terça-feira, 10 de agosto de 2010

Guiné 63/74 - P6842: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (10): Os meus fantasmas

1. Mensagem de Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 9 de Agosto de 2010:

Caros camarigos editores
Num intervalo das minhas semi-férias, (sem net), envio mais um escrito.

O tempo passa sobre as coisas escritas e vai-me dando vontade de voltar a escrever sobre a Guiné.
E fico curioso a pensar o que serão as minhas memórias ainda, ou melhor, como verei agora à distância aquilo que vivi?

Boas férias, para quem as tem!

Um abraço forte e camarigo para todos do
Joaquim


DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (10)

OS MEUS FANTASMAS

Tenho as noites povoadas
de estranhos fantasmas
que se arremetem contra mim
e não me deixam descansar.
Vêm de longe
estes fantasmas,
de longe no tempo,
e no espaço até,
vêm de África,
vêm de terras da Guiné.
Por vezes atormentam-me,
fazem-me sofrer,
fazem-me chorar.
Por outras vezes contudo,
fazem-me rir,
obrigam-me a viver,
povoam o meu sonhar.
Há noites em que acordo,
encharcado em suor,
ou serão lágrimas de dor,
que molham o meu travesseiro?
Mas outras noites há também,
em que adormeço pacifico,
como que envolvido na paz,
embalado no amor.
Durante o dia aquietam-se,
não saem a terreiro,
passeiam-se comigo,
é certo,
mas não se fazem notados,
nem pela forma,
nem pelo cheiro,
(não há nenhum que se afoite),
mantêm-se adormecidos,
como que a ganharem forças,
para me fazerem companhia…
à noite!
É o cheiro da terra quente,
o pôr-do-sol encarnado,
o macaréu apressado,
que abafa o grito da gente,
que se tinge de coragem
à falta de outro fado.
Trato-os por tu,
são meus,
embora eu muito suspeite,
que também atormentam outros,
ao longo de cada noite,
mal dormidas,
mal sonhadas,
misturadas de suores,
e de lágrimas choradas,
compondo um quadro pintado
das mais violentas cores,
um quadro longo, longo,
que nunca está acabado.
Deito-me com eles,
os meus fantasmas,
já fazem parte de mim,
do meu dormir,
do meu sonhar,
são como um despertador
que não me deixa dormir,
que me obrigam a lembrar,
o que foi o meu viver,
por terras dessa Guiné.
Dizem-me ao ouvido,
baixinho,
que não querem atormentar,
nem sequer o meu existir,
nem tão pouco o meu viver,
mas apenas querem gritar,
bem alto,
para que todos ouçam,
o que os outros que por aqui andam,
fazem questão de esquecer.

27.12.91
__________

Nota de CV:

Vd. postes da série de:

27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6258: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (1): A viagem

7 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6339: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (2): Vida

19 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6431: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (3): Sem título I

28 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6486: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (4): Sem Caminho

10 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6572: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (5): Sem Título 2

18 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6615: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (6): Sem Título 3

8 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6697: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (7): Eu sei quem sou

15 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6742: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (8): Foi-se a Paz

28 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6799: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (9): Estar lá, estando cá

5 comentários:

manuelmaia disse...

CARO MEXIA,

TENS RAZÃO.

DA GUINÉ,NEM SEQUER OS FANTASMAS SÃO MAUS.
AQUELA TERRA QUE A TODOS CHAMA COMO FILHOS ADOPTADOS,FICOU-NOS NO CORAÇÃO.
UM GRANDE ABRAÇO,E OBRIGADO POR MAIS ESTE NACO DE BOM ESCRITO COM QUE NOS BRINDASTE.
MANUEL MAIA

Anónimo disse...

Bom;espero um livro do Mexia Alves,espero um livro do Luís Graca,espero o novo livro do José Brás,espero um livro do Torcato Mendonca,espero mais um livro do Manuel Maia,espero novo livro do Graca de Abreu e do Alberto Branquinho. E,meus Caros Camaradas e Amigos,estou certo de nao ser só eu que tal espera! Um grande abraco "Joquim".

Anónimo disse...

Se me desculparem por voltar ao "assunto",porque nao um livro de curtas histórias e poesias da autoria de membros do blogue? Selecionados de entre tanto (e bom)material já existente por juri constituído também(e só?)por membros do blogue. Lucros de possíveis vendas poderiam servir de ajuda a alguns ex-combatentes da Guiné que tanto necessitam. Um abraco.

Hélder Valério disse...

Caro amigo e camarada Mexia

Gostei!
Gostei do poema, da rima, do ritmo, do que está subjacente ao que escreveste.

Quanto às idéias do J. Belo expressas nos seus dois comentários, pois é natural que se pense como ele se expressa. São, aliás, já vários os que se pronunciaram nesse sentido, seja para mais um livro do Maia, seja para outras publicações.
Parece-me que realmente o Blogue tem já matéria suficiente para fazer uma colectânea de poesia, de textos temáticos, de intervenções várias, de coisas mais ligeiras, de coisas mais profundas, de coisas que nos fazem ficar 'com um nó na garganta'...
Depois das férias (dos outros) pode-se começar a trabalhar nisso.

Um abraço,
Hélder S.

Investigacao Virtual disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.