domingo, 13 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6589: História da CCAÇ 2679 (37): Como se pode ser vítima da sua própria armadilha (José Manuel M. Dinis)

1. Mensagem de José Manuel Matos Dinis* (ex-Fur Mil da CCAÇ 2679, Bajocunda, 1970/71), com data de 11 de Junho de 2010, com mais um episódio da História da sua Companhia, tendo como protagonista principal um técnico de Minas e Armadilhas, ele próprio:

Carlos,
Cá o jeitoso ia arranjando um trinta e um, dos valentes.
É disso que dou conta neste epísódio.

Por ti, envio um abraço tabancal.
Até breve.
JD


Não me lembro das circunstâncias, mas o gerador devia estar inoperacional quando o Trapinhos me incumbiu de armadilhar a área interior às vedações de arame, numa zona relativamente extensa, talvez de cem a cento e cinquanta metros, entre dois abrigos de defesa periférica virada para Amedalai, sendo que um deles era o abrigo com cavalo-de-frisa na saída para aquela localidade e Copá, frente ao local onde mais tarde foi construído o heliporto.

Quando o sol se punha, era quando aumentava a possibilidade de flagelação por parte do IN, por isso, durante aquele período, crescia o medo em muita gente. A falta de iluminação, e a maior distância entre abrigos, deviam espevitar algumas cachimónias na imaginação de aproximações e infiltrações de elementos IN, o que, sendo bastante improvável em virtude da limpeza e do terreno plano, deve ter influênciado algumas queixas junto dos intrépidos sargentos e capitão, militares que aliavam muita falta de imaginação com muito cagaço.

Era para montar três ou quatro armadilhas, apesar de eu ter alertado o capitão para a mais que provável detonação, a provocar por cabras que naquele espaço eram visitas frequentes.

Pedi ao Valentim para me ajudar. Peguei na bolsa de sapador e nas granadas ofensivas, e lá fomos. A seca já durava havia três meses, e o capim sêco, partido, acumulava-se pelo chão numa malha inextrinçável. O terreno devia ter sido limpo, mas era para ser assim mesmo, e a erva sêca ajudaria a dissimular.
Pronto, siga a tropa!

O Valentim era um tipo calmo, mas resoluto, que nunca levantava objecções, e competente no desempenho das tarefas. Aquela era uma tarefa minha, mas para o que fosse preciso, o Valentim podia ajudar e garantia confiança.

Comecei por instalar uma granada pelo método tradicional, localizando o local para constar num mapa, espetando dois paus de onde se suspendiam os arames de tropeçar, tensos, com a granada quase descavilhada, a meio, suspensa dos arames. Estava feita a armadilha, coisa de minutos.

Eu, de cócoras sobre o engenho, enquanto dispunha algum capim sobre a granada, no intuito de a tornar irreconhecivel, desempenhava a função com a sabedoria ministrada no Casal do Pote e experimentada em situações anteriores.
O sol, lá do alto, atirava-nos raios de fogo, mas não causavam qualquer perturbação, porque a nossa piriquitisse já levava muitos meses de matos e bolanhas, e dera-nos habituação. Também não devia entregar-me a outras cogitações extra-curriculares, na medida em que a natureza da função devia absorver-me a atenção. Estávamos tranquilos e solitários.

O Valentim deslocou-se a buscar qualquer coisa na bolsa. Uma enormidade de tempo depois, tive a sensação de ter ouvido um clic, e outra enormidade de tempo levei para lhe perceber a origem. Não podia ser, o trabalho estava a correr perfeitamente, e nós não éramos perturbados, nem estávamos à conversa correndo o risco de distração, que raio de ideia!

Mas olhei para baixo, para baixo de mim, e lá estava a granada, verdinha, cilindrica, meia encoberta, caída no chão, e afastada alguns centímetros, também no chão, da cavilha presa a outra extremidade do fio, que, quando se liberta do corpo da granada, onde trava os ímpetos explosivos, determina a sorte de quem se expuser à explosão irrevercível. Sei lá quanto tempo decorreu. Durante a instrução dizia-se que mediavam três segundos, mas na realidade seriam quatro.

De alguma margem beneficiei, pois impulsionei-me num mergulho para a frente, enquanto gritava para o Valentim, que não se fez rogado e copiou o movimento. Alisámo-nos na terra, corpos estendidos, enquanto a granada se peidava estrondosamente, perto dos meus pés, interrompendo a pacatez daquela manhã na aldeia.

Caíu alguma terra que aumentou a minha apreensão. Que descoberta faria a seguir? Não me dava conta de qualquer ferimento, e os pés sentia-os dentro das botas. Ao Valentim, mais distante, perguntei se estava bem, e ele reagiu, levantou a cabeça com um sorriso, que sim, que merda foi aquela, perguntou.

Levantei-me. A pouco mais de um metro, uma razoável cratera, talvez de trinta a quarenta centímetros de diametro, e com uma profundidade de quinze a vinte centímetros, registava o acontecimento. Olhei para o buraco enquanto concluía: e nós porreiros.

Depois reflecti sobre o que acontecera. Parecia haver apenas duas hipóteses a equacionar: a granada descavilhara em virtude do peso incidir sobre uma extremidade exígua da cavilha, que provocara o deslizamento e libertação da mesma; ou descavilhara por acção de algum movimento sobre o cordão de tropeçar já tenso.

Sem arredar definitivamente a primeira possibilidade, poisa operação já teria alguns minutos para a considerar preponderante ou exclusiva, considerei quanto à segunda possibilidade, que só houve um momento possível para aquele desfecho, quando o Valentim se deslocou até à bolsa. Foi curta a deslocação, talvez de dois ou três metros, mas suficiente para deslocar capim, que entrançado arrastaria mais capim, num arrastamento que afectaria a estabilidade do arame, tal como viemos a verificar.

Assim, concluí pela conjugação das duas possibilidades para potenciar a suavidade de um movimento e torná-lo capaz de activar o dispositivo.

Desta maneira dei-vos conta de uma acção de guerra que correu mal, mas, simultâneamente, também correu bem, ou não estaria aqui a descrevê-la.
__________

Nota de CV:

(*) Vd. poste de 25 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6470: Controvérsias (76): Carta aberta a António Martins de Matos (José Manuel M. Dinis)

Vd. último poste da série de 20 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6442: História da CCAÇ 2679 (36): O jogo do gato e do rato (José Manuel M. Dinis)

5 comentários:

Hélder Valério disse...

Caro Zé Dinis

Em primeiro lugar para te felicitar pelo desfecho com 'fim feliz' desta tua aventura.
Depois, para te sugerir que talvez não tivesse sido boa ideia teres ido fazer o trabalho contrariado...
E, para terminar, uma pergunta: quando foi que estiveste no 'Casal do Pote'?

Abraços
Hélder S.

Anónimo disse...

Amigo e companheiro ex combatente nunca ouvis-te dizer que com o fogo não se brica, ainda bem, que tudo correu bem, pois eu também me saí bem no levantamento de uma, já o meu camarada Fur Tomé na vistoria a uma armadilha que ele colocou lá ficou vai fazer 44 anos no dia 22Junho.
Um abraço
Fernando Chapouto
Fur.Milc.O.E. CCaç. 1426 Guiné 65/67

Anónimo disse...

Amigo e companheiro ex combatente nunca ouvis-te dizer que com o fogo não se brica, ainda bem, que tudo correu bem, pois eu também me saí bem no levantamento de uma, já o meu camarada Fur Tomé na vistoria a uma armadilha que ele colocou lá ficou vai fazer 44 anos no dia 22Junho.
Um abraço
Fernando Chapouto
Fur.Milc.O.E. CCaç. 1426 Guiné 65/67

Anónimo disse...

José M dinis

"Casal do Pote"
Tambem por lá passei em 70.

Armadilhas na Guiné...tambem tropecei numa e aqueles 3 segundos de reacção e mergulho para o chão onde se fica colado antes do 4º...valeram-me o ainda por cá andar na vossa companhia!
Eram "meninas " frágeis e traiçoeiras.Mesmo sendo "amigas" eram "cão que não olhavam a dono"!!

Um abraço
Luis Faria

manuelmaia disse...

AMIGO ZÉ DINIS,

MAIS UMA VEZ NARRAS COM UMA RIQUEZA DE PORMENOR QUE SENTIMOS A SITUAÇÃO COMO SE A VIVÊSSEMOS.
O LUIS FARIA ERA ESPECIALISTA BEM COMO A ANTÓNIO MATOS,ESSES,TAL COMO TU DEVEM TER PASSADO AS PASSAS DO ALGARVE COM ESSA TRETA DAS MINAS E ARMADILHAS.
ABRAÇO
MANUELMAIA