sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Guiné 63/74 - P5804: Documentos (10): PAIGC: A agressão contra a missão especial da ONU, Excertos de um relatório de Amílcar Cabral, 1972 (António Graça de Abreu)






1. Mensagem do António Graça de Abreu, com data de 22 de Janeiro último:

Assunto - Relatório da ONU,  Abril 1972

Meu caro Luís



Inicialmente coloquei isto como comentário (*) mas creio, com as fotografias do documento, que merece um post.


Deixo ao teu cuidado.


Um abraço,


António Graça de Abreu



Meus caros: Já havia esquecido, mas ontem fui aos meus papéis velhos sobre a Guiné e lá encontrei o relatório da "Missão especial da ONU na Guiné, Abril de 1972."

Está aqui comigo e recomendo a leitura e entendimentos a todos os que passámos pela Guiné na fase final do conflito. Esclarecedor, brilhante, também angustiante. As verdades dos factos. Talvez a publicar no blogue mas são dez páginas em A 4.

Em anexo ao texto dos homens da ONU, são publicados excertos do relatório então escrito por Amílcar Cabral sobre a visita dos homens da ONU.

No nosso blogue temos tido o gosto (eu não) de denegrir a capacidade militar das NT (Guileje, a guerra militarmente perdida, perdida em termos militares, etc.).

Pois,  Amílcar Cabral faz exactamente o contrário, exalta e exagera a capacidade militar das tropas portuguesas em Abril de 1972. Leiam as palavras de Amilcar Cabral no seu relatório sobre Missão da Onu:

"No dia seguinte da partida da missão (da ONU), o Estado Maior Português, declarou o estado de prevenção para os 45.000 militares das tropas coloniais existentes no nosso país, dos quais 15.000 se encontram acampados no Sul (...) 10.000 homens das tropas especiais foram transportados durante alguns dias de Bissau para o Sul. Se juntarmos as forças da aviação e da marinha que operaram no decurso da agressão, o número total de homens mobilizados foi da ordem de 30.000."

Isto num pequeno país onde, segundo a missão da ONU,  3/4 do território eram "zonas libertadas pelo PAIGC" que dispunha de 5 a 6 mil combatentes, e onde (agora em Janeiro de 2010) segundo a opinião do diplomata equatoriano da ONU que fez parte da missão, os portugueses, "entrincheirados nos
seus quartéis" apenas "se deslocavam por via aérea."

Tanto dado falsificado!... Difícil fazer a nossa História e a dos povos da nossa Guiné!

Um abraço.

António Graça de Abreu
 
2. Comentário de L.G.:
 
 No mesmo poste,  havia já eu inserido antes um comentário, a 21 de Janeiro, começando por reforçar "as palavras que tu escreveste no teu Diário (Pouca gente em Portugal tinha essa informação privilegiada e detalhada, como tu tinhas em 25 de Junho de 1973, quando chegaste a CUFAR, como alferes miliciano do CAOP1":


"(...) Até Dezembro de 1972, isto era quase tudo território do PAIGC. Havia os aquartelamentos de Catió, Cufar e Bedanda bem defendidos onde a tropa portuguesa não punha muito o nariz de fora.


"Em Abril de 1972 estiveram por aqui observadores do Comité de Descolonização da ONU para conhecer as realidades das zonas libertadas pelos guerrilheiros. Vieram de Conacry, entraram pela zona de Guileje, chegaram até perto de Cufar, sempre a pé, abrigados pelas florestas." (...)

E no mesmo comentário, acrescentava eu: "E depois, dizes, mais à frente e bem, que as coisas mudaram, a partir de finais de 1972, com a reocupação do Cantanhez por dois mil homens das NT... que praticamente não sentiram resistência por parte do PAIGC... Tal como tinha acontecido no Como, em 1964...

"Como tu também sabes, as guerras não se ganham só com as armas e os homens em armas, e as unidades de quadrícula...O Como e o Cantanhez são a prova provada de que não havia 'santuários' (tu mesmo falas em 'zonas libertadas')... Mas não foi aí que a guerra se ganhou ou perdeu... O campo de batalha, a batalhava mais decisivo, não se travava aí, mas nos aerópagos internacionais, nas chancelarias, na Assembleia Geral das Nações Unidas...

"Bem, vamos ler o relatório ? O primeiro que arranjar uma cópia, faz a divulgação no blogue, para que todos possamos perceber qual foi a metodologia, o itinerário e os locais da visita, as observações, as conclusões... Bom dia!"

Como foste tu o primeiro a arranjar a tal cópa, deixa-me dizer-te duas palavras de agradecimento:

Obrigado, António, por teres sabido guardar, preservar, proteger e depois divulgar um documento como este, dactilografado, policopiado, e que seguramente terá interesse para a historiografia dos dois países... Se tiveres tempo e pachorra, podes digitalizar e mandar-nos as restantes páginas que faltam (dez ?)... Muitos dos nossos camaradas não estão habituados a lidar com documentos originais como este. E é importante que tenham acesso a cópias dos documentos originais, sejam  das NT sejam do PAIGC... Não tendo formação em história, muitos leitores nossos também não sabem como trabalham os historiadores, como é a sua metodologia (e a sua ética) de investigação, como é isso do recurso à triangulação das fontes ou das versões, etc.

O Amílcar Cabral não era historiador, era um líder revolucionário. O excerto que aqui transcrevemos deve ser visto apenas como um texto de combate político. Não mais do que isso. Na guerra de propaganda, cada uma das partes puxa a brasa à sua sardinha. Spínola também não era historiador, era um cabo de guerra, um líder político-militar. Os seus discursos, defendendo a Guiné Melhor, também devem ser vistos como armas de arremesso político.

Quarenta anos depois, somos capazes de ler e analisar os documentos (escritos, falados, etc.), de um lado e de outro, com a suficiente distância crítica, isenção, objectividade... Pessoalmente congratulo-me por podermos e sabermos apresentar e discutir, aqui no nosso blogue, com naturalidade, sem crispação, documentos sobre a guerra colonial que não têm necessariamente uma leitura única, linear...

Um bom Carnaval (a festa do "Adeus à Carne"). Daqui do Porto, da tua terra, envio saudações para ti, para Lisboa, e para o pessoal das diversas Tabancas deste regulado, de Matosinhos, do Centro, da Linha,  da Lapónia... Ainda quero ver se vou ver os caretos de Lazarim, Lamego, onde há o Carnaval mais português de Portugal...

PS - Estou a envidar todos os esforços para poder participar, eu e a Alice,  no almoço da Tabanca do Centro, a 26  do corrente...

____________

Nota de L.G.:

(*) 20 de Janeiro de 2010 > Guiné 63/74 - P5680: Efemérides (41): No 37º aniversário da morte de Amílcar Cabral, recordando o sucesso diplomático que foi a visita da missão da ONU às regiões libertadas, no sul, 2-8 de Abril de 1972

2 comentários:

Anónimo disse...

Caro António Graça Abreu

Penso que, em 1972, quando a Missão visitou a Guiné, não era difícil ser conselheiro da ONU.

Escolhia-se o bloco e estudavam-se as correntes de ar. Quero eu dizer: aproveitavam-se os ventos que fossem de feição, içava-se a vela e...vamos por aí fora!

Assim, a ONU enviou 3 observadores à Guiné. Estes visitaram uma pequena parcela do território a convite de um dos lados. Certamente, só "viram" aquilo que lhes quiseram mostrar e, mesmo assim, a correr. É que, como reconhece o chefe da missão, sr. Sevilla Borja, na sua entrevista constante do Poste 5680, "fomos perseguidos pelos portugueses e bombardeados o tempo todo". É obra!

Mas pronto! Com tanta "imparcialidade", conjugada com os ventos que sopravam, o relatório foi feito.
Pela adesão que obteve, poderemos dizer que influenciou não só o decurso da guerra mas, talvez a própria história da Guiné-Bissau.

Quando li a entrevista do sr. Sevilla Borja e o teor da mesma, pensei: Ora este sr. é do Equador, é contra o colonialismo e diz que o relatório foi revolucionário. Foi então que, 3 palavras passaram a martelar-me a cabeça:
UNITED FRUIT COMPANY ( lembram-se?).
Transcrição da WIKIPEDIA Enciclopédia Livre:
"A United Fruit Company (UFC) (1899-1970) era uma multinacional norte-americana que se destacou na produção e comércio de frutas tropicais em plantações no terceiro mundo, principalmente na América Latina. Seus interesses comerciais abrangeram grandes extensões na América Central e no Caribe onde a empresa era conhecida como "Mamá Yunay".

Tinha muito poder nos países centroamericanos já que, com a colaboração do governo dos EUA, ajudava a derrubar governos democráticos e a implantar ditaduras repressoras nos países que hostilizavam sua atuação empresarial.

Em 1969 foi comprada por Zapata Corporation, empresa relacionada com George H. W. Bush (conhecem?). A empresa modificou sua razão social para Chiquita Brands e até hoje opera com esse nome.

Em 2007, Chiquita Brands enfrentou um julgamento nos EUA por haver financiado grupos paramilitares que foram responsáveis pelo massacre de sindicalistas e camponeses".

E como o pensamento é uma enorme teia de fios entretecidos até ao infinito, perguntei-me:

Porque é que a ONU não aproveitou a experiência de descolonizador do sr. Sevilla Borja,o seu internacionalismo "imparcial", para o enviar como observador ao Equador (seu país) e países vizinhos. Decerto sairia um relatório a condenar o colonialismo não de um país sobre outro, mas de uma empresa americana: United Fruit Company, sobre vários países!
A bem da ONU...ou não???

Um abraço para o António Graça Abreu
Extensivo a todas as Tabancas

José Vermelho
Ex-Fur Milº (1971/1974)
CCAÇ 3520 -Cacine
CCAÇ 6 - Bedanda
CIM - Bolama

Anónimo disse...

Gostei do Poste, do comentário do LG e deste acima. A UFC tinha muito que contar...

É mera e primária propaganda. O conteúdo politico é paupérrimo. Certamente nem foi o Cabral I...talvez um amanuense em treino ou reciclagem.
Natural!
Viram o quê?
Logo escrevo, se tiver tempo e disposição. Mas o resto do relatório devia aparecer. É bom ler e tentar compreender...

Abraços do Torcato