quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Guiné 63/74 – P6987: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (39): Pilhagens, Gamanços ou Desvios! (Mário G R Pinto)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 39ª mensagem, em 14 de Setembro de 2010:

Camaradas,

Ao ler o poste do meu camarada e amigo João Félix Dias " TABANCA DO MONTIJO", e respondendo à sugestão do Luís Graça, sobre Vaguemestres e pilhagens nas colunas de reabastecimento, resolvi rebuscar na minha memória e nos meus apontamentos, sobre ditas que se faziam no meu tempo entre Buba-Aldeia Formosa.
COLUNAS DE ABASTECIMENTO BUBA-ALDEIA FORMOSA
Duas a três vezes por mês, na época seca era organizada uma coluna de grande dimensão, partindo de Aldeia Formosa, Mampatá e Nhala, com destino a Buba, afim de abastecer de mantimentos, que nos eram transportados via fluvial - Rio Grande de Buba - por LDG.

Esta coluna de abastecimento era efectuada pela estrada velha Buba-Aldeia Formosa (via Nhala), em virtude da estrada nova se ter tornado intransitável por vários motivos já aqui expostos por diversos camaradas.

A força de comando destas colunas eram normalmente feitas pelas unidades de Aldeia Formosa (CART 2521), sendo fornecido apoio logístico, como picagem e segurança ao longo do percurso pelas unidades CART 2519 (Mampatá), CCAÇ 2615 (Nhala) e CCAÇ 2614 (Buba).

Havia sempre apoio da força aérea que para isso deslocava 2 aviões T6, para a pista de aterragem de Aldeia Formosa, ficando de prevenção para qualquer eventualidade.

Estas colunas demoravam sempre cerca de dois a três dias, dependendo das marés em Buba, para a LDG poder acostar no cais. Era uma azáfama enorme lutando contra o tempo, que possibilitava à LDG descarregar o seu conteúdo, para todas as unidades do Sector.

Eram chamadas viaturas de cada unidade que, juntamente com o Vagomestre, carregavam os víveres da respectiva Companhia a que eram dirigidos. Aqui começava a «PILHAGEM», pois não havia tempo para conferir o material que a cada um era devido.

Indicavam o lote de abastecimentos que se encontrava no convés da LDG e cada unidade carregava as suas viaturas, a toda a pressa, porque o tempo sempre escasseava para esse efeito.

Depois esperava-se em Buba que todas as outras viaturas, que compunham a coluna, estivessem abastecidas para iniciar o regresso às respectivas unidades.

O regresso era sempre mais penoso porque as viaturas carregadas se atolavam na transposição das bolanhas existentes nos percursos e pessoal que garantia a segurança tinha que caminhar apeado por diversos motivos.

A segurança das estradas e as picagens, às idas para os reabastecimentos, eram levados ao maior grau de exigência, e dava os seus bons frutos, mas, nos regressos, devido à actividade inerente que as nossas movimentações provocavam, que, como é óbvio, alertava o IN permitindo-lhe preparar os seus ataques e esperar por nós. Os locais onde nos emboscavam eram quase sempre os mesmos e, por isso, já referenciados e considerados por nós como muito sensíveis.

Inúmeras minas foram detectadas e levantadas, ou destruídas, por todas as unidades nestas alturas, mas o que mais mossas faziam nas NT eram os fornilhos, porque se eram quase indetectáveis e o IN accionava-os, à nossa passagem, quando muito bem entendia.

Normalmente, os percursos das colunas corriam bem, devido essencialmente às boas e adequadas preparações e posicionamentos dos dispositivos colocados no terreno pelas NT e pelos meios envolvidos. Por vezes, quando menos esperávamos, lá ia uma viatura pelos ares, ou sofríamos uma emboscada mais elaborada pelo IN, porque às flagelações á distância já o nosso pessoal não ligava.

AS PILHAGENS

Se assim se podem chamar, sempre as houve mas feitas pelos nossos militares, porque culpar a população nativa é falso, pois era rara a que se transportava nas nossas colunas. Certa mercadoria (whisky, cerveja e pouco mais), era valorizada pelo pessoal e seguia devidamente referenciada nas viaturas e, esta sim, era alvo da cobiça geral. Como os índices dos “gamanços” eram tão baixos, os valores desaparecidos eram dados como destruídos ou perdidos, por acidente, durante o seu transporte.

As emboscadas, as minas e o rebentamento de fornilhos sobre as viaturas, era muitas vezes o motivo justificativo de tudo o que pudesse ter desaparecido nas viagens.

Também as instalações paupérrimas onde algumas unidades eram obrigadas a viver no mato, húmidas nas chuvas, secas no Verão, sem luz, sem ventilação, sem água, etc. originavam a deterioração dos géneros alimentares, materiais e equipamentos, que depois era obrigatório justificar.

Como não havia inspecção da Intendência, ou de entidades superiores, às zonas operacionais mais perigosas, podiam-se fazer relatórios de incapacidade e destruição de alimentos e equipamentos, porque ninguém ia verificar a sua veracidade. Assim houve “justificação” para muita coisa nas zonas de guerra de maior perigosidade.

Houve, como em tudo na vida, quem se soubesse aproveitar destas facilidades e os "desvios" como alguém lhe chamava, não foram a meu ver, mais do que permissividade total para outros fins menos dignos.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art da CART 2519
Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
9 de Junho de 2010 >

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Caro camarada Mário Pinto

O que relatas não deixa de ser a noção que muitos de nós têm sobre o que se relaciona com esses 'problemas'.
Eu próprio também 'beneficiei' dumas garrafas de 'Alvarinho', que nunca tinha bebido até esse momento (foi a estreiar, como se diz por aí...) que milagrosamente se recuperarm depois de terem sido 'abatidas' num 'acidente de percurso' qualquer..

Um abraço
Hélder S.