domingo, 6 de junho de 2010

Guiné 63/74 - P6547: Controvérsias (84): O meu grande apreço por este blogue e pelos ex-militares portugueses que ficaram com a nossa terra e o nosso povo no seu coração (Pepito, AD, Bissau)

1. Comentário do nosso amigo Pepito (*) ao Poste P6538, a pedido do editor do blogue:

Luís: Não conheço, nem sabia que existia [, o arquitecto Mário Ansely Correia] (**)

Constato, para minha grande pena e perplexidade, o surgimento,  de um lado e de outro, de posições a roçar a irracionalidade. A nível interno, andamos nos últimos anos a amolar as facas para ajustar contas entre nós, acusando-nos mutuamente de termos sido servidores do colonialismo, porque alguns prestaram serviço militar no exército português.

Está-se a chegar ao ponto de acusar Mário Pinto de Andrade de, enquanto angolano,  ter sido Ministro de um Governo da Guiné-Bissau. Ele que combateu para que o nosso país fosse independente. Que noção rasca de nacionalismo. Sobretudo vindo de quem nunca nada fez pela libertação da Guiné-Bissau e da história apenas ouve comentários em becos onde se bebe vinho de palma ou em festas onde o vinho marca o ponto e a agressividade é testemunho de valentia e coragem politica.

A minha memória faz apenas uma grande divisão entre aqueles que serviram o colonialismo (dirigentes políticos miseráveis que oprimiram ao mesmo tempo o povo português e africano) e a inqualificável Pide,  constituída por seres menores que viveram sempre com um polícia na barriga e que tantos nacionalistas africanos e oposicionistas portugueses mataram, torturaram ou destruíram as suas vidas.

Sendo o meu pai advogado de combatentes do PAIGC e ainda eu,  pequeno, ouvia calado em nossa casa,  e com a raiva a crescer, os relatos que ele fazia à minha mãe sobre as selvajarias e matanças daquela escumalha. Desses a História não deverá esquecer-se, nem perdoar, nem limpar a imagem. Em memória do meu pai e dos pais e mães de tantos amigos meus, não me esquecerei, não perdoarei.

Do outro lado, estão os que sacrificaram toda uma vida para nós sermos independentes. Cabral na primeira linha, quantos anos esquecidos por nós,  guineenses,  e com que direito? Os que viveram nas matas de Cantanhez e de Morés em condições que poucos de nós aceitariam viver. Assim lutaram e assim foram passando o testemunho que hoje parecemos esquecer, tão ocupados estamos a desajustar contas que estavam certas.

A minha divisão é essa e unicamente essa.

Quando hoje lido e convivo com militares portugueses que fizeram a tropa na Guiné-Bissau, aprecio o amor em tempos de guerra que foram cultivando nos seus corações e que os levam hoje a regressar aos tempos de uma juventude perdida e com uma vontade de contribuir para empurrar a nossa terra para a frente: ele são escolas, campos hortícolas, poços de água, hospitais, amigos que precisam de uma mão, uma criança que é apadrinhada, um filho médico de um deles que vem com uma enorme dedicação salvar pessoas abandonadas nos confins de uma mata por onde há dezenas de anos não passa um médico.

Mas vejo,  também, sem conseguir encontrar explicação, a chegada frequente de uma nova vaga de jovens portugueses que desconsideram os guineenses, olham para nós de alto, com arrogância e superioridade, passeando a sua ignorância técnica e malformação humana sob pretexto de que trazem dinheiro, que até nem é deles na maior parte das vezes, e se acham no direito de nos enxovalhar e passar um atestado de menoridade. Qualquer dia, ainda se questionarão se os guineenses têm alma, como há 500 anos se debatia, quando os missionários cá chegaram.

O teu/nosso Blogue tem sido um marco notável do combate pelo resgate da história feita por iguais, sejam eles de que lado estiveram. 

As palavras do arquitecto atingem-me em cheio, em especial no orgulho de pertencer a uma grande tabanca, aberta, plural, respeitadora, amiga, como são as minhas tabancas da Guiné-Bissau onde me habituei a dormir e a ouvir as sábias palavras dos homens grandes quando, como agrónomo,  as percorro e as desfruto.

abraço aqui de longe do
pepito

[Revisão / fixação de texto / bold / título: L.G.]


  2. Comentário anterior, de L.G., ao poste P6538:


"Estamos num mundo, onde tudo se passa de uma forma tão estranha, porque ninguém até agora conseguiu detalhadamente explicar as nossas origens"... (Blogue de Mário Ansaly Correia, Ocante M'Buco > Poste de 24 de julho de 2009 > O mundo dos perdidos!

http://macgeny.blogspot.com/2009_07_01_archive.html


Mário, com a sua idade, a avaliar pela sua foto e pela pouca informação biográfica que consta do seu perfil no Blogger, seguramente que você não terá sido "camarada" dos soldados portugueses que fizeram a guerra colonial... Poderia acontecer, mas não me parece que seja o caso: em 1974, um em cada cinco militares do "exército colonial" era guineense... Nessa altura, você ainda não tinha nascido ou então seria muito "minino"... Nem sequer sei, de resto, se é guineense, a viver na diáspora...

Guineense ou não, estranho a "violência" da sua linguagem num blogue que pretende "construir pontes" entre a Guiné-Bissau e Portugal... Ou nós temo-nos explicado mal ou você decidamente não nos leu, de boa fé.

Nós, pela nossa parte, não temos problemas de identidade. Espero, em contrapartida, que você tenha encontrado, depois de 24 de Julho de 2009, resposta para a a sua pergunta, que é legítima, mas profundamente filosófica e fora das nossas preocupações, que são menos existenciais que as suas... A pergunta (isolada, solitária, única) mantêm-se no seu blogue. Sem resposta. Sem comentários. Sem posteriores desenvolvimentos.

Lembro as palavras de Amílcar Cabral que sempre fez questão de dizer que nunca lutou contra o povo português mas sim contra um regime político e um sistema económica de que ninguém aqui fez a defesa...

Tenho pena que tenha chegado até aqui com duas pedras na mão... E acenando com argumentos de puro primarismo ideológico...

Não quero entrar no seu jogo. Não lhe posso dar as vindas. Mas também não vou eliminar o seu comentário, que vem devidamente assinado... A menos, claro, que no próximo se confirmem eventuais suspeitas de provocação...

Há meses que não exerço o "doloroso e execrável direito" de eliminar comentários que infringem as boas regras de convívio... E, a propósito, elas estão publicadas na coluna do lado esquerdo, do nosso blogue; talvez seja útil relembrá-las aqui:

(i) respeito uns pelos outros, pelas vivências, valores, sentimentos, memórias e opiniões uns dos outros (hoje e ontem);

(ii) manifestação serena mas franca dos nossos pontos de vista, mesmo quando discordamos, saudavelmente, uns dos outros (o mesmo é dizer: que evitaremos as picardias, as polémicas acaloradas, os insultos, a insinuação, a maledicência, a violência verbal, a difamação, os juízos de intenção, etc.);

(iii) socialização/partilha da informação e do conhecimento sobre a história da guerra do Ultramar, guerra colonial ou luta de libertação (como cada um preferir);

(iv) carinho e amizade pelo nossos dois povos, o povo guineense e o povo português (sem esquecer o povo cabo-verdiano!);

(v) respeito pelo inimigo de ontem, o PAIGC, por um lado, e as Forças Armadas Portuguesas, por outro;

(vi) recusa da responsabilidade colectiva (dos portugueses, dos guineenses, dos fulas, dos balantas, etc.), mas também recusa da tentação de julgar (e muito menos de criminalizar) os comportamentos dos combatentes, de um lado e de outro;

(vii) não-intromissão, por parte dos portugueses, na vida política interna da actual República da Guiné-Bissau (um jovem país em construção), salvaguardando sempre o direito de opinião de cada um de nós, como seres livres e cidadãos (portugueses, europeus e do mundo);

(viii) respeito acima de tudo pela verdade dos factos;

(ix) liberdade de expressão (entre nós não há dogmas nem tabus); mas também direito ao bom nome;


(x) respeito pela propriedade intelectual, pelos direitos de autor... mas também pela língua (portuguesa) que nos serve de traço de união, a todos nós, lusófonos.
______________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 31 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3101: História de vida (13): Desistir é perder, recomeçar é vencer (Carlos Schwarz, 'Pepito', para os amigos)

5 comentários:

José Marcelino Martins disse...

Querido amigo Pepito.

Faço minhas, se mo permites, as tuas preocupações.

Já que "ontem" não foi possivel, torna-se necessário que "hoje, amanhã e, para sempre" o Povo da Guiné, o Povo da minha segunda Pátria, encontre a PAZ e a FELICIDADE.

Com muita amizade

José Martins

Anónimo disse...

Pepito,

Estou com a mão na massa. Para além de gostar, admirei a frontalidade do teu testemunho.

Fiz a guerra, todos sabem. Mas!... Foi com um homem cuja mãe natural de Caboverde, foi professora e admiradora do Amilcar. Há coisas tristes é uma realidade, mas quantos amigos (incluindo tu julgo eu) não se dão o abraço da fraternidade? Muitos Guineenses por aqui, até já visitaram a minha humilde casa? Quantos não saberão do grande valor que eu recebi de tuas mãos, no Estoril, fruto dessa maravilhosa terra? A história é longa, no entanto temos de a procurar para expurgarmos o joio, desse trigo que milhares de soldados portugueses conseguiram semear nessa maravilhosa terra!
Dá muito trabalho, temos que nos moldar muito, mas sou dos muitos milhares que ficaram de "beicinho" por essa... Desculpa a expessão terra de nós todos.
Já tenho cometido o disparate de pedir ao Luís, para de qundo em vez deixar sair as G3. É uma provocação para acirrar o debate, mas o coração fala de outra maneira, senão jamais teria escrito "Pami na Dondo", que em tela, seria das obras mais bonitas que o homem poderia fazer.
Pepito, mais uma vez, obrigado pelas tuas palavras.

Quero ver o meu Cufar como continuação do Cantanhez, por isso vai o abraço forte, longo e lindo como esse Cumbijã.

Mário Fitas

manuelmaia disse...

CARO PEPITO,

FOI BOM TERES SAÍDO A TERREIRO PARA EXPORES A VISÃO DE ALGUÉM DO NOVEL PAÍS, DE QUE GOSTAMOS COMO DO NOSSO,RELATIVAMENTE AOS DOIS POVOS, NUMA TENTATIVA DE ACLARAR SITUAÇÕES EM GENTE,QUE DE FORMA IRRACIONAL, CONTINUA A EVIDENCIAR SINAIS CLAROS DE RACISMO.
TENHO A CERTEZA QUE FUNCIONARÁ COMO ALERTA PARA PESSOAS COMO MÁRIO CORREIA,CUJO DESCONHECIMENTO DA REALIDADE OS LEVA A ATITUDES DESTE JAEZ.
OBRIGADO PEPITO.
MANUELMAIA

Anónimo disse...

Pepito, sabemos que a diferença entre os arquiquetos e engenheiros guineenses do tempo de Amilcar e do tempo do Mário, era apenas de uma questão de bolsas de estudo.

No tempo do Mário, nem todos os arquitetos têm culpa de ser arquitetos, nem todos os que mereciam, tinham bolsa.

Mas Pepito e Luis, não tapemos o sol com uma peneira. A "conversa" do portuga analfabeto e um país no calcanhar do mundo, etc, não é criação do Mário, por outras palavras, fazia (faz) parte dos discursos do PAIGC, MPLA e FRELIMO, e dos que ficaram pelo caminho.

Ainda hoje, faz parte de debates públicos no Brasil, se não seria melhor com a Holanda, espanha, etc. em vez dum pais atrazado.

Habituei-me a ouvir esse discurso do Mário, ainda antes do inicio da luta, a pretos, luso-descendentes e afro-luso-descendentes. E ouvi, na Guiné a cooperantes de outras nacionalidades.

Não é uma questão de psico-social, mas Luis e Pepito, o Mário não inventou nada de novo, talvez dar um desconto.

Cumprimentos,

Antº Rosinha

JOSE CASIMIRO CARVALHO disse...

Amigo Pepito
Fui em Abril à Guiné.
Cheguei em pulgas e com um frémito indescritível como um miúdo que é deixado na Disneylandia.
Passado algum tempo e depois de alguns contactos e um reavivar de memórias fui confrontado com situações positivas e negativas.
As positivas são do conhecimento geral, mas as negativas, tais como alguns policias mal e bem uniformizados, estarem de olho nos turistas, para ver se eles cometem o crime de tirar uma foto a uma auto estrada (?!) ou á ponte Amilcar Cabral, ou outro não militar para virem sôfregamente tirar/arrancar a máquina da mão para extorquir, sim , extorquir uns euros, que o problema fica imediatamente resolvido ( então e a segurança de Estado já não fica em risco pelas fotos tiradas pelos turistas?). Bem como militares mal ou não uniformizados a vociferar : TUGAS, etc por motivo de tirar fotos a pequenos bocados de cimento com os nomes das nossas ex companhias com inscrições dos militares falecidos então.Que dizer desses comportamentos?. Claro que esses não representam os Guineenses no todo, bem como esses bandalhos Portugueses que aí vos olham de cima do cavalo não nos representam.
No fundo consideramos o tempo aí passado como parte das nossas vidas a não esquecer e vou voltar...concerteza.
Em Abril/2010 estive em João Landim,Bafatá,Gabu, Guileje,Cadique,Pirada, Capé, Saltinho, etc etc e hei-de ir a Paúnca, Prábis e Colibuia/Cumbijã (locais que me marcaram bem como a sua gente).
Há bons e maus Pepito, em particular, adorei ter estado no Museu de Guileje onde ví várias fotos minhas e onde deixei umas lembranças para a posteridade...
Bem haja...Pepito.

Jose Carvalho
Ex Fur Mil OP ESP
Piratas de Guileje