terça-feira, 18 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6425: (Ex)citações (73): A tropa e a criançada nas belíssimas crónicas do Cherno Baldé (Alberto Branquinho)

1. Comentário do Alberto Branquinho ao poste de  18 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6417: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (15): Obrigado, Mortágua, salvaste-me a vida!Caro Cherno

Este texto (e outros já aqui publicados) é uma beleza. Neste a análise do meio social nativo - a avó, as velhotas, as mulheres mais novas e até os homens e as suas análises sobre a "abundância" verificada no aquartelamento e a injustiça de Alá na distribiução, são facetas de uma realidade que nós (os militares) não conseguimos aperceber-nos. 



Por outro lado, as relações da criançada com o ambiente militar e com cada um dos militares são, aqui, mais uma vez abordadas com mestria... e do lado e do ponto de vista da criançada.

Cherno, se me leres, queria fazer-te um desafio, que é, afinal, um pedido. É sobre um aspecto que já tentei escrever. É isto: de que modo a presença da tropa, o convívio com a tropa, o conseguimento de uma certa auto-suficiência por parte dos garotos na frequência dos aquartelamentos (alimentação, algum vestuário, etc) pôs em causa a sociedade guineense (autoridade familiar, poder patriarcal,etc.).

Se o que quer que escrevesses fosse ilustrado com duas ou três histórias, seria óptimo.

Um abraço e fico agradecido,

Alberto Branquinho (*)
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Nota de L.G.:

(*) Último poste desta série > 17 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6408: (Ex)citações (57): A dolce vita de Bambadinca: Os lagostins do Zé Maria, pescados pelo barqueiro do Enxalé em "zona vermelha"... (Luís Graça)

3 comentários:

JD disse...

Cherno,
Tem razão o Alberto Branquinho em tentar despertar mais lembranças do que aquelas que nos tens revelado.
As tuas estórias são um verdadeiro manual do conhecimento sobre os povos da Guiné. Ensinam hoje, sobre aspectos singelos que na época descurei.
Revelam-me algum humanismo que não fui capaz de viver, na soberba da minha superioridade.
Às vezes penso, quem dera poder voltar atrás, ouvir os vossos conceitos, identificar os vossos interesses, as vossas artes e passatempos lúdicos. Aprender a farmacologia, a agricultura, a caça. É verdade que a guerra não permitia tanta convivência, segundo algumas cabeçorras, era, até, de evitar.
Abraçs
JD

Anónimo disse...

Se eles me permitirem, o Alberto Branquinho e o José Dinis, digo apenas, faço minhas as palavras deles.
Em tempos escrevi um texto destinado ao Cherno, espero que os editores tenham feito o favor de lho fazer chegar.
BSardinha

Anónimo disse...

Caros Senhores (Alberto, Jose Dinis e Jose Manuel),

O desafio perante o qual me colocaram he legitimo mas, ao mesmo tempo, he imenso (vasto) como o mar grande que nos une e separa ao mesmo tempo e, nao sei se sou a pessoa certa para responder a uma questao tao profunda e ao mesmo tempo tao ambigua. No fundo, a questao he: Quem influenciou quem ? Nao acho que seja conveniente ver esta problematica so de um angulo, senao corremos o risco de cair, mais uma vez, no que ja chamaram de etnocentrismos. Em quase todas as memorias de antigos combatentes que tive oportunidade de ler neste blogue, encontrei marcas profundas trazidas dos tempos da Guine e que, certamente, vao perdurar para toda a vida.

Agora voltando a questao inicial, e vendo a questao so do ponto de vista local entre a populacao indigena, eu diria o seguinte: Que, normalmente, aqueles que mais de perto se relacionaram com os soldados portugueses ou eram, de certo modo, marginais ou marginalizados em consequencia deste mesmo relacionamento. Isto era valido para os homens e ainda muito mais em relacao as mulheres. Eram atitudes defensivas que as comunidades desenvolviam a fim de resistir e fazer face a situacoes contra as quais nao podiam lutar de forma directa. Mais tarde, eu encontrei estes mesmos comportamentos nas cidades por onde passei durante os meus estudos na antiga Uniao Sovietica, onde os estudantes estrangeiros, merce do contrabando de produtos ocidentais, faziam figura de ricos diante dos locais.

Quanto as influencias, acho que elas devem ser analisadas numa escala mais larga do que os quarteis, pois, paralelamente a guerra havia uma imensa maquina politica que se movia a partir de Bissau e mesmo de Lisboa por diversos canais. Tudo isso, naturalmente, deixou marcas e trouxe consequencias imprevisiveis, algumas positivas e outras nem por isso. Uma das mais evidentes e nefastas he a destruturacao completa das nossas sociedades, da nossa cultura e juntamente com elas, das nossas economias, que nos transformaram, hoje, nos mendigos do mundo.

Quando falo de marginais, nao o faco no sentido pejorativo mas sim, para mostrar que em todas as sociedades existem sempre segmentos ou camadas da populacao que sao mais livres, mais aptos para receber a inovacao, a novidade, aquilo que he diferente mas que pode representar, ao mesmo tempo, uma ameaca para o conjunto.
Pergunto-me a mim mesmo se a Maria Madalena e as outras mulheres que seguiam Jesus Cristo, tambem nao eram marginais para a epoca.

De qualquer modo, esta he uma questao que deixaremos aos nossos herdeiros, Filhos e netos para que procurem encontrar as agulhas no palheiro da nossa historia partilhada e pontilhada de dores e de esperancas.

Bem hajam

Cherno Balde (Chico de Fajonquito)