terça-feira, 11 de maio de 2010

Guiné 63/74 - P6371: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (17): Devolver os corpos às famílias e Bibliografia

1. Recordemos parte da mensagem do nosso camarada Daniel Matos (ex-Fur Mil da CCaç 3518, Gadamael, 1972/74), datada de 3 de Março de 2010:

Caro Camarada
Conforme prometi, aqui estou a "pagar o ingresso" e a enviar as fotografias para formalizar a adesão à Tabanca Grande.
Junto também o prometido texto, em "word", reconhecendo que tem uma dimensão desapropriada para o blogue, mas vocês utilizá-lo-ão (ou não) como melhor entenderem.
[...]
Cumprimentos
Daniel de Matos



No dia 16 de Março de 2010 começámos então a publicar este importante documento, que hoje tem o seu fim, e que narra os acontecimentos trágicos vividos em Guidaje em Maio de 1973.


Os Marados de Gadamael

e os dias da Batalha de Guidaje


Parte XVII

por Daniel de Matos


Devolver os corpos às famílias

Agradecimentos

A exumação dos restos mortais dos dez (depois, onze) militares que se encontravam no cemitério de Guidaje foi efectuada no âmbito de uma operação que envolveu a Liga dos Combatentes, o Ministério da Defesa, a Universidade de Coimbra e o Instituto de Medicina Legal. Uma equipa liderada por Eugénia Cunha, antropóloga forense da Universidade de Coimbra, procedeu ao levantamento e identificação das ossadas entre 7 e 21 de Março de 2009 e posteriormente, após as análises genéticas, trasladadas para o Cemitério Municipal de Bissau (talhões da Liga dos Combatentes).

Os restos mortais de alguns desses camaradas, (os que viriam a ser reclamados pelas famílias, nomeadamente o Machado e o Telo, d’Os Marados, o Geraldes e os três pára-quedistas já referidos anteriormente) foram trasladados para os cemitérios das respectivas terras de origem.

As trasladações ficaram a dever-se ao trabalho empenhado de diversas pessoas e entidades, a quem se deve um agradecimento mais do que justo.

É o caso da União Portuguesa de Pára-quedistas (UPP, dirigida pelo major-general pára-quedista Avelar de Sousa, na reserva) que desde o início assumiu a responsabilidade das despesas para transladar os corpos dos três pára-quedistas e dos militares do exército reclamados pelas respectivas famílias. A par da Liga dos Combatentes, foram mobilizados apoios diversos que se revelariam decisivos para as trasladações sem envolver financeiramente as famílias, mormente junto de uma empresa funerária e da TAP Portugal.

No que diz especificamente respeito a José Lourenço, de Fornos, Cadima, foi efectuada uma campanha de recolha de fundos pela Associação de Veteranos de Guerra da Região Centro (sede em Cantanhede).

Manuel Godinho Rebocho, ex-sargento pára-quedista que foi operacional na Guiné, (Maio de 1972/Julho de 1974), hoje sargento-mor pára-quedista na reserva, entretanto doutorado pela Universidade de Évora em Sociologia da Paz e dos Conflitos (tese de doutoramento: "A formação das elites militares portuguesas entre 1900 e 1975"), ao aproveitar inteligentemente o lema dos páras “ninguém fica para trás”, empenhou-se neste objectivo e incentivou a campanha pró-trasladação. De facto, se existem 4.000 sepultados em cerca de 400 lugares nas ex-colónias, das quais, 1250 nascidos nas actuais fronteiras de Portugal, o mediatismo da Batalha de Guidaje e a campanha que a partir de determinada altura foi feita no mesmo sentido, terão contribuído para que fossem estes, e não outros, os primeiros corpos a serem oficialmente exumados e trasladados para Portugal.

Também as Câmaras Municipais de Cantanhede, Castro Verde, Vila do Conde, Vimioso, Calheta e Valpaços manifestaram (e concretizaram) apoios para o sucesso da operação.

A missão da Liga dos Combatentes é levantar os corpos que se encontram dispersos por esses matos fora e colocá-los em cemitérios que tenham dignidade, zelando pela manutenção dos mesmos. É uma tarefa tão nobre quanto morosa, difícil e dispendiosa. E igualmente insuficiente, pois aquilo que o Estado Português deve fazer é providenciar (e custear por inteiro) a devolução desse corpos às famílias, excepto se estas decidirem em contrário! Urge criar-se um movimento de ex-combatentes, e não só, que arrume a questão de vez, quanto aos mortos que jazem além-fronteiras, especialmente em solo africano. Sendo verdade que existem centenas de casos desde a 1.ª Grande Guerra (Bélgica, etc.) a que a Liga quer deitar mãos, o facto é que quase ninguém se lembrará hoje em dia de reivindicar esses corpos para fazer funerais aos tetravós. Mas aqueles, cujos pais (irmãos, filhos, outros familiares e amigos) ainda estão vivos, têm de merecer um outro tratamento. Os que caíam na guerra até 1968 não vinham, ficavam em cemitérios militares, salvo se as famílias cobrissem as despesas (mais uma vez a protecção aos mais poderosos, aos de maior poder económico). Porém, os cemitérios, ou talhões militares, normalmente nas capitais de distrito ou de província, eram minimamente decentes e cuidados, não o lamaçal do mato. Depois de 1969, creio que após a morte de Salazar, o Estado passou a custear o regresso dos mortos salvo, quando por razões operacionais, foi de todo impossível fazê-lo, como em Guidaje. Mas, por exemplo, com que coerência pode o Estado negar os encargos da trasladação do Telo e do Machado, se providenciou em devido tempo a entrega à família do corpo do soldado Jorge Gonçalves, que morreu em consequência da mesma granada e no mesmo abrigo? (A diferença foi que o Gonçalves sucumbiu aos ferimentos mais algumas horas e ainda conseguimos transportar o seu cadáver para Bissau, enquanto que Telo e Machado tiveram o destino que é conhecido).


Bibliografia

A PIDE/DGS na Guerra Colonial (1961/74), Dalila Cabrita Mateus, 2004, Terramar.

Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974), 8.º Volume – Mortos em Campanha, Tomo II Guiné – Livro 2, Estado-maior do Exército, 2001, Comissão para o Estudo das Campanhas de África.

História da Guiné e Ilhas de Cabo Verde, PAIGC – 1974, Afrontamento

Crónica da Libertação, Luís Cabral, Edições O Jornal/1984

Textos Políticos de Amílcar Cabral Cadernos Maria da Fonte

Guinée “Portuguaise”, Le Pouvoir des Armes, Amílcar cabral, Cahiers Libres, 1970

Comemorações Centenárias da Guiné – Discursos e Alocuções, Eng.º Ruy de Sá Carneiro (Subsecretário de Estado das Colónias), Agência Geral das Colónias, 1947

A Libertação da Guiné, Basil Davidson, Penguin Books, 1969 e Sá da Costa, 1975

Os Congressos do Povo da Guiné, Manuel Belchior, Arcádia, Agosto de 1973

Quem Mandou Matar Amílcar Cabral? José Pedro Castanheira, Relógio d’Água, 1995

Três Tiros da PIDE, Oleg Ignatiev, Prelo

Amílcar Cabral, Oleg Ignatiev, Edições Progresso (Moscovo)

Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné – http://blogueforanadaevaotres.blogspot.com/

vários testemunhos e depoimentos, entre os quais:

ex-furriel miliciano José Afonso, da CCav3420

ex-primeiro-cabo pára-quedista Victor Tavares, da CCP 121

ex-1º cabo comando da 38ª CCmds (Os Leopardos) Amílcar Mendes (Brá, 1972/74)

ex-primeiro-cabo Manuel Marinho, da 1ª companhia do BCaç 4512 (Nema)

ex-coronel Pilav Miguel Pessoa (reformado)

ex-comandante do navio Orion, Pedro Lauret

Guerra Colonial/Associação 25 de Abril

http://www.blogger.com/www.balagan.org.uk/war/portuguese-colonial-war/cazadores4512.htm (sítio do BCaç 4512)

http://www.blogger.com/www.guerracolonial.org

http://ultramar.terraweb.biz/

http://guerracolonial.home.sapo.pt/

http://ci.uc.pt//cd25a/wikka.php?wikka=guerracolonial

http://www.blogger.com/www.rtp.pt/guerracolonial

http://www.blogger.com/www.ensp.unl.pt/lgraca/guine_guerracolonial_historia.html
__________

Nota de CV:

Vd. todos os postes da série de:

16 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6000: Os Maradados de Gadamael (Daniel Matos) (1): Por onde andaram e com quem estiveram?

18 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6014: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (2): Levar a lenha e sair queimado

20 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6027: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (3): Os dias da batalha de Guidaje - Antecedentes à nossa chegada

24 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6041: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (4): Os dias da batalha de Guidaje, 15 a 18 de Maio de 1973

30 de Março de 2010 > Guiné 63/74 - P6069: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (5): Os dias da batalha de Guidaje, 19 de Maio de 1973

2 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6090: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (6): Os dias da batalha de Guidaje, 20 e 21 de Maio de 1973

5 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6108: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (7): Os dias da batalha de Guidaje, 22 e 23 de Maio de 1973

14 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6154: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (8): Os dias da batalha de Guidaje, 24, 25 e 26 de Maio de 1973

18 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6178: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (9): Os dias da batalha de Guidaje, 27 e 28 de Maio de 1973

21 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6201: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (10): Os dias da batalha de Guidaje, 29 e 30 de Maio de 1973

24 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6235: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (11): Os dias da batalha de Guidaje, 31 de Maio e 1 a 12 de Junho de 1973

27 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6255: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (12): Os três G e a proclamação da Independência

30 de Abril de 2010 > Guiné 63/74 - P6283: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (13): Baixas da CCAÇ 3518 em Guidaje

3 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6307: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (14): Cemitérios de Guidaje e Unidades mobilizadas na Madeira

7 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6334: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (15): Hino de Os Marados, Dedicatória e Balada dos Amigos Separados

9 de Maio de 2010 > Guiné 63/74 - P6351: Os Marados de Gadamael (Daniel Matos) (16): Composição da CCAÇ 3518

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Caro Daniel Matos

Li com bastante interesse todo o trabalho que foi repartido por vários artigos.
É um trabalho de fôlego, que relata a partir de espectadores/participantes inesperados que foram os vossos "Marados", que calharam a estar no 'local errado na hora errada', um período trágico/heróico da passagem da nossa juventude por terras da Guiné.
Se se considerarem algumas correcções de pormenores que foram chegando através de comentários e se se acoplar outros depoimentos, relatos, textos, artigos, etc., de outros autores, acho que já se encontra bem e correctamente documentada essa fase da guerra ´(de baixa intensidadade...) travada em e por Guidage.
Muito obrigado.
Uma abraço
Hélder S.