quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Guiné 63/74 - P6956: Notas de leitura (147): A Tradição da Resistência na Guiné-Bissau (1879-1959), por Peter Karibe Mendy (Mário Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 30 de Agosto de 2010:

Queridos amigos,
Era indispensável uma referência ao trabalho do Peter Mendy, a adaptação da sua tese de doutoramento, a despeito de enormidades panfletárias inaceitáveis a um investigador com os seus pergaminhos, é de uma grande importância para se entender a vida intranquila da presença portuguesa até 1936, e depois.

Um abraço do
Mário



A tradição de resistência na Guiné-Bissau
(1879-1959)


Beja Santos

O livro “Colonialismo Português em África: A Tradição de Resistência na Guiné-Bissau (1879-1959)” é uma versão adaptada da tese de doutoramento apresentada por Peter Karibe Mendy na Universidade de Birmingham, Inglaterra (editado pelo INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Bissau, 1994).

A ideia principal que o estudioso desenvolve na sua tese é de que a luta armada empreendida no país entre 1963 e 1974 deve ser interpretada como a culminação de uma longa tradição de resistência dos povos da Guiné. Os portugueses encontraram uma oposição feroz entre os africanos pelo que procuraram estabelecer relações amigáveis com alguns desses povos. Com altos e baixos no relacionamento, com base em compromissos sempre instáveis, construíram-se fortes em Cacheu e Bissau, mais tarde as bases comerciais ampliaram-se até ao Sul e ao centro da Guiné. Recorreram, não poucas vezes, ao uso de alianças de etnias contra outras. Os colonos brancos não tinham saúde para estar muito tempo expostos ao clima duríssimo da Guiné pelo que precisaram da colaboração dos cabo-verdianos, regra geral bem preparados em termos culturais.

Peter Mendy começa por fazer uma introdução sobre a tradição de resistência ao domínio colonial na África negra e a curiosidade, em muitos casos, é da cronologia dos acontecimentos (rebeliões, resistências, revolta das elites, greves...) coincidir com os diferentes territórios coloniais. Em seguida apresenta os povos e sociedades da Guiné e o povo de Cabo Verde, distinguindo os dois processos de colonização e destacando a questão fundamental do mestiço culto de Cabo Verde.

Entrando propriamente dos antecedentes da resistência na Guiné, descreve o estabelecimento da capitania de Cacheu, os presídios de Farim e Ziguinchor, a fortificação de Bissau (sobretudo ao tempo da Companhia Geral do Grão-Pará e Maranhão, acontecimentos que ocorrem fundamentalmente entre os séculos XVI e XVIII.

Que toda esta presença era frágil e contingente atesta o chamado desastre de Bolor ocorrido em 1878, um massacre perpetrado pelos Felupes. Em 1879 a Guiné separa-se de Cabo Verde e devido aos ditames da Conferência de Berlim (1884 – 1885) Portugal foi obrigado a proceder à ocupação efectiva das suas colónias. É este o período melhor documentado da resistência dos povos da Guiné. A região do Geba vai estar no centro dos primeiros grandes incidentes. Os povos da região, sobretudo os biafadas puseram a região a ferro e fogo e cortaram a navegação, com trágicas consequências para a economia da colónia. Em 1886, a 12 de Maio, é assinado o tratado Luso-Francês pelo qual a França passou a controlar o território a Norte do Rio Cacheu e a Sul do Rio Cacine. É nesta fase que as autoridades de Bolama fazem e desfazem alianças e para aplicar correctivos ou punir insubordinações recrutam numerosas forças de auxiliares fulas e mandingas. O autor enumera as diferentes campanhas punitivas com resultados sempre precários ou por vezes gravemente desfavoráveis para Portugal.

A situação muda substancialmente com as campanhas de pacificação ou de conquista militar. De 1913 a 1915, o capitão Teixeira Pinto com o apoio de Abdul Injai consolida posições em Mansoa e no Oio, depois reprime os manjacos, os cancanhas, os balantas e os papéis. Contribuiu para o sucesso o uso de armamento moderno e a total incapacidade dos resistentes constituírem uma frente unida. A segunda campanha de pacificação irá centrar-se nos Bijagós entre 1917 e 1936. Foi assim que terminou a resistência armada ao colonialismo português que pôde passar a aplicar uma nova doutrina: lógica de missão civilizadora, definição do indigenato (até com a legalização do trabalho forçado), criação de figuras como os civilizados, os assimilados e os indígenas. É nesta época que começam a preponderar os funcionários coloniais cabo-verdianos, muitas vezes mais escolarizados que os brancos e por vezes dotados de uma brutal mentalidade racista.

E estamos chegados a uma nova fase colonial, de ascensão nacionalista, com um novo quadro económico, um compromisso entre a exploração dirigida por escassas empresas e o apoio das autoridades gentílicas. Tratou-se de uma economia colonial limitada ao descasco do arroz, extracção de óleos de amendoim e palma, produção de sabões e madeiras. Entrara-se num patamar de contestação aos impostos, ao trabalho forçado, ao serviço militar e é nesse contexto que vai emergir a subversão e a contestação directa cujo expoente mais chocante é dado pelo massacre do Pidjiquiti. É nesse contexto que muito provavelmente se poderá analisar a adesão de grandes grupos populacionais à luta armada, sobretudo o que se passou no Sul da Guiné, logo em 1963. Os insurrectos eram os mesmos de sempre, camponeses tratados como bestas de carga. Ao tempo em que eclodiu a luta, os manjacos tal como os Felupes preferiram a neutralidade e os fulas e mandingas puseram-se do lado português. Mas isso são questões que já não cabem no historial da resistência, com base na história de longa duração.
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Nota de CV:

Vd. poste de 8 de Setembro de 2010 > Guiné 63/74 - P6950: Notas de leitura (146): A Questão de Bolama, de António dos Mártires Lopes (Mário Beja Santos)

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