seu cunhado, estabelecemos um certo relacionamento. Lia ele nessa altura um grosso volume sobre guerra de guerrilha, julgo que do Mao, para se preparar, segundo dizia, para a próxima comissão, que não devia tardar.


(iv) Assalto ao Quartel de Beja de 31 de Dezembro de 1961 para para 1 de Janeiro de 1962 (***)


No período desse Natal para a passagem de Ano, nesse "nosso" Serviço (eramos só oficiais) dividiram-se os dias úteis por dois grupos. Calhou-me ficar a "trabalhar" conjuntamente com ele nos mesmos dias, após o Natal e folgámos antes da Passagem e Ano.


Recordo que no último dia de serviço, quando mudámos de roupa (só andávamos fardados lá dentro), estranhei e interpelei-o por não deixar a farda no cacifo, tendo-me respondido algo como "Precisa de levar uma boa limpeza".


Na parada e ao entrar para o meu carro, já que seguia directamente viagem para Ílhavo, despedi-me e desejei-lhe Boas Entradas e Bom Ano. Devolveu-me esses desejos, acrescentando que esperaria que o próximo Ano fosse bem melhor...


Qual o meu espanto quando no dia 1, em Ílhavo, tomei conhecimento do sucedido e tive de regressar de imediato para Lisboa.


Desculpem lá estes devaneios de "um mais velho", mas ainda não são sintomas de velhice.


Abraços para todo o pessoal


Jorge Picado
___________


Notas de L.G.:


(*) Vd. postes anteriores desta série:



(**) Temos tendência, quando escrevemos ou falamos sobre a guerra colonial, para esquecer o caso da Índia Portuguesa (os territórios de Goa, Damão e Diu), a jóia da coroa do nosso Império Colonial. Tenho um primo, o Luís Maçarico, de Ribamar, Lourinhã, que esteve lá preso, nessa época ... A maior parte da malta ficou sem nada, incluindo os álbuns fotográficos... Ele consegiu salvar e trazer o seu...

(**)  ISCSP/UTL > CEPP >
Respublica. Repertório Português de Ciência Política. Edição Electrónica Provisória. Copyright © 2000 José Adelino Maltez.


"Na noite da passagem do ano foi assaltado o quartel de Infantaria 3 em Beja. A revolta foi comandada pelo capitão Varela Gomes. Morto, durante os acontecimentos o tenente-coronel Jaime Filipe da Fonseca, então sub-secretário de Estado do exército. 

"Outro dos organizadores foi o civil Manuel Serra, participando o major Francisco Vasconcelos Pestana, filho do antigo ministro da I República, Pestana Júnior, o capitão Pedroso Marques e o tenente Brissos de Carvalho, bem como o civil Fernando Piteira Santos. 

"Depois de um tiroteio com o major Calapez, comandante do quartel que consegue evadir-se e avisar as autoridades, Varela Gomes é gravemente ferido. Entretanto, Humberto Delgado entra clandestinamente em Portugal, chega a dormir em Lisboa numa pensão, e vai para Beja na companhia de Adolfo Ayala, verifica o fracasso e volta ao exílio, onde denuncia a ineficácia da polícia política face aos disfarces que apresentou".

5 comentários:

Anónimo disse...

Exmos. administradores/editores deste blog: o ISCSP pertence à UTL - Universidade Técnica de Lisboa - e não à UNL. Queiram, por favor, proceder a esta pequena alteração.


Obrigado e bem hajam.

Luís Graça disse...

Está corrigido. Obrigado. O editor L.G.

Anónimo disse...

Confesso que não esperava ver um despretensioso comentário merecer ser Postado, mas o Luís tem um coração muito generoso.

Eu que não gosto nada de "fardas", de armas e de tal profissão, ao ter de cumprir a "minha tropa", ainda tive de viver certas situações que mais me fizeram abominar essa Instituição.

Desculpem mais este desabafo.

Jorge Picado

Anónimo disse...

"Senhor alferes,capitäo...mas que ofício täo ruim. Näo fazem crescer o päo e pisam o alecrim!" (A.Aleixo)

Luis Faria disse...

Amigo Jorge Picado

Pelos vistos conseguiste do Exército uma "licença sem vencimento" de dez anitos,mais coisa menos coisa e quando achavas que passou a definitiva,ofereceram-te com tudo pago e como "premio", conhecer outras latitudes,os seus usos e costumes!

Já reparaste que,se isso não tivesse acontecido,não estarias por estas páginas a "amandar" uns "bitaites",...sempre poucos ?

Abraço
Luis Faria