sexta-feira, 11 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6577: Notas de leitura (121): A Guerra de África, 1961-1974, Volume I, por José Freire Antunes (2) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso Camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil At Inf, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Junho de 2010:

Queridos amigos,
Dá-se por finda uma visita aos depoimentos do volume I de “A Guerra de África” do José Freire Antunes. Já estou a ler “O Capitão Nemo e Eu”, do Álvaro Guerra, é mesmo uma preciosidade.
Ando a procurar desencantar mais obras sobre a nossa guerra, não me cansarei de pedir o apoio de todos para se tentar proceder a um inventário tão minucioso quanto possível no que toca à guerra da Guiné.

Um abraço do
Mário


A Guerra de África, 1961 – 1974, Volume I (conclusão)

Por José Freire Antunes


Beja Santos

José Freire Antunes baseia o seu trabalho “A Guerra de África” como uma aplicação da “história oral” que, segundo ele, possuiu a vitalidade dinâmica de uma historiografia avançada que rompe a dormência dos arquivos para se erguer à medida da vida, reconstituindo-a. Esta metodologia fez furor nos anos 80 e 90, está hoje em franco declínio, é manifestamente inviável dar como irrefutáveis os depoimentos orais sem os sopesar com diferentes outros elementos, a começar pelos documentos abonatórios dos depoimentos. Vimos na prática que depoimentos como os de Silva Cunha ou as directivas emanadas por Spínola no primeiro ano em que presidiu aos destinos da Guiné, requeriam comprovativos ou críticas, um depoimento que não pode ficar ao nível da literatura, em que a qualidade é o critério maior. Seja como for, a colectânea de depoimentos possui interesse inegável pelo que aqui se procede a um reportório do que tem a ver expressamente com a guerra da Guiné. Referiu-se anteriormente o que sobre a matéria disseram Bethencourt Rodrigues, Silva Cunha e Carlos Fabião, vamos agora sintetizar a operação Mar Verde e os depoimentos de Luís Cabral e Marcelino da Mata.

Recorde-se que Alpoim Calvão também é entrevistado sobre o ataque a Conacri. A operação Mar Verde foi proposta por Calvão a Spínola, foi inicialmente sugerida para destruir os navios do PAIGC e libertar os prisioneiros portugueses que estavam nas masmorras de Conacri. Spínola teve a ideia de introduzir na operação os ingredientes de um golpe de Estado de modo a desalojar Sekou Touré. Há certas confusões no seu depoimento. Por exemplo “Em relação a Amílcar Cabral, a nossa ideia era prendê-lo. Mas mandámos umas bazucadas para a casa que se presumia ser dele. A ideia era capturá-lo, apesar de, a minha consciência, e se fosse necessário... os meus homens perguntavam: E se chegarmos lá e eles atirarem? Eu disse: Aí, é tiro contra tiro”. Como é sabido, a operação Mar Verde falhou em objectivos essenciais e trouxe questões diplomáticas graves. O pelotão do tenente Januário entregou-se às autoridades de Conacri, foram todos fuzilados. A versão que Alpoim Calvão dá do seu relacionamento com os dirigentes do PAIGC ao mais alto nível aparecem, como veremos, contrariados por Luís Cabral. O que ele vem dizer é que havia espionagem em Dakar e contactos com Amílcar Cabral, Victor Saúde Maria, Luís Cabral, Lourenço Gomes e Marcelo Almeida, do PAIGC. O relatório da operação Mar Verde não traz nada de novo, relativamente ao que tem vindo a ser publicado nos últimos anos.

O depoimento de Luís Cabral avança com dados da constituição da luta anti-colonial na Guiné, a partir da fundação do PAI – Partido Africano para a Independência e União dos Povos da Guiné e Cabo Verde. Descreve a implantação do partido ao nível interno e externo e dá uma síntese da luta armada e da organização da linha política a partir do escritório em Conacri. É um testemunho de valor inegável. Abre luz sobre algumas das atrocidades praticadas por quadros do PAIGC que vieram a ser executados no primeiro congresso do partido, realizado em Cassacá, em Fevereiro de 1964. Este congresso definiu as áreas de relativo controlo do PAIGC em torno do Morés e da região Sul onde actuava Nino Vieira. Por esses anos, o relacionamento com o Senegal era extremamente difícil. A situação irá alterar-se ainda no final dos anos 70 e marcará uma viragem para a luta do PAIGC. Para Luís Cabral, as únicas negociações sérias que houve foram as que ocorreram em Março de 1974, em Londres, e observa: “Espanto-me muito quando leio que o general Spínola quis contactos com o Amílcar. Garante-lhe que o Amílcar nunca soube disso. O Amílcar quis sempre discutir com o governo português. Mas com Spínola nunca houve qualquer contacto, nem directo nem indirecto. Senghor falou com Amílcar na perspectiva de um encontro e o meu irmão disse-lhe que, de facto, todo o encontro com o governo português seria bom. Soubemos depois que ele teve um encontro com Spínola... as cartas que apareceram num livro do comandante Alpoim Calvão foram assinadas por mim e tratou-se de uma história muito simples. Um comerciante da fronteira Norte, Mário Soares, depois denunciado com agente da PIDE, escreveu uma carta ao Amílcar a dizer que tinha uma comunicação importante a fazer, mas que só podia ser feita fora da Guiné, e propôs Londres, onde tinha uma filha a estudar. O Amílcar recebeu a carta e mandou-ma. Mandámos a Londres o Vítor Saúde Maria. E quando o Vítor lá foi encontrou-se com a filha do Mário Soares. Mas ele não apareceu. E foi essa a história das cartas e dos telegramas. Nunca houve mais nada, a história resumiu-se a isso”.

Marcelino da Mata, porventura o mais condecorado dos militares portugueses, no século XX, conta a sua história a partir do comando de grupos especiais de africanos, descreve as suas operações, a sua participação na operação Mar Verde e na operação Ametista Real. E afirma: “Dizem que o PAIGC tinha uma zona libertada na Guiné, mas eu ia para onde queria, com 4, 5, 6, 7 ou 8 homens. Eu tinha um corneteiro e quando chegávamos ao meio do mato eu mandava-o tocar a corneta. Só depois é que íamos para cima do PAIGC. Mandava tocar a corneta para eles verem que eu ia a caminho e não tinha medo. Cheguei passar centenas de vezes de helicóptero, com eles a fazerem emboscadas. Na Guiné, no Inverno, o capim tem quatro metros de altura. Eu passava e eles não me emboscavam. Mais tarde apanhei um homem que me contou que o Nino Vieira tinha dado ordens para não me atacarem, porque se me atacassem, eles é que lá ficavam. Nunca me atacaram. Uma vez tentaram fazer-me uma emboscada. Nesse dia éramos 12. Tinha ido para lá um batalhão de comandos que não conseguiu entrar e voltou para trás. Foi lá com destacamento 22 dos fuzileiros, apanhámos 4 morteiros 120, 3 rampas de foguetão, 9 morteiros 82”. Marcelino da Mata não se conforma com a entrega do poder ao PAIGC, para ele devia ter havido um referendo: “A Guiné tinha as companhias africanas, comandos, fuzileiros e milícias. Eram vinte e tal companhias que seriam suficientes para assegurar o referendo. A única preocupação que o Estado português teve na Guiné foi desarmar o exército africano e entregá-lo ao PAIGC... o PAIGC só entrou dentro da cidade de Bissau depois das tropas dos comandos e fuzileiros serem desarmadas. Quem desarmou os comandos foi o Carlos Fabião. A 15ª companhia, em Mansoa, não aceitou o desarmamento. A maioria deles foi fuzilada”.

Isto foi o essencial que se extraiu dos protagonistas que, directa ou indirectamente, se pronunciaram sobre a guerra da Guiné. Veremos a seguir o conteúdo do volume II de “A Guerra de África”.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 9 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6569: Notas de leitura (120): A Guerra de África, 1961-1974, Volume I, por José Freire Antunes (1) (Mário Beja Santos)

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