domingo, 30 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6493: Ser solidário (73): Domingos Manfande, ex-Soldado da CCaç 13 (Carlos Fortunato/Carlos Silva)

1. O nosso camarada Carlos Silva, ex-Fur Mil At Inf da CCAÇ 2548/BCAÇ 2879, Farim, 1969/71, enviou-nos a seguinte mensagem, em 26 de Maio de 2010:

Lisboa, 20-05-2010 - Chegada do Domingos Manfande ao Aeroporto – Camarada da CCaç 13

Amigos

O Domingos Manfande [ex-Soldado CCaç 13] foi operado ontem, [20-05-2010] e tudo correu bem dentro do possível, tratava-se de um caso de grandes cataratas, ao qual se soma uma miopia muito avançada (19 dioptrias), não é engano são mesmo 19, isto em ambos os olhos, sem a ajuda prestada estava condenado à cegueira.

Vai com certeza melhorar com a operação, mas será uma visão sempre bastante deficiente.

Como já vos tinha referido está em casa do nosso amigo José Gomes [ex-Fur Mil Enfº CCaç 13], o qual apesar da sua intensa actividade profissional que lhe deixa pouco tempo, à qual se acrescem problemas familiares [a sua mãe também está doente e também tem que tratar dela], assumiu com a sua habitual grande generosidade mais esta tarefa de tomar conta do Domingos o tempo que for preciso até ele estar em condições para poder regressar à Guiné-Bissau.

Um médico bastante conhecido em amigo do José Gomes não quis envolver o seu nome, e a verdade é que sem o seu envolvimento esta acção não seria possível.

Compreendemos que existe aqui sempre alguma delicadeza nestas questões, porque ele trabalha no Hospital de Cantanhede e sem o apoio do Hospital de Cantanhede nada seria possível, na verdade, isto é, uma cadeia em que basta faltar um dos elos para nada funcionar, todos são importantes, quer os mais fracos quer os mais fortes, de qualquer modo vamos agradecer formalmente ao mencionado médico e à sua esposa [foi ela quem operou o Domingos], e também ao Hospital de Cantanhede todo o empenho e apoio dado, apenas aguardamos que o Gomes indique a melhor forma de o fazer.

Tudo isto para o Domingos são grandes novidades, é um mundo totalmente diferente, primeira vinda a Portugal, primeira viagem de avião, primeira vez a andar num elevador, primeira vez a andar numa escada rolante, primeira vez a passar por túneis, primeira vez a passar por estradas que se cruzam e passam umas por cima das outras, etc., etc., claro que o Domingos vê estas coisas e ri-se de admiração.

Num parque de estacionamento perguntou-me [Carlos Fortunato] se era um lugar de venda de carros, admirando-se com existiram tantos carros, e com toda a gente ter carro.

Fomos até um bairro social, e expliquei-lhe que era o sítio onde viviam os "coitados".

A expressão pobre não é bem entendida, nós e eles quando vemos alguém muito mal exclama-mos "Coitado!", e na Guiné os coitados são os mais pobres.

Como estava a dizer fomos a um bairro social e expliquei-lhe que ali moravam os "coitados", mas quando passamos junto a um caixote de lixo estavam vários móveis e cadeiras, e 2 sacos de roupa em boas condições, e ele parou admirado por deitarem aquilo para o lixo, perguntei-lhe se aquilo era bom para lá, e ele disse-me logo que sim, continuei mas ele ainda insistiu perguntando: "Então não vamos levar?", disse-lhe que não, e ele comentou "Aqui até os "coitados" são ricos".

Quando esteve em minha casa coloquei o filme "Os deuses devem estar loucos", porque como era passado em África, pensei que seria interessante para ele, mas a reacção de um africano quando vê um filme é diferente, porque ele vive o filme, e nós apenas o vemos.

Fui-lhe explicando o filme à medida que se desenrolava, ele consegue ver as imagens mas sem os detalhes, por exemplo não vê os olhos ou os detalhes das caras, e então perguntava-me e comentava: "Oh Fortunato eles não têm água?", "Oh Fortunato eles não têm roupa?", "Eles estão magros devem passar muita fome", "Não podemos levar ajuda para eles?", "É muito longe onde eles vivem. Mostra-me no mapa. Pois é não dá para irmos lá."

Mas não desistiu "Então a e a Cooperação Internacional não pode lá ir abrir um poço?"

Mostrei-lhe o segundo filme com o mesmo nome, existe uma parte em que aparece um furo de água a deitar água, e ele fez uma cara de satisfação "Olha Fortunato, já fizeram um furo!", "Eles ainda nus não andam? Ainda não levaram a roupa!", disse-lhe que tinha sido a Cooperação Internacional que tinha feito o furo, e que o contentor com roupa ia a seguir, e ele ficou com um sorriso de satisfação.

Realmente eu nunca tinha olhado assim para aqueles filmes, mas isto mostra o que é o Domingos Manfande, e é por isso e por outras coisas que o Domingos Manfande tem tantos amigos.

Um abraço,
Carlos Fortunato
Fur Mil At Inf da CCaç 13

Amadora, 17-05-2010 – o Domingos Mafande entre os amigos no Centro Logístico da Ajuda Amiga


2. A esta história do nosso camarada Carlos Fortunato sobre o Domingos Mafande, acresce dizer, que o nosso camarada veio para Portugal para submeter-se à mencionada operação à vista com a colaboração da nossa Associação Ajuda Amiga, mas de facto deve-se essencialmente ao esforço e persistência do Fortunato, pois o processo arrastou-se por quase 2 anos, repito quase 2 anos, para ele chegar até aqui.

De facto é de lamentar, e isso tenho defendido em muitos fóruns, junto de várias entidades portuguesas, ex-1º Ministro Guterres, MNE, Embaixadas; MAI; SEF, MDN, em acções junto dos Tribunais, etc etc, etc, a fim de ultrapassar as dificuldades dos nossos camaradas africanos relativamente à possibilidade de virem a Portugal tratarem de assuntos que lhes dizem respeito, relacionados com direitos derivados com sua a prestação do serviço militar no exército português e sobre estes temas já escrevi centenas, milhares de páginas sobre esta temática, incluindo aqui no Blogue ao chamar à atenção das suas dificuldades, como foi o caso do Bodo Jau Postes 4497; 4506; 4526 etc, etc, alertei para as dificuldades dos nossos camaradas e que não bastava Blás, blás, como se tem visto muito nosso Blogue e que era necessário passar para o plano das acções efectivas, concretas.

Isto para dizer, que o nosso camarada Domingos teve de enfrentar um processo moroso, para obter o Visto de entrada em Portugal, pois teve de ser através da invocação e aplicação de um acordo sobre saúde, pois não conseguia, não conseguem, obter os vistos junto dos nossos Serviços Consulares.

O restante envolvimento de solidariedade à volta do Domingos Mafande já é conhecido, aliás, foi lançado um pedido de apoio aos nossos camaradas pelo Fortunato no Blogue, Poste 3860, o que se traduziu em zero. De facto a palavra solidariedade ou ser solidário, é muito bonita, mas só vejo blás, blás da maioria dos bloguistas.

Os nossos camaradas Gualter Pinto e Vasco Gama bem se esforçam, este último, parece-me que até hoje nada conseguiu.

Acresce dizer que para além do esforço do Fortunato para trazer o seu Camarada da sua Secção, a vinda dele deve-se também à generosidade, do nosso associado e camarada José Gomes da CCaç 13 e principalmente do generoso médico de Coimbra e ao Hospital de Cantanhede, aos quais ficamos muito gratos.

Mas casos como o Domingos e com outras patologias, há centenas deles votados ao abandono e ao ostracismo.

Um dia destes voltarei ao assunto com exemplos arrepiantes, pois relativamente a um deles eu próprio chorei ao ver o corpo do nosso camarada que anda a arrastar-se lá para os lados de Urque, uma tabanca situada entre Farim e Binta.

Daqui volto a lançar mais uma apelo para a solidariedade que podemos prestar.

Massamá, 24-05-2010

Com um abraço amigo,
Carlos Silva
Fur Mil CCaç 2548/Bat Caç 2879
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Notas de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

23 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6459: Ser solidário (72): Viajar (e sentir) pela Guiné (José Eduardo Alves, ex-Condutor da CART 6250)

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