segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5864: Notas de leitura (69): Guerra Colonial - Angola - Guiné - Moçambique, Edição Diário de Notícias (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos* (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Fevereiro de 2010:

Queridos amigos,
É de facto impossível iniciar um estudo da guerra colonial sem começar por aqui.
É a homenagem elementar que pretendo aqui deixar.

Um abraço do
Mário


A primeira história importante sobre a guerra colonial

Beja Santos

Nada existiu de tão significativo antes da publicação da “Guerra Colonial, Angola, Guiné, Moçambique”, da autoria de Aniceto Afonso e Carlos de Matos Gomes. A obra foi editada em fascículos no Diário de Notícias, no fim dos anos 90, e em 2000 a Editorial Notícias deu-a à estampa. Os mesmos autores abalançaram-se recentemente a publicar “Os Anos da Guerra Colonial”, que recebeu muita inspiração, como é compreensível, da iniciativa anterior. É impossível estudar-se a guerra colonial sem ter em conta esta obra de referência. Basta pensar só no elenco de colaboradores: Adriano Moreira, António José Telo, David Martelo, Diana Andringa, José Falcão de Campos, José de Matos-Cruz, Josep Sanchez Cervelló, Luís Salgado Matos, Nuno Santa Clara Gomes, Rosário Simões, Rui de Azevedo Teixeira. Como escrevem os autores na apresentação, importa não pôr de lado a delicadeza do tema: ainda há paixões à tona, há fontes irrepreensíveis e há questões que podem ser encaradas como factores de distorção, sobretudo quando os actores transmitem a visão dos acontecimentos no enfoque pessoal, sem contraditório. E adiantam: “O presente trabalho pretende constituir algo em que se possam rever aqueles homens e mulheres que, em qualquer situação participaram na guerra e os que com eles se relacionaram. Algo que dirá respeito a Portugal e aos países africanos que, neste longo conflito, conquistaram a sua independência política”.

A estrutura da obra é aliciante, comporta uma organização que permite visualizar os locais do conflito e as grandes operações ali desencadeadas; pode ficar-se com uma ideia das forças em presença (recorde-se que ainda hoje não há dados fiáveis sobre as forças efectivas dos guerrilheiros, nos três teatros de operações), quem e porquê se fez a guerra, a evolução da matriz doutrinal, os principais dirigentes, heróis e políticos, alguns aspectos do quotidiano da guerra, o impacto da guerra na sociedade portuguesa, guiões, modelos de armas e cronologia da guerra colonial.

Os autores não iludem as questões que possam ser vistas como controversas como seja falar de guerra colonial em oposição a guerra do Ultramar ou guerra de África. Entram na cronologia dos acontecimentos com o que se passou em 15 de Março de 1961, em Angola, e a determinação de Salazar após abortar o golpe de Botelho Moniz. Tem destaque na reocupação do Norte de Angola a operação Viriato e a entrada em Nambuangongo. Sanchez Cervelló sintetiza o novo quadro africano, entre 1945 e 1962. Explicado o essencial de uma guerra subversiva, os autores apresentam o teatro angolano e os movimentos da independência. Segue-se a Guiné, a história do PAIGC, a operação Tridente, um resumo do meio físico, humano e económico da região. A operação Águia é o preâmbulo da guerra de Moçambique, dá-se um apontamento da Frelimo e igualmente do meio físico, humano e económico de Moçambique, bem como o enquadramento do teatro de operações.

Apresentados os actores e o meio, dada a moldura ideológica e as mudanças registadas em África no período precedente à luta dos movimentos de libertação, faz-se desfilar os contingentes em contenda, os dispositivos militares, as operações, as condecorações, os eventos marcantes, mas também o sistema de informações, a guerra psicológica, o papel das organizações femininas (Cruz Vermelha e Movimento Nacional Feminino), as tensões dentro da Igreja Católica.

As relações internacionais têm o merecido destaque, tal como a africanização da guerra, a noção do quadro económico (que era praticamente desconhecido da chamada metrópole, em 1974, à vontade da independência africana ameaçava sobrepor-se a da independência branca, como escreve Salgado de Matos). Minas e armadilhas, o papel das forças especiais, os transportes, os diferentes tipos de equipamento, a guerra dos céus, as lanchas e os navios, as transmissões, as obras de engenharia, a administração militar, a acção psicológica, têm o merecido relevo. Grandes protagonistas como Costa Gomes, Kaúlza, Spínola, estratégias e operações, recebem o merecido acolhimento como irão sobressair momentos de viragem como aqueles que viveu a Guiné em Maio de 1973, com Guidage, Guileje e Gadamael. E estamos chegados a outras questões fulcrais como as mentalidades da geração de 60, o papel da literatura, do cinema, o fenómeno do movimento dos capitães e, por último, a génese do 25 de Abril e no seu rescaldo as feridas de guerra, como é o caso dos deficientes. A obra remata com um balanço e uma reflexão final e a bibliografia utilizada.

É uma edição impar, com esta “Guerra Colonial”, a historiografia deu um salto. Nestas 600 e tantas páginas alcançou-se uma admirável síntese sem descurar o rigor do pano de fundo, em si tão complexo. Nós, os camaradas da Guiné, fomos directos beneficiários, Aniceto Afonso escreveu depois uma importante súmula sobre a guerra da Guiné que a seu tempo fiz referência. Inevitavelmente, ela tem que fazer parte da nossa biblioteca, é por isso que eu a ofereço ao blogue, com um abraço de elevada consideração e admiração pelos seus autores.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 16 de Fevereiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5824: Notas de leitura (68): Memória, de Álvaro Guerra - A tiros de raiva e metal escaldante (Beja Santos)

2 comentários:

Antonio Graça de Abreu disse...

Luís Salgado Matos, Diana Andringa
(ex-MRPPs)e outros personagens de uma certa esquerda radical.Também Adriano Moreira.
Sem pôr, de modo algum, em causa o trabalho de Aniceto Afonso e Carlos Matos Gomes (também com a sua fase esquerdista, como eu, só que eu fui às origens, seis anos de vida na China comunista, de 1977 a 1983, vacinaram-me), acredito que a História da nossa última Guerra Colonial tem de ser feita com a difícil imparcialidade e rigor, sem delírios e ignorâncias, de esquerda ou de direita. A paixão política tolda o entendimento.
É apenas um desabafo.
Por último, onde fica a biblioteca do nosso blogue?
Um abraço,
António Graça de Abreu

Luís Graça disse...

Meu caro António:

Acabo de receber, pelo correio, a tua encomenda, incluindo a fotocópia do relatório da missão da ONU, de 1972. Vou naturalmente publicar, depois digitalizado e editado o documento (a cópia não é famosa, uma vez que o original foi feito a stencil...).

Honraste-me, mais uma vez, com a oferta de um dos teus livros, gostosamente autografado...

Este é especial, para ti: a 2ª edição dos "Poemas de Li Bai" (Instituto Cultural de Macau, 1996). Foi este teu trabalho de tradução que te valeu o Grande de Tradução da Associação Portuguesa de Tradutores e do Pen Club / 1991...

Devo dizer-te que adorei, para já, a tua Carta Aberta ao poeta Li Bai, metendo-lhe uma cunha, lá no céu, e à boa maneira portuguesa, para que finalmente te entregassem o Grande Prémio...

Se me autorizares, hei-de publicá-la no blogue: é uma peça de antologia que fica bem na série... Humor de Caserna... Deste teu livro (que legitimaente te envaidece) falaremos com tempo e vagar...

Quanto à biblioteca da Tabanca Grande, está a meu cargo... Vou publicar a lista dos livros disponíveis e consultáveis, que resultam de ofertas (de editores e do Beja Santos)...

Para já, e à falta de sede, está comigo no meu Gabinete de Trabalho, sala 3 A 42, na ENSP/UNL, Av Padre Cruz, Lisboa, telef. 21 751 21 93...

Um Alfa Bravo. E viva a poesia!

Luís