quinta-feira, 15 de julho de 2010

Guiné 63/74 – P6739: Estórias do Tomás Carneiro (3): O meu 1º whisky

Guiné 63/74 – P6294: Estórias do Tomás Carneiro (2): De Binta a Jugudul

1. O nosso Camarada Tomás Carneiro, ex-1.º Cabo Condutor da CCAÇ 4745/73 - Águias de Binta, Binta, Cumeré e Farim – 1973/74, enviou-nos dos Açores, onde nasceu e vive, uma mensagem com data de 13 de Julho de 2010: Olá meus queridos e saudosos Amigos,
Antes de entrar na historinha que vos quero contar hoje, só vos digo que saudades é mesmo isso… saudades. É o que eu sinto neste e noutros momentos, a saudade aqui no meio do atlântico, que é diferente da vossa aí no continente e porquê (perguntar-me-ão vocês).
Enquanto no continente vocês se podem deslocar de carro, comboio, ou outro transporte qualquer, aqui é mais difícil. Na época de verão ainda há transportes marítimos inter-ilhas, mas no inverno só nos movimentamos pelo ar e, de esta última via, já eu gostei mais.
Então não é que eu arranjei mais uma “corisca” de uma saudade, que não é, nem mais nem menos, do que lembrar-me desta boa gente tertuliana que se encontrou e conviveu, como poucos o sabem fazer, há poucos dias atrás em Monte Real – Leiria -, e onde eu também convivi, deslocando-me expressamente para esse fim daqui dos Açores.
O que me está a acontecer agora é que ando para aqui a pensar que ainda falta tanto tempo para o próximo encontro… chiça tantas saudades que eu já arranjei daí.
Coisa mesmo de um ilhéu… mas o tempo voa não é?
Eu, no meu ressort em jugudul
O meu 1º whisky
De whisky eu já tinha lido muita coisa porque quando acabei a minha 4ª classe, com 12 anos e qualquer coisa, fui logo trabalhar para uma britadeira.
Acartar pedra às costas para um lado e brita para o outro, isto até aos 18/19 anos. Depois do trabalho quando, chegava a casa, gostava muito de ler aqueles livrinhos de figurinhas, tão na moda, da colecção “Seis balas”, a que vulgarmente chamávamos “coboiadas”.
No meio dos duelos e das perseguições aos infindáveis bandidos e salteadores de bancos, os “cowboys” passavam os seus tempos livres nos “Saloons” a jogar às cartas e a emborcar whisky atrás de whisky.
Portanto, eu tinha uma ideia dos efeitos do referido líquido altamente alcoólico, sem no entanto jamais o ter provado.
Um dia qualquer na Guiné, nas instalações do quartel, esperávamos o novo furriel para a secção auto e o Alferes Miliciano Louro chamou por mim, dizendo-me: “Sousa, hoje não vais para Jugudul, vamos fazer uma brincadeira para receber o teu novo furriel. Vais arrear-te bem e vais fazer de oficial dia.”
Eu comecei por recusar, mas os oficiais e sargentos com quem me dava muito bem tanto insistiram, que acabei por aceder aos seus pedidos.
Foi bonito, vesti-me a preceito, com um pingalim na mão e óculos escuros, e, antes do Furriel Miliciano Salema (assim se chamava o periquito) chegar, eu aproveitei-me da situação e comecei logo a esvaziar umas bazucas por “conta da casa”.
Quando o Salema chegou apresentou-se-me (ao oficial de dia) e eu a seguir apresentei-o aos outros camaradas.
Começamos a forçá-lo a pagar as bebidas da praxe e, então, vi alguém a beber um whisky.
Pensei cá para mim, é hoje que vou provar o tal líquido americano e toca a beber não sei quantos (sempre por conta da casa), ou do Salema, não vi quem pagou a conta final.
Sei que a coisa correu bem e no dia seguinte fiquei com receio de me encontrar com o meu novo furriel, que quando soube da “marosca” aceitou bem a brincadeira e daí para a frente demo-nos muito bem, enquanto estive com a minha CCAÇ 4745.
É esta a historinha que tinha para vos contar sobre o meu 1º whisky depois de lhe tomar o gosto… já se seguiram mais uns tantos.
E daqui do meio do Atlântico,
Um abraço com saudade e até qualquer dia.
Tomás Carneiro
1º Cabo Cond CCAÇ 4745
Fotos: © Tomás Carneiro (2009). Direitos reservados.

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Nota de M.R.:
Vd. último poste desta série em:
2 de Maio de 2010 >

1 comentário:

Luís Graça disse...

Tomás: Espero que o teu primeiro uísque tenha sabido tão bem como o meu... Uma das coisas boas que o CTIG tinha, apesar de tudo, era o acesso ao precioso líquido, que vinha justamente "from Scotland with love... for the Portuguese Armed Forces"...

Não sei mesmo se a guerra não teria acabado mais cedo, se nos faltasse o uísque e outras bebidas espirituosas... Não tenho ideia de lá chegado o famigerado "uísque de Sacavém", a zurrapa que se vendia nos bares manhosos de Bissau, e já cá nas "boites" da Reboleira, do Cais do Sodré, da Praça da Alegria... No mato bebia-se uísque, do bom e do melhor.

Quanto às praxes, era prática generalizada... Está na altura de as descrevermos e tentar interpretar o seu significado, a sua função... Claro que aas vítimas eram sempre os "periquitos", os que chegavam à guerra...

Um abraço, de Lisboa a Ponta Delgada.

Luís