domingo, 25 de julho de 2010

Guiné 63/74 - P6785: Bibliografia (33): Lugares de Passagem, a minha próxima ficção (José Brás)

1. Mensagem do nosso camarada José Brás* (ex-Fur Mil, CCAÇ 1622, Aldeia Formosa e Mejo, 1966/68, autor do romance "Vindimas no Capim"*, Prémio de Revelação de Ficção de 1986, da Associação Portuguesa de Escritores e do Instituto Português do Livro e da Leitura ), com data de hoje, 25 de Julho de 2010:

Os camaradas que estiveram a 26 de Junho em Monte Real assistiram ao triste episódio de, quando quisemos oferecer ao Luís em nome do auto-intitulado "Grupo do Cadaval", uma prova de gratidão no objecto concreto do que será o meu próximo livro, escolhido porque imagem chapada das virtualidades do blogue e do convívio que nele se desenvolve.
Afinal mais parecemos, então, jogar uma cena de Quixote, sem lança e cavalgando Rocinante imaginário.

Ficou a intenção e no dia seguinte, por correio, lá seguiu o pacotinho de palavras juntas em quase 200 páginas sob o título "Lugares de Passagem".
Na altura, houve camaradas que me abordaram de ar brincalhão e sugerindo que aquilo era apenas um faz de conta e, outros, no sentido de terem acesso também a um exemplar igual, argumentando que tal coisa, datada e autografada, assim, teria um valor simbólico para todos, uma vez que, como se afirmava e confirmo, foi a Tabanca Grande, no seu conjunto que me entusiasmou a voltar à escrita.

Agora, passados estes dias e em contacto com os elementos do grupo, resolvi aceder ao pedido e disponibilizar algumas cópias para entrega aos camaradas que se manifestarem interessados.

O trabalho tem cerca de 200 páginas e compreende:

1 - o texto em si com o título "Lugares de Passagem"
2 - capa e contracapa da autoria de minha filha Cátia Brás
3 - sinopse da trama entregue na editora
4 - prefácio da autoria de António Loja, meu capitão na Guiné, professor, investigador, escritor
5 - cópia do texto/dedicatória que acompanhou a unidade oferecida ao Luís.

O preço deste pacote é de 17,50€ com correio já incluindo e faríamos o mesmo que fizemos com o Vindimas no Capim, se tu estiveres de acordo.

A fim de terem todos uma primeira abordagem ao livro, junto o texto/sinopse e o prefácio, referidos em 3 e 4.

Deste modo coloco-te a questão da oportunidade da colocação de notícia no blogue com a informação do meu próprio endereço electrónico, jasbras1@sapo.pt.

Forte abraço
José Brás


"LUGARES DE PASSAGEM"

SINOPSE

Filipe Bento é o ficcionado narrador de "Vindimas No Capim", livro que deu a José Brás, em 1987, o Prémio Revelação da APE na modalidade de ficção narrativa, editado por Publicações Europa-América em 1988.

Em "Lugares de Passagem", Filipe Bento pretende sair do seu estado ficcional e tornar-se autor de uma série de estórias que terá guardado e amadurecido nos anos que decorreram desde a publicação de "Vindimas".

No sentido de passar ao papel tais estórias, e tendo consciência das suas dificuldades com escrevente narrador, busca a quem lhe possa ajudar na tarefa, e nada mais natural que o fizesse junto de José Brás a quem havia prestado o favor de se assumir como narrador das peripécias no livro anterior.

Porém, Filipe Bento resolve pôr a limpo um facto mal contado então, dando a público a informação de que o verdadeiro autor de "Vindimas no Capim" havia sido um tal Arnaldo, neto de um personagem anterior e ainda presente de memória, José da Bonança, ou José da Venância, ou José de Matos Luís ou Luís de Matos, confusão de nomes que não chegou nunca a apurar-se com certeza certa, nem em "Vindimas no Capim", nem, agora, em "Lugares de Passagem", fenómeno muito presente no convívio quotidiano entre gente de aldeia, inclinando-se mais o narrador para José Luís de Matos, de onde parece vir o sobrenome do Arnaldo, de Matos, seu amigo real desde os bancos da escola primária.

"Lugares de passagem" começou por chamar-se em projecto "Lisboa, lugar de passagem", porque Lisboa sempre o foi para mim, para o Filipe e parece que para o Arnaldo, primeiro, lugar de ir e voltar no comboio de Vila Franca de Xira ou na carreira da Bucelence, depois, caminho da guerra colonial aonde se ia sempre com hipóteses de não voltar, e, mais tarde ainda, nos aviões entre aeroportos do mundo.

Contudo, porque aeroportos sempre foram para nós, cidades, gente, vida para além de lugares de ausência que são quase sempre, apenas partidas e chegadas, no decorrer da escrita apareceu como melhor o actual título.

"Lugares de Passagem" é, assim, uma tentativa de viajar por dentro de gente que habita as cidades dos aeroportos, uma tentativa de visão sobre o comum e global desejo de felicidade das pessoas, através dos anseios individuais e a conflitualidade permanente nesse jogo de aproximar e afastar.

Subitamente, Filipe Bento, o ficcionado narrador de "Vindimas no Capim", resolve também contar histórias e exige trocar de lugar, isto é, que lhas escreva, alguém que descobrirá que tais histórias são restos alterados de outras que lhe teria, em tempos recuados, contado eu, Arnaldo ou José Brás, porque destrinçar entre os dois não tem qualquer interesse.

Não é um livro de contos, não é um romance, não sei se é o que quero que seja, a tal viagem de partidas e chegadas aparentemente desligadas umas das outras mas que o leitor ligará por invisível fio paralelo e exterior, segundo a leitura de cada um, como se insinua nas apresentações iniciais.

Na minha terra os pequenos agricultores, acabada a sementeira, olhavam-na com alguma ansiedade e murmurando "benza-te Deus".

Em princípio, porque agnóstico, não é "politicamente correcto" dizê-lo eu.

Contudo, e ainda assim, digo-o como o dizia o avô José da Bonança, não pelo lucro material que possa ou não vir a dar-me, mas, vindo tempo a feição, pelo lucro espiritual que possa trazer, a mim, semeador, e a outra gente que o colher.

Benza-te Deus!

José Brás

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Prefácio

...ou Carta de um capitão* da Guiné a um furriel da companhia


Com quantas mãos se constrói uma casa? Quantas personalidades deverá assumir o homem que elabora o projecto? E o que rasga os caboucos? E o que lança as fundações? E o que afeiçoa a pedra a mistura o cimento e a areia? E o que abre portas e janelas deixando nela entrar a luz e o calor? E o que a cobre com um telhado, protegendo-a de chuvas e do vento agreste? E o que finalmente a povoa com seres humanos igualmente possuidores de várias personalidades que convivem no mesmo corpo como as notas contrastantes de um concerto de Vivaldi reunidas na perfeita harmonia de uma inquietação tornada unidade?

Com quantas mãos se escreve uma história? Duas personalidades assume o homem que decide fazer aos outros o relato da sua experiência de vida, em seu nome e em nome de outro, neste caso outros, que são também ele próprio, num saudável desdobramento que permite a José Brás, e aos seus amigos Arnaldo e Filipe Bento escreverem "Lugares de Passagem", numa cumplicidade criativa que faz reviver neles os companheiros mortos na guerra em que os três participaram na Guiné e outros com quem se cruzaram em "lugares de passagem", multiplicando assim a sobreposição enriquecedora de experiências vividas e de personalidades directa ou indirectamente envolvidas na dinâmica criativa: o Xico que "sabia muito pouco das leis da física que justificam o voo", mas que podíamos dizer "foi um pioneiro da aviação", Helena, sentada em Copacabana, frente ao mar, o soldado Lixa que fita nos olhos o guerrilheiro do PAIGC, ambos protegidos no mesmo "lugar de passagem" que é o bagabaga, e Rose, e Mominato, e Maura, e Anamaria, e o cabo Calçada, apanhado por uma rajada que lhe arranca um pulmão, e o enfermeiro homossexual que para salvar vidas circula entre as balas como anjo imune ao perigo, e o avô José da Bonança, aliás, José de Matos Luís, e o soldado Dias que deixou de viver nos escassos segundos em que eu mesmo o deixei agarrado ao rádio enquanto para junto dele regressava vindo de outro recanto do mato que estoirava em fogo, e o meu telegrama recebido pelo José Brás durante a festa na aldeia, e o cabo Oliveira, a esvair-se em sangue em Ximxim-Dari mas depois a salvo no hospital da Estrela.

E que há-de fazer, quarenta anos depois de tudo isso, um homem como eu, capitão por acaso de uma companhia de atiradores onde havia um furriel de transmissões chamado José Brás, que tem recordações semelhantes às minhas mas que as guarda como eu porque escreve como eu mesmo tentei escrever quando me encontrava no que pensei ser um "lugar de passagem" entre a vida e a morte? Que há-de fazer um homem acordado do seu meio viver pelo fluxo das suas recordações, José Brás, escriba de si mesmo e dos seus amigos Filipe Bento e Arnaldo, senão caminhar a seu lado, tentando recordar também, sem ter a pretensão de distinguir entre verdades e mentiras, difíceis por vezes de separar na neblina dos anos que separam a realidade vivida do que dela resta como resíduo.

Mas você o diz, José Brás, "verdades e mentiras são sempre / meias verdades e meias mentiras / quem com loas perde tempo / mentiras lhe parecem verdade / e verdades lhe parecem mentira".

Repito a minha pergunta inicial, agora com outras palavras. Como se constrói uma casa? Se eu entregar a quarenta homens um punhado de tijolos e lhes disser "construam uma casa" é mais que certo que surgirão quarenta casas diferentes, ao modo das necessidades e das aptidões de cada construtor. E nunca poderei dizer que uns constroem verdade e que outros constroem mentira. Do mesmo modo as nossas comuns experiências são necessariamente vividas de modo diverso, mesmo que outros possam querer chamar-lhes verdades e mentiras (ou meias verdades e meias mentiras).

Mas é com essas verdades que vivem em nós que conseguimos ser fiéis a nós mesmos e fiéis à memória que guardamos dos amigos mortos que encontrámos nesses "lugares de passagem" chamados Aldeia Formosa, aliás, Quebo, e Medjo e Guiledje e Cumbijã e Missirã e Ximxi-Dari e Darsalame e Nhala e Buba e Contabane. E todos esses lugares se confundem por vezes com o Rio de Janeiro e com São Salvador da Baía e com Montreal, porque uma curva de estrada faz recordar outra curva de estrada onde homens emboscados tentavam derrubar-nos e onde emboscados nós tentávamos derrubar outros combatentes, homens como nós que por uma acaso da vida se cruzavam nos mesmos lugares de passagem e que por isso ganharam um lugar tão indelével nas nossas memórias. Essas recordações não são mentiras, nem mesmo meias mentiras. São as nossas verdades, com que temos vivido desde a guerra, que passou por nós com a força de uma tempestade e que em nós deixou marcas que não queremos que desapareçam, porque sem elas as nossas vidas seriam menores e nós não seríamos nós mas outros.

Mas somos nós e, deixe-me agora transcrevê-lo de novo "outros e os mesmos porque todos nascemos de ventre de mãe, todos sonhámos outros eus, todos lutámos, todos matámos de bala ou de imaginação, e matando nos matámos a nós próprios antes que a morte morte nos venha buscar".

António Loja

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António Loja
Funchal - Madeira
Professor de história e filosofia e investigador
Escritor - "As Ausências de Deus" (Notícias); "A Luta do poder contra a maçonaria" (Imprensa Nacional-Casa da Moeda); "como um rio invisível" (Notícias).
Candidato pela Oposição nas eleições de 1969
Presidente da Junta Geral do Funchal entre Abril de 74 e as primeiras eleições democráticas
Deputado à Assembleia da República entre 1976 e 1979
Deputado à Assembleia Regional da Madeira entre 1980 e 1984
Capitão Miliciano na Guiné, Quebo, Mejo e Jolmete de 1966/68

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2. Comentário de CV:

Os camaradas que participaram no último Encontro de Monte Real compreenderão melhor esta iniciativa do José Brás, no entanto quem já teve a oportunidade de ler o "Vindimas no Capim" não irão perder este "Lugares de Passagem" (benza-o Deus).

Os interessados deverão, preferencialmente, pedir o seu exemplar ao José Brás, mail: jasbras1@sapo.pt.

Já agora aproveito este tempo de antena para dizer que estou a ler o "Vindimas no Capim", e apesar de não ter arte para crítico literário, aconselho-o vivamente. É um livro onde se misturam, o humor, a ironia, o drama, e a realidade que nós vivemos na guerra colonial. José Brás caracteriza com muita clareza a vida do campo no Alentejo profundo dos anos sessenta, quando muitos tinham tão pouco e poucos tinham demais. A não perder.
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Nota de CV:

(*) Vd. poste de 6 de Julho de 2010 > Guiné 63/74 - P6678: Controvérsias (91): Mário Cláudio e o debate, Açordas! (José Brás)

1 comentário:

Anónimo disse...

Ausente que estive, pergunto-me se tudo não passou efectivamente de um "faz de conta"!

È que do pacotinho de palavras juntas não vi, nem "en passant", qualquer menção no nosso Blogue.

Para mim, camarada e amigo, escritor premiado, o favor de me guardares um exemplar.
Obrigado José Brás.

Um abraço amigo do

Vasco Augusto Rodrigues da Gama