quinta-feira, 8 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6697: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (7): Eu sei quem sou

1. Mensagem do nosso camarada Joaquim Mexia Alves*, ex-Alf Mil Op Esp/RANGER da CART 3492, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, com data de 1 de Julho de 2010:

Meus caros camarigos editores
Prosseguindo os escritos da série “20 Anos depois da Guiné, à procura de mim!” 7 que se aproxima do fim.

Um abraço camarigo do
joaquim


DEPOIS DA GUINÉ, À PROCURA DE MIM

20 ANOS DEPOIS (7)

EU SEI QUEM SOU

Os meus pés já não percorrem
os trilhos já tão batidos
tantas vezes já picados
pela ponta
dos nossos medos.
Já não vejo nos olhares
o medo que se faz coragem
quando a raiva de viver
se sobrepõe,
ao momento de morrer.
Já não me dispara o coração
com um ritmo de rajada,
quando aquele som,
surdo e seco,
me diz tão claramente
que vai haver “trovoada”.
Já não me suam os braços,
o pescoço, as mãos,
tudo enfim,
porque secaram os abraços
de quem não chegou,
ao fim.
Sinto-me assim,
como um nada,
algo desenraízado,
olhando tudo em redor,
procurando conhecer,
tudo o que quero esquecer,
que esta terra não é a minha,
ou se é,
não me parece ser.
Já não me estremece o sentir
com o som cavo do morteiro,
apenas me arrepio
com o foguete da festa,
daquele Santo Padroeiro.
Quem é esta gente?
quem é?,
que me olha sem me ver,
que me desdenha e despreza
apenas,
por querer viver.
Será esta a minha gente,
aquela que um dia deixei?,
ou é assim tão somente,
gente que não quer saber,
de me sentir tão diferente,
de ver vazio o meu olhar,
nem quer tentar perceber
tudo o que eu passei,
para não se incomodar.
Devia eu ter morrido?
Não devia ter voltado?
Seria melhor,
pensam eles,
eu por lá ter ficado,
porque assim era mais fácil,
ser rapidamente esquecido,
como morto,
e enterrado,
nessa tão distante guerra,
que não toca este país,
tão longe do seu soldado.
Eu estou bem,
não se incomodem!
Perdoem-me pela ousadia
de ter querido viver,
e mais que tudo,
regressar!
Eu parto já,
numa viagem,
para dentro de mim próprio,
onde me encontrarei,
só comigo,
e com os meus,
que ainda por lá estão,
e mais os que já voltaram,
partindo sempre partindo,
com vontade de voltar,
para novamente partir.
Julgais-me morto,
acabado,
dos vossos afectos,
desprezado,
mas ainda me estou a rir,
de cabeça levantada,
olhando-vos fundo nos olhos,
sem medo e sem vergonha,
como qualquer um de nós,
e grito-vos aos ouvidos:
eu sei quem sou,
e vós?


11.11.91
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6679: Controvérsias (92): A ficção e a guerra (Joaquim Mexia Alves)

Vd. último poste da série de 18 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6615: Depois da Guiné, à procura de mim (J. Mexia Alves) (6): Sem Título 3

6 comentários:

Anónimo disse...

Um abraço Camarigo do T

Se um fulano se encontra como será?

Anónimo disse...

Caríssimo "Joquim". Ao ler o teu texto compreendo(mais uma vez), que,afinal,o que nos une nele,É,E SERÁ... bem mais forte que algumas divergências (mesmo que de fundo)em outras áreas! Gostaria de "retransmiti-lo" para os meus amigos leitores escandinavos. Um abraco.

Anónimo disse...

Li algures, há algum tempo, um poema, penso que do Assis Pacheco, onde a certa altura se lê: " Dizem que a guerra passa: esta minha passou-me para os ossos e não sai".

Ao ler por palavras nossas a tua poesia, feita de palavras que são reconhecidas por toda a gente, desde o tal intelectual até ao vulgar combatente o que apenas e só enriquece quem as escreve, pois ser capaz de transmitir os sentimentos vividos da forma brilhante como o consegues fazer,não é para todos, ponho-me a pensar como é que vamos permitir que catarses com esta qualidade possam ficar fechadas num Blogue que é enorme, eu sei,
mas que deviam chegar a todos, através de obra pública, mais que não fosse para desafiar o silêncio colectivo da sociedade que como nos mostras, já há muito é partidária do ostracismo no que à guerra colonial diz respeito.

Refiro, de quando em vez,a qualidade dos poetas, não vou avançar com quatro nomes que rapidamente me invadem a memória, que se vão passeando no nosso Blogue!

Não seremos capazes de os juntar, sujeitá-los a "avaliação externa" e pari-los?

Não? Não querem? É cada um por si?

Responda quem souber e estabelecido consenso, cá estarei para ajudar no que necessário se torne, como é minha obrigação de atabancado.

Um abraço camarigo de amizade, respeito e consideração do Almirante de cor tão diferente da tua...

Vasco Augusto Rodrigues da Gama

Anónimo disse...

Caro Mexia:
Só tenho pena que, no meu tempo, em Lamego, ainda não soubessem ensinar a escrever assim.
Um “abração”,
António Brandão
2336

Joaquim Mexia Alves disse...

meu caro José Belo, meu camarigo

Nada em nós diverge, tudo converge, porque primeiro está a amizade alicerçada na honestidade das convicções.

Meu caro, não só tu, mas todos os camarigos, (e digo-o porque ás vezes mo pedem), estão autorizadíssimos a utilizar os meus pobres escritos, que pertencem á comunidade camariga!
Atendidas claro as regras da Tabanca Grande.

Já agora aproveito a embalagem para agradecer ao Torcato, ao António Brandão e ao Vasco da Gama, dizendo-lhe que por mim estou sempre disponível, esperando que o meu azul não incomode o teu vermelho!

Um grande e camarigo abraço para todos

MANUELMAIA disse...

CARO MEXIA ALVES,

TENS UMA VEIA EXTRAORDINÁRIA.
ISSO É UM DOM.
ABRAÇO

MANUELMAIA