quinta-feira, 15 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6744: (Ex)citações (85): Fomos muito mais bandos de pardais à solta do que colónias de abutres e aves de rapina (António Graça de Abreu)

1. Comentário ao poste P6679, de 6 do corrente, assinado por António Graça de Abreu Abreu (poeta e escritor, sínico mas não cínico, autor de Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura Lisboa, Guerra e Paz, 2007; aqui, na foto à esquerda, de camuflado, no aeroporto de Cufar, em Janeiro de 1974, com Miguel Champalimaud; recorde-se que o nosso camarada António Graça de Abreu foi Alf Mil, CAOP 1,Teixeira Pinto, Mansoa e Cufar, 1972/74 ):

O Joaquim Mexia Alves vem colocar no seu próprio terreno questões fundamentais do nosso estar na guerra da Guiné: Quem éramos, o que fizemos, o que fomos, o que somos?

Infelizmente os portugueses adoram os tiros no pé, mesmo quando os pés são poucos e os tiros quase sempre de pólvora seca. É o nosso nosso fado. Isto tem alguma coisa a ver com o Mário Cláudio. Leiam Miguel Torga, outro escritor premiado,  nos seus Diários III e VII:

"Enchi com frequência uma página de lamúrias quando na verdade estava cheio de força e alegria."

E "Sou uma espécie de ruminante do sofrimento, encho-me primeiro dele e depois é que o saboreio."

Eu tenho um poema intitulado Nosso Fado, no meu livro Cálice de Neblinas e Silêncios, Lisboa, Vega Ed. 2008, pag. 75. Assim:

Sufocar a alegria,
enredá-la em cintilantes roupagens de pranto
na viagem pelo logro aberto das palavras,
carpir no disfarce extremado da tristeza.
Ai, este gosto de fingir tantas penas,
de tão fingidas e falsas, verdadeiras!...
Ai, este fado tão magoado,
esta malfadada lamúria lusitana,
mesmo num tempo sereno,
com céu azul nos olhos
e girassóis na alma!


Denegrir o esforço quase sobre humano das nossas tropas na Guiné? Acho que não.

Branquear as atrocidades e os sofrimentos de uma guerra em que todos participámos? Acho que não.

Exaltar as virtudes da excelsa pátria lusitana? Acho que não.

Então, como é?

Por terras da Guiné, fomos todos muito mais bandos e bandos de pardais à solta, do que colónias de abutres e aves de rapina pairando gulosos sobre a carne dos nossos irmãos negros.

No complexo tecido de etnias na Guiné Bissau, porque somos hoje bem recebidos por aqueles tão pobres mas dignos povos? Porque andámos por lá a cortar orelhas? Ou porque, apesar de vivermos e fazermos uma guerra, 99,9% de nós saímos de lá em paz com aqueles povos, em paz connosco próprios?
Forte abraço,

António Graça de Abreu

[ Fixação de texto / bold a cor / título: L.G.]
_______________

Nota de L.G.:

Último poste desta série > 8 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6691: (Ex)citações (67): Um comentário aos....comentários sobre a ficção de Mário Cláudio...Um comentário cool que vem do frio (José Belo)

2 comentários:

Anónimo disse...

Gostei do teu poema "Nosso Fado". Quanto aos teus "bandos de pardais",pelo menos nao sao outros tao saudosos...."bandos armados". Um abraco amigo.

Anónimo disse...

Gostei muito do livro "Lama,Sangue e Água Pura", confesso que não apreciava a leitura de "Diários", mas este "Diário" era diferente, era de alguém que tinha estado em Mansoa.
Este Post, para mim está confuso. Tem muitas interrogações. O mais provavel é que eu tenha perdido algum poste anterior.
Filomena