domingo, 19 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P7010: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (18): Terceiro ataque ao Olossato

1. Mensagem de Raul Albino, ex-Alf Mil da CCAÇ 2402/BCAÇ 2851, , Mansabá e Olossato, 1968/70, com data de 17 de Setembro de 2010:

Caríssimo Carlos Vinhal,
Descobri que ainda me faltava enviar o relato do 3.º ataque ao Olossato, por sinal o último, durante a permanência da CCaç 2402 naquela localidade.

Por essa razão envio-te em anexo um relato referente a esse evento.

Pedia-te que solicitasses a alguma das nossas enfermeiras pára-quedistas, o favor de tentar identificar quem recolheu, assistiu e auxiliou na evacuação dos feridos graves desse ataque e se encontra empoleirada no cimo do avião Dakota visível na foto que incluo no artigo. A figura dela está um pouco afastada, mas creio que alguma delas a vai conseguir identificar.

Um grande abraço para ti e restantes editores. Que tenham um bom fim de semana.
Raul Albino


História da CCAÇ 2402 (18)

Terceiro Ataque ao Olossato

Descrição do Ataque

A 6 de Fevereiro de 1970, pelas 18,50 horas, deu-se o terceiro e último ataque ao Olossato durante a permanência da CCaç 2402 nesta localidade.

O inimigo foi avaliado em cerca de 10 a 15 elementos e flagelou o quartel e povoação com Morteiro 82 e armas automáticas ligeiras durante um período não muito longo. As nossas tropas, em colaboração com os milícias nativos, repeliram o inimigo que não chegou a causar baixas nas nossas tropas nem consequências para o aquartelamento.

Este ataque, relatado desta maneira crua, parece ter-se tratado de mais um ataque igual a tantos outros, mas infelizmente não o foi, por uma razão simples.

Em que é que este ataque não se diferenciou muito dos anteriores? Primeiro, uma vez mais o nosso Comandante não estava presente, encontrando-se em Bissau. Devo confessar que enquanto estive na Guiné nunca me apercebi desta esperteza do inimigo em escolher os momentos de ausência do nosso Comandante para desencadear os seus ataques ao quartel. Esta coincidência, só me apercebi dela, ao longo da escrita deste livro, mais precisamente durante a segunda metade. E, felizmente que assim foi, porque se na Guiné soubéssemos que as ausências do capitão conduziam a ofensivas do inimigo ao quartel, nem ele saía descansado nem nós ficávamos tranquilos após a sua partida. A segunda semelhança aos outros ataques foi a hora que normalmente o inimigo escolhia. À excepção do primeiro ataque a Có, todos os outros foram desencadeados ao anoitecer, o que significa que o inimigo se deslocava durante o dia, instalava-se até ao anoitecer e então efectuava o ataque. Esta escolha do final do dia tinha ainda as vantagens para o inimigo, de impedir que as nossas tropas pedissem apoio aéreo, visto os aviões e helicópteros existentes não terem condições para apoio nocturno, e ainda porque qualquer reacção das nossas tropas em perseguição ao inimigo estava condenada ao insucesso. De noite, com negros num lado e noutro dos contendores, ninguém de bom senso faria uma perseguição.

Curiosamente os nossos ataques a objectivos do inimigo, eram normalmente feitos ao amanhecer, com a deslocação das nossas tropas a ser feita durante a noite. É que deslocando-nos de noite dificilmente o inimigo nos surpreendia e ao amanhecer as suas sentinelas estavam sonolentas e com a vigilância enfraquecida.

Então em que é que este ataque foi dramático? Pela simples razão de duas granadas de morteiro terem caído no centro da povoação, perto do local onde a etnia balanta realizava uma cerimónia tradicional de casamento. O resultado foi desastroso, sofrendo a população 7 mortos, 36 feridos graves e 55 feridos ligeiros.

Nunca um ataque tinha provocado tamanho número de baixas. A população chorava os seus mortos e feridos e a consternação era geral. O nosso pessoal de saúde não tinha mãos a medir, para atender todos aqueles que pediam socorro. As nossas tropas multiplicavam-se para assistir, dentro do que lhes era possível, a toda a população aflita. As nossas instalações de messes e sala do soldado foram convertidas em extensões auxiliares da enfermaria. O serviço de primeiros socorros foi efectuado durante toda a noite, num esforço inestimável de toda a equipa de enfermagem, até que ao amanhecer se pudesse proceder à evacuação para Bissau, por avião, dos feridos mais graves.


A evacuação dos feridos

Evacuação dos feridos

Pela manhã assistimos pela primeira vez no Olossato à aterragem de um avião “Dakota” (em cima na imagem), com dimensão suficiente para evacuar tão elevado número de feridos. De louvar a perícia e coragem dos pilotos para aterrarem na nossa pista, que, em princípio, só estava dimensionada para pequenos aviões.

Vemos na foto em baixo, a presença da enfermeira pára-quedista, que para nós era vista como um anjo caído dos céus, tal era a consideração que tínhamos pelo seu abnegado trabalho de socorrer os feridos em combate, física e muitas vezes também psicologicamente. Que a sua missão no teatro de guerra nunca seja esquecido, pelo menos até ao fim das nossas vidas de ex-combatentes.

Agradecia que algum dos nossos bloguistas, pertencente à Força Aérea, identificasse na foto em baixo, a nossa enfermeira pára-quedista empoleirada no cimo do Dakota.




Acontecimento Trágico-Cómico

No meio de tanta tragédia, ainda se pode contar uma pequena história que seria cómica se não acontecesse neste ambiente de sofrimento.

O Alferes Brito que mais uma vez se viu na posição de comando do aquartelamento, nervoso e cansado, via os feridos mais graves alinhados ao longo da sala do soldado, com ligaduras, pensos e pedaços de corpos por todo o lado, incluindo uma perna.

Vai daí, o Alf. Brito, com a sua característica simples, directa e prática, ordena a um soldado que limpasse todo aquele lixo que ali estava, que já quase não se podia passar. Só que a perna que se encontrava junto aos outros resíduos dos tratamentos, era uma perna artificial articulada pertencente a um dos feridos, que num momento de lucidez ainda conseguiu deitar a mão à sua perna artificial, impedindo assim de ela ir parar ao lixo.

Se pensarmos na dificuldade que ele teve em adquirir aquela, podemos imaginar o que ele não teria de penar para obter outra igual.

Uma pequena sorte no meio do infortúnio.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 21 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4719: História da CCAÇ 2402 (Raul Albino) (17): Segundo ataque ao Olossato

2 comentários:

Rui Silva disse...

Caro Raul Albino:
Quando falam em Olossato eu apareço logo (atrás dum Baga-baga por exemplo).
Lamento que no ataque ao Olossato que tu contas tenham havido tantas vítimas nos civis. Quantas vezes eles eram as vítimas inocentes daquela guerra.
A população do Olossato era por nós (816) muito querida pela sua lealdade e abnegação.
Fomos atacados uma vez com armas pesadas com balas tracejantes em plena noite. Era vê-las passar bem por cima (felizmente).
Não era tempo de chuvas e trovoada mas as faíscas assemelhavm-se
Um abraço
Rui Silva

antunes disse...

Raul
Ainda me lembro desse fatídico dia 6 de Fevereiro de 1970, dia do meu baptismo de fogo, como dizes e bem um dos locais de apoio à enfermaria foi a sala do Soldado, onde foi recolhida a maior parte da população ferida no ataque.
Durante a noite, penso que com o Alf. Brito (Comandante de Companhia em exercício) fomos à sala do soldado fazer a contagem dos feridos a evacuar , para por mensagem pedirmos as evacuações.
Ao entramos na sala do soldado bem ao centro da mesma encontrava-se sentado no chão, um elemento da população, com parte da perna esquerda ensanguentada e à sua frente o resto da mesma (foi esta a cena que vi quando entrei), fiquei aterrado com tal cena e chamei de imediato à atenção e foi nessa altura que alguém me disse que era uma prótese que o ferido tinha tirado para melhor lhe ser feito o tratamento.
Penso ser esta prótese de que falas e que Alf. Brito queria incinerar com as restantes partes.
Se para que já estava no fim da comissão esta cena criou confusão , imagina o que não foi para mim com um mês de comissão.
Um Abraço
Alberto Antunes
Fur. Trms C.Caç 2402 e C.Caç 5