quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5882: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (22): Ida à Guiné, a pé

1. Mensagem de Fernando Gouveia, (ex-Alf Mil Rec e Inf, Bafatá, 1968/70), com data de 21 de Fevereiro de 2010:

Caro Carlos:
Costumo ser mais ou menos regular no envio das minhas estorietas.
Desta vez atrasei-me muito. Tenho razões para isso. Sou uma pessoa que quando tenho uma preocupação, paro tudo o resto para resolvê-la. A “estória” de hoje explicará tudo.

Antes porém, quero dedicar esta “estória” ao sexto aniversário do Blog.

Não direi que, desde há um ano, quando descobri o Blog, a minha vida tenha mudado 180 graus, mas 20 ou 30, isso mudou.

No aniversário do Luís Graça referi o que já no primeiro email, lhe havia escrito em relação ao Blog: -“Já tenho que ler até ao fim da vida”.

Durante quarenta anos nada me fez mexer nas memórias da Guiné. PARA ISSO FOI PRECISO O BLOG, QUAL CAVILHA, DE UM FORNILHO REPLETO DE RECORDAÇÕES MULTICOLORIDAS.

Um abraço a todos os Bloguistas.
Fernando Gouveia

P.S. – E por falar em memórias da Guiné, aproveito para referir que a minha exposição “Memórias Paralelas da Guerra Colonial – Guiné 1968-70” (agora com mais fotos e horário alargado) vai mudar, no dia 26FEV10 para a galeria do Instituto das Artes e Ciências - Fundação Dr. Luís Araújo, na Praça Carlos Alberto, no Porto (quase em frente à Ordem do Carmo), onde se manterá até ao dia 12MAR10.


Um olhar e um sorriso (da actual exposição)

Consertando as redes (da próxima exposição)
Fotos e legendas: © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados.


A GUERRA VISTA DE BAFATÁ - 22

Ida à Guiné, a pé


Como todos sabem, há muita gente que por várias razões costuma ir a pé a Fátima. Pois bem, a mim tem-me andado a passar pela cabeça, “como que ir à Guiné a pé ou melhor dizendo, de carro”. Tudo na sequência das conversas que tenho mantido com os camaradas dos almoços na Tabanca de Matosinhos.

Por várias vezes lá se aflorou o assunto. O camarada Pimentel tem-me andado a azucrinar a mente no sentido de ir com eles, de carro, no fim de Fevereiro. O Rego diz-me que também vai, apesar de não se sentir a cem por cento. O João Rocha, não indo, foi-me dizendo que da vez anterior foi, apesar dos seus problemas de saúde.

Verdadeiramente estou entre a espada e a parede. A desculpa, e não é desculpa, que sempre lhes tenho dado para não ir, é o estado deplorável da minha coluna. Apesar de aguentar perfeitamente umas centenas de quilómetros nas nossas estradas e umas dezenas, aos saltos, nos caminhos do “meu” Nordeste Transmontano, cinco mil quilómetros sempre é outra coisa.

Também já se pôs a hipótese de ir e vir de avião, juntando-me ao grupo lá na Guiné, mas não é bem a mesma coisa. A viagem África afora, seria a viagem da vida de uma pessoa.

Sei que não se irá encontrar o território como o deixei, embora agora em paz. Por força do desenvolvimento global, aquelas gentes aspiram hoje a algo que o “global” não lhe pode dar. As pessoas aproximaram-se dos “grandes centros” e aí a miséria prolifera tal como cá.

Pese tudo isso, fui lá muito feliz,  como diria o outro…Tive lá sorte e mais sorte. Foi lá que eu e a minha mulher tivemos a nossa primeira casa, na tabanca de Rocha. Foi lá, na zona comercial, que comprámos a réplica em plástico da nossa filha Joana, que não chegámos a ter (só dois rapazes). Toda aquela gente afável, muita da qual se considerava portuguesa como nós, foi votada, fruto das circunstâncias, ao abandono por parte dos portugueses. Agora parece assistir-se a um vaga de fundo solidária. Espero que não seja tarde demais.

Mas voltando atrás, quero referir que estou a escrever estas linhas depois de ir ao médico tentar mostrar uns exames ao estado dos meus ossos, exame esse que já tinha em meu poder há algum tempo. As conversas em Matosinhos apressaram a necessidade de tirar as dúvidas mas aconteceu que o médico não me atendeu e estou a entender isso como mais um sinal no sentido de protelar a decisão.

Pois bem, podem crer que neste momento para mim ir à Guiné, de carro, me parece tão arriscado como qualquer outra pessoa ir a pé.

Passaram-se uns dias, o médico deu-me luz verde, mas ao mudar uns móveis em casa tive uma crise de coluna. Foi a gota de água. Lá se foi por água abaixo a viagem da minha vida. Resolvi que iria, mas agora de avião. Parto no dia 3 de Março para me encontrar com o grupo que vai de carro e que deve chegar à Guiné no mesmo dia.

Há dias, um camarada escrevia no Blog que estava emocionado com a sua próxima ida à Guiné. Não quero ser monopolista, mas se a minha emoção não for muito maior, será pelo menos igual.

Ir a Roma e não ver o Papa é como para mim ir à Guiné e não ir a Bafatá. Claro que irei. O Chico Allen já me disse que até posso ir e vir no mesmo dia num “toca-toca”. Ir a Madina Xaquili, à minha guerra, seria ouro sobre azul. Lá se verá dessa possibilidade.

Já tenho a mala feita.
A emoção é muita

Até à vinda,  camaradas
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 24 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5705: A guerra vista de Bafatá (Fernando Gouveia) (21): As diversas formas do medo

3 comentários:

Luís Graça disse...

Fernando:

Deixa-me fazer aqui um elogio público à tua valentia. Percebo muito bem o teu conflito de sentimentos. Também passei por isso o ano passado, quando voltei à Guiné.

Desejo-te boa viagem. Julgo que desta vez vais sozinho, isto é, sem a tua musa inspiradora....

Antes de partires, espero ainda dar-te algumas dicas sobre Bafatá e Gabu, o meu filho passou por lá em Dezembro e teve uma experiência única na tabanca de Tabató, donde é natural o grande músico guineense, o Djabaté...

Em Bafatá, ele pernoitou na associação Médicos do Mundo. Por baixo, no r/c, fica o restaurante da Dona Célia, uma portuguesa que foi para lá em 1972, segundo creio, e que é esposa de um antigo camarada nosso...

Espero que faças o teu diário e bordo e nos traga belas fotos da região leste... Em Bissau, contacta os nossos amigos da AD - Acção para o Desenvolvimento... O Pepito parte amanhã, à noite, para Bissau. Consulta o site na Internet.

Bons ventos te levem e te tragam de volta, em paz, e com saúde. Luís

PS - Gostaria de ainda poder ver, no Porto, a tua exposição, para a qual desejo o maior sucesso. E parabéns!

Hélder Valério disse...

Caro Fernando Gouveia

Costumo acompanhar sempre com grande interesse as tuas histórias, os teus relatos.
Desta vez relatas as tuas angústias quanto a uma ida à Guiné, coisa que já passou a ser moda....
Pois bem caro amigo, vai!
Vai, vê, emociona-te, revive e revitaliza-te. Depois volta e conta!
Como de costume, principalmente no que à Guiné diz respeito, deves ir imbuído do espírito de frontalidade, de firmeza e de amizade, nada de sobranceria, que o resto da história, já conheces bem.... o afecto daquelas crianças, daquelas gentes, mesmo por cima das dificuldades, é contagiante.
Boa viagem!
Um abraço
Hélder S.

Unknown disse...

“Ir a Roma e não ver o Papa é como para mim ir à Guiné e não ir a Bafatá”

Revejo-me inteiramente nesta frase. Estive em BAFATÁ (NO Esquadrão. Rec., 8840) 18 meses em 73 e 74.
Aos que lá estiveram e a todos os outros que passaram pela Guiné, sejam felizes e desprezem a canalha que vai governando o nosso PORTUGAL.

Carmindo Pereira Bento. Monte Real Leiria
carmindo.bento@gmail.com