sábado, 12 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5455: Memória dos lugares (60): O Rio Geba e o navio Bubaque, do meu pai (Manuel Amante da Rosa)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1970 > Vista (parcial) da tabanca de Bambadinca, com o Rio Geba ao fundo e o cais fluvial. Foto tirada do quartel de Bambadinca.

Foto: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados



1. Comentário de Manuel Amante da Rosa, cidadão cabo-verdiano, embaixador, ex-militar dos serviços de intendência (Bissau, 1973/74), membro da nossa Tabanca Grande desde Maio de 2007 (*) (Infelizmente desencontrámo-nos por ocasião do IV Encontro Nacional do Nosso Blogue, em Junho passado. Temos, pelo menos, dois amigos comuns do mundo lusófono: Pepito, em Bissau; Isabel Brigham Gomes, na Cidade da Praia. Saudações lusófonas, pelo seu reaparecimento. L.G.)



Caro Arsénio Puim (**), alegrou-me muito saber que fez uma viagem no Bubaque,  de Bambadinca para Bissau. Muito provavelmente, se a sua jornada foi num fim-de-semana eu deveria estar a bordo. Se assim foi, deveremos ter saído do sempre atulhado e improvisado cais de Bambadinca às 11 da manhã. Uma a duas horas antes da vazante. Factor regular (horário das marés) que muito nos preocupava para não ficarmos em seco no meio do Mato Cão. 


O Bubaque era do meu Pai que o adquirira à Marinha Portuguesa e o transformara em barco de passageiro com capacidade para 140 ou 180 passageiros, após ter sido abatido à carga. Teria sido antes uma traineira algarvia que foi transformada ainda em Portugal em Lancha Patrulha (o LP4) com uma pesada casamata blindada, em ferro, a meia nau e enviada para a Guiné em princípios de 1960. Muito patrulhou os rios da Guiné tendo inclusivamente participado na batalha do Como. 


Com a chegada regular das LDM e LDP as 4 LP tornaram-se absoletas e foram abatidas por Decreto do Ministro da Marinha. Eram robustas, aguentavam bem o mar e todas possuiam bons motores. O Bubaque era muito conhecido na região do Leste. Era a carreira mais regular entre Bissau e Bambadinca e exclusivamente destinada ao transporte de passageiros e suas cargas. 


Era também conhecido por Djanta Kú cia pela sua rapidez na jornada. Significava que se podia almoçar em casa e chegar ao seu destino ainda a tempo de jantar. Fiz muitas e muitas viagens nesse navio, mais de dia que de noite, algumas com acidentes e avarias graves no percurso mas, estando a bordo, nunca fomos vítimas de ataque. Meu Pai,  sim, numa madrugada em pleno Mato Cão, por erro de identificação. 


Não me parece que tivesse havido alguma vez um acordo ou pagamento de passagem. Era sabido que só transportavámos passageiros e muitos deles seriam familiares próximos de quem estava na luta,  quando não fossem mesmo guerrilheiros ou mensageiros a caminho de Bissau e vice-versa. Transportei muitas vezes militares que demandavam e/ou outro porto.  Sentiam-se seguros no Bubaque. A viagem directa Bambadinca-Bissau demorava em média de 5 a 6 horas, duas das quais na auto-estrada do Mato Cão a parte que mais encanto me dava. A subir era sempre menos.

No Geba largo, no tempo das chuvas e tornados, a preocupação era evidente devido às vagas curtas, sempre de través e instabilidade da massa humana a fugir da chuva ou a agachar-se do vento a sotavento dele. Nessas ocasiões aproximavamo-nos da margem oposta passando por Jabadá e Enxudé até cortar directo para oeste de Cumeré, passar entre a ponte cais e o ilhéu do Rei e atracar no Pidjiguiti. No outro dia, a favor da maré, lá se iniciava uma outra jornada. Tenho ainda vivas as mesmas imagens que tão bem descreveu das margens do Geba apertado.


Um forte abraço
Manuel Amante da Rosa


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Notas de L.G.:


(*) Vd. poste de 27 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1787: Embaixador Manuel Amante (Cabo Verde): Por esse Rio Geba acima...


(...)Na minha infância e adolescência fiz muitas viagens pelo interior da Guiné-Bissau durante a luta de libertação. Mas o que mais me encantava (70/73), pelas paisagens e desafios, era subir o Rio Geba, nas férias ou mesmo nos fins de semana, num dos barcos de passageiros do meu Pai [o Bubaque] (...)

A jornada começava com a enchente da maré, passando por 
PortogolePonta Varela, Xime e daqui para a frente quase sempre a rasar as margens, ora de um lado ora de outro, ver passar o Mato Cão e Nhabijões até chegar ao pequeno mas movimentado porto de Bambadinca, onde sempre havia lanchas e batelões.

Não raras vezes, no regresso, saíamos de noite de Bambadinca rezando, tripulantes e passageiros, para que nada acontecesse até passarmos o Mato Cão. Salvo raras ocasiões as preces foram escutadas. O encanto era absorvente em noites de luar a descer o Geba a favor da maré, com o maquinista a ficar satisfeito, em termos de rotações do motor, só quando via faíscas e fumo espesso a sair da chaminé. Parecia que andávamos numa estrada cheia de curvas tal a velocidade com que descíamos o rio. As apreensões só desapareciam, na última curva, quando víamos as luzes do quartel do Xime. De noite 
Ponta Varela não constituía perigo. Passávamos a uma razoável distância.

Faço estas referências porque acabei por rever muitas imagens de Bambadinca e das suas gentes, onde passei férias com mais colegas estudantes e ia à caça, idas à boleia em viaturas militares ou civis, sem escoltas até ao Xime para ver o macaréu passar, 
cambanças para a outra margem do porto de Bambadinca de canoa, visita ao aquartelamento de Nhabijões que muito impressionou pela vetustez das instalações e más condições que facultava. (...)


Abraços e votos de que as memórias, por mais dolorosas que possam ter sido, não sejam apagadas mas se possam erigir numa teia que envolva ainda mais a todos os que nasceram, viveram ou tenham passado pela Guiné.


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(...)  Manuel Amante da Rosa nasceu em Bissau a 19 de Dezembro de 1952. Foi militar (1973/74), do recrutamento local, no CIM de Bolama onde fiz a recruta e especialidade antes de ser colocado no QG (Chefia dos Serviços de Intendência) em Bissau.

Graduado pela Academia Diplomática Brasileira –Instituto do Rio Branco – (1977/80), foi:



 (i) embaixador de Cabo Verde em Angola, Moçambique, S. Tomé e Príncipe, Namíbia, Zâmbia e Zimbabwe, 
(ii) observador Internacional da OUA no processo de democratização na República da África do Sul (1993-1994),
(iii) encarregado de Negócios junto do Governo da ex-URSS, 
(iv) membro da Missão Permanente de Cabo Verde junto das Nações Unidas em New York, 
(v) Delegado de Cabo Verde na Segunda Comissão da Assembleia Geral, entre muitas outras funções ou cargos...


É actualmente Secretário Geral Adjunto do Secretariado Permanente do II Fórum para a Cooperação Económica e Comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa.


(**)  Vd. poste de 12 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5453: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917. Dez 69/Mai 71) (5): O grande Rio Geba

Guiné 63/74 - P5454: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (15): Tabanca de Matosinhos, Tertúlia do Cozido à Portuguesa e viva a amizade (Juvenal Amado)

1. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74, com data de 11 de Dezembro de 2009:

Carlos
Fiquei com ideia que o endereço do blogue seria outro por o LuisGraça ter atingido o limite.
Assim envio-te esta pequena crónica da nossa deslocação aí à Tabanca de Matosinhos no dia 9.12, que também será um pré-convite para um almoço em Monte Real que oportunamente faremos notícia.

Um abraço
Juvenal Amado


O lançamento do Livro do Manuel Maia* foi o pretexto para um dia bem passado em que voltamos uns anos atrás, pois jovens só não somos na aparência.

Eu e Mexia cedo nos fizemos ao caminho, que a viagem era longa.

Em Buarcos apanhámos o Vasco e em Aveiro o Reis. Calmamente galgámos quilómetros em alegre convívio.

Nunca nos calámos. Falámos da Guiné, do blogue, de Deus, de religiões e do prazer de estarmos juntos.

Finalmente chegámos a Matosinhos e junto ao restaurante lá estavam já alguns camaradas da Tabanca de Matosinhos. Trocámos abraços apresentámo-nos, uma vez que as fotos do blogue não são por vezes facilmente identificáveis com a realidade.

Alguns dos madrugadores: Antonieta Sardinha, Vinhal, Jorge Picado e o seu amigo, Mexia Alves, senhor Rolando (pai do Álvaro Basto), Baptista e, de costas, José Manuel Dinis.
Foto de Juvenal Amado


Não interessa o que comemos, pois o verdadeiro prato era a companhia uns dos outros.

Revi o Vinhal, o Pimentel, o Zé Manel, o Picado, o Dinis, o Guimarães e o Carvalho. Conheci fisicamente o Jorge Teixeira, o Tavares, o Faria, o Marques Lopes, o Hélder, o Belarmino e esposa, o José Teixeira, o Bastos, o Maia e outros camaradas, que me perdoem pois não me lembro do nome de todos.

Ri e emocionei-me.
Era impossível não acontecer quando o Maia agradeceu a presença de todos.

Quem chega pela primeira vez à Tabanca de Matosinhos assina o quadro de honra. Juvenal Amado não fugiu à tradição
Foto de Jorge Teixeira


Lamentámos quando as horas se impuseram e as despedidas foram inevitáveis.
Mais um abraço ao Maia, despedimo-nos da esposa e filho já só restávamos nós.
A caminho de regresso, foi da mesma maneira feito com alegria. Quem é que pode estar triste ao pé do Vasco e do Mexia?

O Mexia declamou uns versos que nós baptizamos de neo realistas, moderadamente existencialistas e a puxar para o psicadélico. Enfim tinham tudo!

Foi mais ao menos aprovado na generalidade e lançada a primeira pedra da Tertúlia Do Cozido à Portuguesa.

O acontecimento será efectivo lá para Janeiro, em Quarta-Feira a indicar, assim que baixe o colesterol devido às festas natalícias e para o efeito, estão convidados todos os camaradas que se queiram fazer presentes na referida cerimónia(1).

E assim se passou um dia de convívio que lembrarei sempre, estreitámos mais os laços que nos unem como irmãos, que foram de armas e hoje são de afectos.

Um abraço
Juvenal Amado

(1) O local será Monte Real e desde já avisamos, que as marcações terão que se fazer com uns dias de antecedência.
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 10 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5441: Agenda cultural (50): Apresentação do livro História de Portugal em Sextilhas, de Manuel Maia, na Tabanca de Matosinhos

Vd. último poste da série de 20 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5302: Os Nossos Seres, Saberes e Lazeres (14): Alcobaça. Doces. Licores. Coisas do Céu e da Tabanca. Paixão. Amizade. Camaradagem. JERO

Guiné 63/74 - P5453: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917. Dez 69/Mai 71) (5): O grande Rio Geba





Guiné > Zona Leste > Sector L1 > 1969 > O sortilégio e a beleza do Rio Geba, entre o Xime e e Bambadinca, o chamado Geba Estreito, numa das fotos aéreas magníficas do Humberto Reis, ex- Fur Mil Op Esp, CCA 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71). nosso querido amigo e camarada Humberto que é também aniversariante este mês. (LG)


Fotos: © Humberto Reis (2005). Direitos reservados




Guiné-Bissau > Zona Leste > Xime > 2001 > Rio Geba. O famoso macaréu. No Rio Amazonas é conhecido por pororoca. Em termos simples, o macaréu é uma onda de arrebentação que, nas proximidades da foz pouco profunda de certos rios e por ocasião da maré cheia, irrompe de súbito em sentido oposto ao do fluxo da água. Seguida de ondas menores, a onda de rebentação sobe rio acima, com forte ruído e devastação das margens. Pode atingir vários metros de altura, mas tende a diminuir a sua força e envergadura à medida que avança (LG)


Foto: © David Guimarães (2005). Direitos reservados





Guiné > Zona Leste > Bafatá > Geba Estreito > O pescador e a sua canoa. Magnífica foto do nosso amigo e camarada Fernando Gouveia, do Porto,  ex-Alf Mil Rec Inf, Bafatá, 1968/70. (LG)


Foto:  © Fernando Gouveia (2009). Direitos reservados.

1. Mensagem do Arsénio Puim ,

Luis Graça

Mando mais um «recordando», desta vez, o Geba, nosso vizinho em Bambadinca.

O nosso blogue está continuamente a enriquecer-se, com trabalhos muito válidos e com alguma variedade, que constituirão importante documento histórico.

Como velho capelão, cuja missão é defender sempre a paz justa, não gosto de algumas pequenas quezílias e ataques que surgem, aqui ou acolá, entre os camaradas da Guiné. Acho que há lugar para todos no blogue, com as suas experiências, ideias e diferenças. É neste presuposto que eu também colaboro.

Saudações à Alice.
Um abraço
Arsénio Puim



2. RECORDANDO... V >  O GRANDE RIO GEBA
opor Arsénio Puim

Considero a Guiné uma terra bonita, pela beleza simples da sua paisagem e as suas singularidades muito próprias, pelo seu complexo faunológico, bastante rico e interessante, nomeadamente no domínio das aves, pela sua flora, com variadas espécies arbóreas, onde sobressaem as palmeiras esguias e esbeltas, disseminadas por toda a selva, emprestando-lhe um tom de exotismo tropical. Mas um dos aspectos mais bonitos, para mim, do território da Guiné são os seus rios, com a sua rede extensa de afluentes e pequenos cursos, principalmente na época das chuvas, que deslizam em admiráveis serpenteados entre a selva luxuriante e as bolanhas que alagam e fertilizam.

São disso um exemplo os dois grandes rios que passam na zona interior: o Corubal e o Geba. O primeiro, que nasce na Guiné Conacri e vai desembocar no Geba, a sul do Xime, é navegável até à região do Xitole. A partir daqui, surgem alguns rápidos: primeiro, em Cusselinta – bonita estância onde um longo braço do rio forma uma piscina natural com condições privilegiadas – e, depois, já de proporcões maiores, na pitoreca zona do Saltinho.

O Geba, que vem lá dos lados do Senegal, demarca o norte e o sul da Guiné, visitando-nos em Bambadinca, e vai-se encontrar com o Atlântico num estuário de grande extensão e largura, que se prolonga num longo Canal, muito para além de Bissau. Largo e comportando a navegação de barcos de significativas dimensões até ao Xime, como as LDG de transporte das tropas, apresenta ainda condições de navegabilidade, para embarcações pequenas, até Bambadinca e Bafatá. E estas não são só as pirogas nativas, longas e esguias – cheguei a ver uma, capturada aos «turras» no Xime, que media mais de 30 metros - engenhosamente feitas num único tronco de árvore e movidas com uma pá ou um remo de esparrela manobrados por um homem, sentado à ré.

Em Bambadinca podíamos observar, com muito agrado, um interessante serviço particular de canoa para transporte das pessoas para a outra banda do rio, onde muitas vezes vivem familiares, há negócios a tratar ou trabalhos a realizar nas bolanhas. Os passageiros, formando autênticas «bichas» vistosas e coloridas, perfeitamente respeitadores das precedências, acondicionam-se em grande número acocorados no fundo da canoa, todos em fila e num equilíbrio perfeito, enquanto o timoneiro, de acordo com cálculos relativos à direcção e sentido da corrente, faz um desvio, paralelo à margem, antes de aproar ao outro lado, para ir atracar no sítio preciso com uma perícia de mestre.

Mas as embarcações que circulavam no Geba Estreito são também barcos a motor, para transporte de pessoas e de carga, que faziam viagens regulares e prestavam um importante serviço entre a capital do território e Bafatá.

Vim, uma vez, num destes barcos da carreira civil desde Bambadinca até Bissau, numa longa e pitoresca viagem que hoje ainda recordo.

Alguns militares usavam, uma vez ou outra, este meio de transporte para se deslocarem à capital. Penso que o grande Machadinho, e meu grande amigo, também ia nesta viagem, mas não tenho a certeza.

No «Bubaque», apinhado de pessoas – muitos africanos e africanas e alguns soldados portugueses –, galinhas, porcos, cabras, (tudo em muita paz), navegámos ao longo do Geba Estreito, ladeado de mato denso e misterioso e cheio de curvas muito apertadas que obrigavam o barco a manobrar bastante próximo das margens. Depois entrámos no Geba largo, cada vez mais espaçoso e aberto aos nossos olhos curiosos, de margens arborizadas e baixas, ponteado com os seus quarteis militares estrategicamente disseminados dum lado e outro do território.

Sete horas depois, agradavelmente vividas em conversação amena e, sobretudo, a olhar, profundamente, a terra da Guiné e desfrutar da sua natureza, o «Bubaque» havia passado a grande ria do Geba e entrava no porto de Bissau, quando eram cinco horas da tarde do dia 8 de Março de 1971.

Fácil se tornou para nós pensar que, não obstante serem alvo de um ou outro ataque esporádico, não seria possível estes pequenos barcos civis, indefesos e para mais trasportando elementos do exército português, circularem regularmente numa tão extensa e recôndita área fluvial se não existisse um acordo secreto entre a empresa e a guerrilha, como aliás era voz corrente.

Mas além deste possível e mais ou menos controlado obstáculo humano, todo o movimento de barcos no Geba é condicionado por um interessante fenómeno natural que dá pelo nome de macaréu.

É, em linguagem simples, uma onda, provocada pelo choque da maré com a corrente fluvial, que avança rio acima, impetuosa e com grande ruído, operando à sua passagem a transição brusca e imediata da baixamar para a preiamar, numa amplitude que pode atingir dois metros ou mais.

Neste interior da Guiné, a mais de 100 quilómetros de Bissau, várias vezes me detive junto do grande Geba para ver passar o macaréu, poderoso e cheio de mistério, admirável e sempre benvindo.

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Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste da série:  25 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5338: Memórias de um alferes capelão (Arsénio Puim, BART 2917, Dez 69/Mai 71) (4): O pacto de Deus... com os 'turras'



(...) Ao capelão militar é atribuída uma função específica, que é prestar assistência religiosa aos militares do Batalhão e testemunhar, na medida do possível, os valores do Evangelho, e ele não é, compreensivelmente, um combatente da guerra, independentemente da justeza ou não desta, posição que eu assumi e demarquei logo de início, renunciando à posse de arma de combate, que me era proposta. Nem, de resto, a preparação elementar ministrada no Curso de Capelães Militares durante um mês e meio, na Academia Militar da Rua Gomes Freire, me habilitava para esse desempenho


Vivi, no entanto, durante um ano, dia a dia, no teatro de acção do Batalhão 2917, deslocando-me assiduamente a todas as Companhias e permanecendo nestas por vários dias e, às vezes, algumas semanas - visitei 6 vezes a Companhia de Mansambo [CART 2714], 5 vezes a do Xime [ CART 2715] e 4 vezes a do Xitole [CART 2716], que ficava a 40 quilómetros - para além das minhas idas a todos os Destacamentos, mais abreviadas mas com permanência em alguns, como o Enxalé (3 vezes), Missirá (1 vez), e a Ponte dos Fulas (1 vez). (...)

Guiné 63/74 – P5452: Estórias do Mário Pinto (Mário Gualter Rodrigues Pinto) (30): Sector de Buba-Aldeia formosa - 1º Semestre 1970 (Mário G R Pinto)


1. O nosso Camarada Mário Gualter Rodrigues Pinto, ex-Fur Mil At Art da CART 2519 - "Os Morcegos de Mampatá" (Buba, Aldeia Formosa e Mampatá - 1969/71), enviou-nos a sua 30ª mensagem, em 11 de Dezembro de 2009:

SECTOR DE BUBA-ALDEIA FORMOSA

1.º Semestre de 1970

Janeiro de 1970

Começo do ano de 1970, as NT, estacionadas no terreno, tem constatado pouca actividade por parte do PAIGC. Por esse motivo empenharam-se em obras de melhoramentos das instalações, suas defesas e infra-estruturas.

Registaram-se algumas flagelações do IN em Aldeia Formosa e Mampatá, simplesmente para marcar presença, sem resultados práticos aparentes.

Na coluna do dia 16JAN1970, Buba-Aldeia Formosa, foram detectadas várias minas anti-carro e anti-pessoal, junto a UANE, tendo sido as mesmas levantadas pelas unidades que prestavam segurança à mesma.

As NT, de acordo com informações recebidas do BCAÇ 2892, no dia 21JAN70, foram emboscar a cerca de 1 km de Iero Saldé, com 2 Grupos de Combate da CART 2519, reforçados com Milícias, a fim de interceptar um grupo do IN.

As NT, foram detectadas pelo PAIGC, quando instalavam um dispositivo de intercepção, por 2 elementos do grupo IN, que vinham de Sare Dibane. Foi aberto fogo tendo os 2 elementos sido abatidos e o seu armamento capturado.

As NT deslocaram-se para Sare Dibane, ao encontro do grupo IN para estabelecer contacto, mas o mesmo debandou para norte de Uane. Na impossibilidade de alcançar o IN, foi pedido
fogo de artilharia para a zona onde eles haviam sido detectados.

Na ZA da CCAÇ 2615 e CART 2521, de Aldeia Formosa, no primeiro mês do ano, as actividades do IN foram quase nulas, apesar dos constantes patrulhamentos sobre as ZA.

A seu cargo os vestígios do PAIGC, não se faziam notar na área, no entanto registaram-se alguns ataques aos "Gilas" (nativos que se dedicavam ao contrabando de bens ao longo das fronteiras).

Existiam informações da presença de um bi-grupo do IN, em Mampatá Bicirgo, vindo de Kandiafara com destino a Kasembel.

Em Buba e Nhala, não se verificavam factos de realce na ZA, apesar da constante actividade das NT. O inimigo não foi referenciado nesta zona.


Fevereiro de 1970

Neste período houve alterações ao plano inicial "Galgos Ligeiros", passando o Sector a norte de Sare Dibane-Unal, a pertencer operacionalmente à CCAÇ 2614 e CART 2521.

A actividade do IN continuava a ser fraca, limitando-se a flagelamentos de curta duração aos aquartelamentos de Buba, Mampatá e Aldeia Formosa.

Foram detectadas minas A/C e A/P, na estrada Buba - Aldeia Formosa que foram levantadas pelas NT.

As NT continuaram a emboscar e a patrulhar todo o trilho de Missirã, a sul de Uane, sem encontrar qualquer movimentação do IN neste período.

Foram também referenciados elementos do PAIGC, junto a Contabane e foi efectuado o levantamento de minas, neste Sector, pelas NT.

Março de 1970

Neste mês notou-se um crescimento operacional do IN, com maior actividade no Sector de Contabane, Bungofé e Sare Amadi.

O inimigo concentrou neste Sector 2 bi-grup
os de combate e um grupo de canhões s/recuo.

Foi inaugurada a nova pista de aviação de Aldeia Formosa, com a sua ampliação e o respectivo alcatroamento.

As forças estacionadas em Aldeia Formosa, nomeadamente a CCAÇ 2615, juntamente com a CART 2521, patrulharam e emboscaram os trilhos do Sector de Contabane, tentando conter as infiltrações inimigas, vindas da fronteira evitando a sua fixação em Kansembel.

No dia 20MAR1970, a CCAÇ 2615 foi reforçada com um grupo de combate da CART 2521, tendo sofrido três emboscadas, junto ao Rio Balana no trilho Bungofé, de que resultaram 2 milícias feridos com gravidadeNo corredor de Missirã, notou-se uma fraca actividade do PAIGC, não se registando vestígios dos mesmos, pelas NT. Este Sector passou a estar mais preenchido a Sul de Uane pela CART 2519 e a Norte pelas CCAÇ 2614 e CART 2521.

Neste período registaram-se flagelações de fraca duração em Mampatá, Buba e Chamarra.

Registou-se neste período e após a época das chuvas, o regresso das populações á actividade agrícola de proximidade.

Abril de 1970

O IN neste período diminui as suas acções de penetração, pelo corredor de Missirã e aumentou a sua presença no Sector de Contabane, reforçando os seus contingentes nesta zona, com a vinda de mais um bi-grupo de Kandiafara, um grupo de morteiros e 2 secções de sapadores.

Os ataques a Aldeia Formosa começaram a ser mais constantes e selectivos, marcando com isso forte implantação do IN na Zona.

Foi nomeado para comandante do Batalhão 2832 e do Sector o Ten. Coronel Manuel Agostinho Ferreira (foto ao lado), o célebre “metro e oito”, que viria a dar uma operacionalidade mais vasta às NT nas suas ZA.

Nhala foi reforçada com um grupo de combate da CART 2521 e, juntamente com a CCAÇ 2614, desenvolveram operações de Norte para Sul, entre o Corubal-Uane, deixando todo o Sul de Uane-Nhacubá a cargo da CART 2519.

À CCAÇ 2615, foi dada a missão de fazer segurança afastada, no Sector entre Contabane e Saltinho.

No dia 20ABR1970, a CCAÇ 2615 sofreu uma tremenda emboscada, junto a Sare Amadi, tendo sofrido 2 mortos.

Em 21ABR1970, foi atacada a Tabanca de Patembaló, sendo a mesma socorrida por forças de Aldeia Formosa.

No dia 26ABR1970, o IN atacou pela primeira vez Aldeia Formosa com foguetões de 122mm, tendo sido auto-transportados em viaturas vindas de Kandiafara.

A CART 2519, detectou um novo trilho do IN, no corredor de Missirá, a Norte de Ierosaldé, junto ao rio Tubaboiel, flectindo em direcção a Uane e Sardonha.

A CART 2519 viria a emboscar uma coluna de abastecimento do IN, neste novo trilho capturando material de guerra diverso e provocando, ao IN, 4 mortos confirmados.

Mais tarde Mampatá viria a ser flagelada à distância com fogo de morteiro e RPG 7.

Em Buba, as NT, conheciam uma acalmia aparente, sem guerra. Nos constantes patrulhamentos da CCAÇ 2616 e dos Fuzileiros, ao longo do rio, não havia sinais do IN.

Maio de 1970

Intensificou-se a acção do IN no Sector, as NT desdobraram-se em manobras de acção conjunta, conforme o delineado pelo comando de Aldeia Formosa.

"A fim de assegurar maior eficiência e permitir maior folga, a contra-penetração passou a ser feita por 1 Grupo de Combate de cada Companhia, no período de 24 horas. As CART 2519 e CCAÇ2614, contavam para o efeito com 1 Grupo de Combate da CART 2521 cada uma delas, que foram postos à sua disposição em Aldeia Formosa. Quando desejassem accionar este GC. deviam fazê-lo por MSG, com 24 horas de antecedência, indicando a hora, local da emboscada, dias e coluna. As Companhias podiam conjugar a protecção descontínua com grupos em contra-penetração, anulando todos os anteriores planos de contra-penetração."

Neste período o IN voltaria a reactivar o corredor de Missirã, deslocando para esta Zona efectivos consideráveis para proteger e manter aberto o itinerário de abastecimento para o Sector de Xitole.

Os contactos com o IN, pelas forças no terreno tornaram-se constantes vindo a verificar-se várias baixas em ambos os lados da contenda.

Foram colocadas minas e armadilhas, por tudo quanto era sítio de passagem do IN de Sare Dibane a Uane, criando-se uma Zona tampão pelas companhias no terreno, com permanecendo as mesmas no local 24 horas/dia.

Apesar de todo o nosso dispositivo no terreno, o inimigo continuava a penetrar para o interior, o que levou o Comando de Aldeia Formosa a idealizar e preparara a operação “Danúbio Azul", já aqui descrita no poste P4817.

O objectivo desta operação era encerrar o corredor de Missirã e para o efeito foi desenvolvida numa vasta área, desde Sambasó-Lenquel-Nhacubá, onde a acção desenvolvida foi classificada como “TOP SECRET” e o Sector foi fechado durante um largo período passando a ZI (zona de intervenção) para o COM-CHEFE.

Neste período de tempo, o IN atacou Aldeia Formosa, chegando a ter efectivos no fundo da pista de aviação e só retirando após a reacção das NT, que para o efeito recorreram ao Pel Rec Fox.

Junho de 1970

Neste mês, a acção do IN não se fez sentir a Sul de Samba Sabali, tendo o mesmo procurado outros itinerários, mais a Norte, o que levava a crer às NT que tentaram arranjar trilhos alternativos para efectuarem as suas penetrações.

Foram referenciados novos trilhos do inimigo junto a Colibuia, contornando a Zona minada pelas NT, aquando da operação “Danúbio Azul”.

O inimigo continuava a atacar Aldeia Formosa com insistência e violência, salientando-se os ataques nos dias 3 e 15 deste mês, em que foram usados morteiros de 120 mm e foguetões de 122 mm, transportados em viaturas oriundas da fronteira da Guiné-Konakry.

Nesta acção o IN acionou 2 minas A/C colocadas pelas NT em Sare Amadi, o que originou a destruição de uma das suas viaturas.

No dia 12JUN1970, na nossa coluna realizada entre Buba-Aldeia Formosa, foi accionada uma mina a seguir a Sare Usso, ferindo com gravidade dois elementos da CCAÇ 2615.

Em 30JUN1970, uma numerosa coluna do IN que se deslocava em Uane, foi detectada e atacada pelas CART 2521 e CCAÇ 2614, resultando a apreensão de considerável quantidade de material de guerra ao PAIGC e causando-lhe 5 mortos confirmados no terreno.

2. Secção - 1.º G. Combate

O inimigo nesta acção fugiu para Sul perseguido pelas nossas forças, vindo a cair numa emboscada que a CART 2519 tinha montada no terreno, mais a Sul de Uane, abandonando todo o seu equipamento que tinham conseguido levar e sofreram mais 4 mortos confirmados.

Registou-se neste período um ataque a Mampatá de fraca intensidade e outro a Buba.

Um abraço,
Mário Pinto
Fur Mil At Art

Fotos: © Mário Pinto (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P5451: Parabéns a você (51): Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872 (Editores)

1. O nosso camarada Luís Dias*, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491/BCAÇ 3872, Dulombi e Galomaro, 1971/74, completa hoje, dia 12 de Dezembro de 2009, mais um ano de uma vida que ainda tem muito caminho pela frente. Vamos acompanhá-lo nesta jornada, marcando desde já encontro para o próximo ano neste mesmo lugar para o felicitarmos de novo.

Para já, em 2009, vimos desejar-lhe tudo de bom na sua vida, a começar por amor, dinheiro e saúde (pela ordem que mais lhe convier) junto dos seus familiares e amigos, entre os quais nos queremos incluir.



2. Luís Dias está connosco desde Maio de 2008, quando se nos dirigiu assim:

Caro Luís Graça & Camaradas da Guiné:

Dou-lhe os meu parabéns pelo vosso excelente blogue e pela oportunidade que dão aos ex-combatentes da Guiné de poderem confraternizar, trocar ideias e informações sobre momentos tão importantes da sua vida e que passados tantos anos ainda hoje os revivemos com uma certa paixão.

Gostaria de lhe pedir que dessem publicidade ao Blogue da CCAÇ 3491, que esteve no Dulombi e Galomaro, entre Dezembro de 1971 e 9 de Março de 1974 e que é o seguinte: HISTÓRIAS DA GUINÉ 71-74 - A C.CAC 3491-DULOMBI.

Caso o entendam, podem publicar uma das histórias ali contadas e que reproduzo abaixo.

Com os melhores cumprimentos
Luís Dias
Ex-Alf Mil Inf



3. Daí para cá enviou vários trabalhos para publicação na nossa página, o último dos quais já este mês de Dezembro.

Fotografias, só temos a que reproduzimos

O heróico chefe do Pel Mil de Campata - Semba Embaló (aqui com o Alf Mil L. Dias da CCAÇ 3491), que soube organizar as suas forças de forma a repelir com grande sucesso o ataque de um grupo IN fortemente armado. Campata 1973.

Foto e legenda: © Luís Dias (2009). Direitos reservados

__________

Notas de CV:

(*) Da colaboração de Luís Dias no Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné encontramos estes postes:

30 de Maio de 2008> Guiné 63/74 - P2901: O Nosso Livro de Visitas (15): Luís Dias, ex-Alf Mil da CCAÇ 3491 (Dulombi e Galomaro, 1971/74)

16 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2952: In memoriam (4): O meu amigo Alferes Farinha dos Santos (Luís Dias)

19 de Junho de 2008> Guiné 63/74 - P2967: O caso do embaixador português em Bissau (1): Protestos (Luís Dias)

5 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3022: Tabanca Grande (78): Luís Dias, ex-All Mil da CCAÇ 3491, Dulombi e Galomaro (1971/74)

8 de Julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3037: Os nossos regressos (8): E vieram todos (Luís Dias)

18 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3650: O meu Natal no Mato (16): Os meus Natais na Guiné (Luís Dias)

20 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3763: Cancioneiro de Dulombi / Galomaro (1): Adeus, Guiné / É o fim do castigo, / Terminou a comissão... (Luís Dias)

21 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3772: Cancioneiro de Dulombi / Galomaro (2): Tecnil, Tecnil / Eu passei lá muitas noites / Certamente mais de mil (Luís Dias)

23 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3780: Fauna & flora (16): Avistamento de macaco-cão na zona de Dulombi/Galomaro (Luís Dias)

3 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3969: Sr. Jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (11): Jorge Picado, Manuel Reis, Luís Dias

11 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4012: Efemérides (18): Faz hoje 37 anos que tivémos o primeiro contacto com o IN (Luís Dias, CCAÇ 3491, Dulombi, 1971/74)

22 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4068: Recordando a tragédia do Quirafo, ocorrida no dia 17 de Abril de 1972 (Luís Dias)

20 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4219: Convívios (113): Pessoal da CCAÇ 3491, no dia 16 de Maio, em São Martinho de Antas, Sabrosa, Vila Real (Luís Dias)

25 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4249: Blogpoesia (41): "Para quê, Soldado?" (Luís Dias)

14 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4346: Os bu...rakos em que vivemos (10): Também havia um em Nova Lamego (Luís Dias)

21 de Maio de 2009 > Guiné 63/74 - P4390: Convívios (132): CCAÇ 3491 (Dulombi e Galomaro, 1971/74), Conviveu em Vila Real, no dia 16 de Maio p.p. (Luís Dias)

5 de Junho de 2009 > Guiné 63/74 - P4466: O Grupo Especial do Marcelino da Mata em Galomaro (Luís Dias)

1 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4616: Ainda sobre a ataque a Campata (Luís Dias)

4 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5405: Estórias avulsas (62): O Cavalo de Ferro de visita ao Dulombi (Luís Dias)

Vd. último poste da série de 9 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5430: Parabéns a você (50): Amílcar Ventura, ex-Fur Mil da 1.ª CCAV do BCAV 8323, Bajocunda, 1973/74 (Editores)

Guiné 63/74 - P5450: Dossiê Guileje / Gadamael (18): Estive 18 horas em escuta nesse dia fatídico para o Sr.Tenente Pessoa e a FAP, em 25 e 26 de Março de 1973 (Victor Affaiate)

1. Comentário do Victor Alfaiate, com data de 11 de Dezembro, ao poste P5444 (*):

Desculpa Luís, mas como disse ontem, e só tenho uma palavra, a minha participação no Blogue terminou. Como disse, saio antes de ter entrado. Não quero polémicas, quero manter-me sossegado.



Bom Natal e novo ano de 2010 próspero para todos.
Um abraço,
Victor Alfaiate

PS - Já agora e a talhe de foice, e para acabar de vez com qualquer ideia que ainda subsista de que algo me move contra os elementos da Força Aérea, agradeço-te que, se possível publiques o útimo mail que te enviei em 20 de Novembro.

2. Mensagem, de 20 de Novembro de 2009, do Victor Alfaiate (ex- Fur Mil, CCAV 8350, Guileje, 1972//3):

Olá,  Luís

Cheguei ontem de Portugal, onde por motivos profissionais tive que me deslocar, e ao analisar o meu correio electrónico, deparei-me com o teu mail de 9 de Novembro (*)  e sinceramente fico um pouco estupefacto pela tempestade que se parece ter criado sobre uma simples opinião pessoal sobre a actuação da Força Aérea no apoio a Guileje, isto porque ou eu não sei ler ou vocês vêem lá coisas que eu não escrevi.

Como já referi por mais de uma vez nunca foi minha intenção ofender (???) o Sr. Tenente Pessoa ou O Sr. Tenente Martins de Matos ou quem quer que seja. Aliás, não personalizei qualquer crítica à actuação dos referidos Srs. Oficiais, limitando-me a comentar a actuação da Força Aérea de uma forma global, e não a dos seus elementos em particular.

Não procuro culpados, nem faço peditórios, poderei ser um pouco bruto na maneira de me expressar, mas sou Ribatejano e no Ribatejo um toiro é um toiro e pega-se pelos cornos, não se pega um animal com chavelhos ou chifres, não sou de dourar a pílula para ser tomada mais facilmente, se tem que se tomar toma-se independentemente da côr que tiver, e o Blogue não pode, no meu entender, ser uma espécie de cultura indiana onde existam vacas sagradas que tem que permanecer intocáveis.

Conheci o Sr. Tenente Pessoa numa situação muito adversa para ele, fui talvez a última pessoa a falar com ele antes do seu avião ter sido abatido. Depois disso e enquanto não foi recuperado [vd. foto, à esquerda], não mais abandonei o Posto de Rádio, mantendo-me em escuta permanente com mais dois operadores de rádio durante cerca de 18 horas. Estava ao lado da maca em que se encontrava quando no heliporto de Guileje disse ao seu Comandante Sr. Tenente Coronel Brito que o avião não respondia as manobras e ele decidira ejectar-se. (Tenho fotografias desse dia em Guileje).

Reafirmo mais uma vez que nada me move contra qualquer elemento da Força Aérea, limitando-me a constatar que alguém, quem não sei, não tomou as medidas que se impunham no apoio a Guileje e à sua guarnição, isso é indesmentivel.

Porque:

- É ou não verdade que o Sr. General Spínola nos havia prometido apoio aéreo e evacuações?

- É ou não verdade que os aviões não levantaram de Bissau quando foi pedido apoio aéreo no decorrer da emboscada de 18 de Maio?

- É ou não verdade que o Cabo Rabaço faleceu na enfermaria de Guileje 4 horas depois de ter sido pedida a necessária evacuação que não foi efectuada?

- É ou não verdade que na tarde de 21 de Maio dois Srs. Pilotos que se deslocaram a Guileje, quando viram o estado em que tudo se encontrava comentaram um para o outro " É pá isto afinal era a sério" ?

- É ou não verdade que nessa mesma tarde, como não tinhamos transmissões nos foi prometida a realização de vôos de reconhecimento que posteriormente não foram efectuados.

- É ou não verdade que com a Força Aérea a sobrevoar Guileje, o PAIGC continuava a flagelar-nos ao mesmo tempo?

São factos indesmentíveis, que me levaram a fazer os comentários que fiz, e que mantenho, sobre a actuação da Força Aérea no seu global, não personalizando nem particularizando de modo nenhum a acção dos seus elementos. Se se sentem ofendidos nada mais me resta fazer que apresentar-lhes as minhas dersculpas, mas é a minha opinião e dela não abdico.

É evidente que estou convicto de que se alguém, quem não sei, tivesse ordenado ao Sr. Tenente Pessoa e à Srª. Enfª. Para-quedista Giselda que se metessem num Helicóptero e ao Sr. Tenente Martins de Matos que pegasse no Heli-Canhão para lhes fazer protecção e fossem a Guileje efectuar as evacuações, eles certamente teriam ido. O problema é que ninguém deu essa ordem, antes pelo contrário tê-la-ão proibido, e o Cabo Rabaço faleceu sem assistência.

Não posso, agora sim personalizando, deixar de perguntar:
- O que pensaria o Sr. Tenente Pessoa, se quando o seu avião foi abatido, nada tivesse sido feito para o proteger e recuperar? Se o deixassem abandonado à sua sorte? Possivelmente pensaria o mesmo que eu penso, mas do lado contrário.

Posto isto e para acabar em difinitivo com a discórdia, esquece os mails que trocámos, não publiques nada. Por mim o assunto está encerrado, não penso de modo nenhum participar em mais discussões, aliás tenho-me mantido calado todos estes anos e era como deveria ter continuado, lendo o que outros vão escrevendo, concordando ou não, sorrindo por vezes, emocionando-me por outras, mas é assim a vida, só é pena não se poder passar uma esponja sobre o que se passou naquela altura, mas tal é impossível.

Por último não posso deixar de te fazer um reparo, lamento que quando publicaste o mail do Sr. Tenente Martins de Matos, esse sim ofensivo para quem sofreu Guileje e mais propriamente o seu Comandante Sr. Major Coutinho e Lima, não tenhas tido o cuidado de previamente teres dado conhecimento do seu teor, aos que já faziam parte da Tabanca, os meus camaradas (Sr. Major Coutinho e Lima; Sr. Alferes Reis; Sr. Alferes Seabra e o meu amigo - TRRRAN -  Zé Carvalho)

Um abraço

Victor Alfaiate

[ Revisão / fixação de texto / bold / título: L.G.]

3. Comentário de L.G.:

Meu caro Victor: 

Foi ingenuidade minha pensar que os meus camaradas da Guiné  já tinham chegado à idade da Sabedoria,  da Paz e da Tolerância, sendo capazes de se sentar à volta do poilão da Tabanca Grande, tabaquear o caso (da guerra), tomar um trago de cachaça (ou um simples uísque com uma pedrinha de gelo e água de Perrier), contar as suas histórias, piscar o olho às travessuras do destino, abrir-se aos outros (que nunca ouviram falar da guerra) num sorriso amarelo mas ternurento, dar um abraço ao inimigo de ontem,  minimizar as diferenças (sociais, económicas, políticas, ideológicas, etc.) que hoje ainda os podem separar, gozar estes belos dias de outono que temos pela frente, escrever as nossas memórias, partilhá-las com os demais camaradas, amigos  e familiares, etc.

Mas, não, a guerra ainda acabou, para eles, para mim, para nós, sobretudo dentro das nossas almas inquietas. De facto, ainda não fizemos o luto das nossas  perdas nem a contabilidade do nosso deve-e-haver... Se calhar, nenhum de nós ainda conseguir fazer as pazes consigo próprio...

Tenho pena, e fico triste,  meu caro Victor, para mais num dia em que foi a enterrar ma minha terra um amigo meu,  por quem tinha muita ternura, o Luís Venâncio Rei, médico, natural do Seixal, Lourinhã, e eu nem sequer pude estar com ele, na hora do adeus derradeiro, nessa hora em que o coveiro (por sinal, a coveira!) te lança um pazada de terra por cima do teu caixão, como quem te diz: Memento homo quia pulvis es et in pulverem reverteris (Lembra-te, ó homem, que és pó e que em pó te hás-de tornar)...

A última palavra que ele me disse, há dias, no Hospital Pulido Valente, quando o fui visitar e vim de lá com a morte na alma, devastado, acabrunhado com a força brutal da doença e do sofrimento de um amigo, foi:
- Luisinho - tratava-me sempre por Luisinho, com ternura, sem qualquer laivo de paternalismo -  só tenho pena de já poder levar a minha filha, de braço dado,  até ao altar! (A belíssima e amorosa Zé, a filha dele e da minha amiga Benedita, tinha casamento marcado para esse fim-de-semana!)... 

O Luís Rei, mais velho do que eu uns cinco ou seis anos, não sei se fez tropa, acho que não. E se fez,  não foi parar ao Utramar, contrariamente aos cerca de 40 seixalenses da sua/nossa geração...  Contudo, a sua morte, embora anunciada,  foi para mim  como um murro no estômago, foi como se tivesse perdido um amigo e camarada da Guiné, há 40 anos atrás, quando eu tinha os meus verdes vinte anos!

Victor, desculpa-me esta fraqueza emocional, mas hoje é um mau dia para te dizer quanto lamento a tua decisão  de "sair mesmo ainda de entrar na nossa Tabanca Grande"... Noutras circunstâncias, faria tudo para te demover dessa intenção e lutaria pela tua permanências... Preferes a morte social, o exílio, a separação... Não contesto o teu direito... Deixa-me, ao menos, desejar que o teu auto-sacrifício não seja em vão... Vou dormir, estou exausto... Até sempre,  amigo Luís Rei, até sempre camarada Victor Alfaiate... Luís Graça

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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 11 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5444: Dossiê Guileje / Gadamael (17): Depois do que ouvimos da boca do Sr. Cor Pára Durão, tudo o que vier a ser dito, soa a elogio (Victor Alfaiate)

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5449: Votos de Feliz Natal 2009 e Bom Novo Ano 2010 (3): De Alcobaça, o Jero enviou-nos um Postal de Natal (José Eduardo R. Oliveira)



1. O nosso Camarada José Eduardo Reis de Oliveira (JERO), foi Fur Mil da CCAÇ 675 (Binta, 1964/66), enviou-nos um divertido e provocador postal de Natal, com data de 11 de Dezembro de 2009:


Camaradas,

Correspondendo ao desafio lançado hoje, no nosso blogue, em relação a cartões de "Boas Festas" remeto-vos um postal, escrito pelo raio de uma velha.

Não sei como é que é que a velhadas se lembrou de uma coisa destas, eu não tenho nada a ver com a coisa, palavra de... bom malandro:


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Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:


Guiné 63/74 - P5448: Viva o Porto - Futebol Clube, breve estória de Torcato Mendonça

1. Mensagem de Torcato Mendonça* (ex-Alf Mil da CART 2339, Mansambo, 1968/69), com data de hoje, 11 de Dezembro de 2009:

Camarada Vinhal

Li e brincando comentei o "escrito" do Alberto Branquinho**. Mas fiquei a matutar. Depois voltei a sair, regresso, jantar e blogue. Li o comentário do Vasco da Gama e o teu. Os pensamentos breves e o matutar desta tarde, trouxeram-me agora ao presente um velho escrito. Onde andará o amontoado de letras... busca e zás. É sobre um antigo militar do meu grupo.

Faz dele o que entenderes camarada... faz dele o que entenderes... mas a nossa geração... fica para depois.

Gostei de ver a alegria da Tabanca de Matosinhos e da festa do Manuel Maia. Força!

Um abraço para ti e para todos os que directa ou indirectamente sofreram naquela guerra estúpida. De ambos lados, logicamente

Abração;
Torcato


VIVA O PORTO – FUTEBOL CLUBE!

Sentado confortavelmente no palanque da sentinela, o olhar a vaguear pela mata ali perto ou, quem sabe, a ir para o local muito longe dali onde estava a acção, por ele ora relatada: o confronto entre o seu Futebol Clube do Porto e algum dos seus mais directos adversários.

Parece-me valer a pena contar esta breve “estória”, como um conto de menino.
Talvez o efeito terrível do isolamento, da brutalidade da guerra. De tudo.

Assim:

Era uma vez um soldado que foi mobilizado para a Guiné. Antes foi à inspecção e deram-no como apto para todo o serviço militar. A Pátria precisava de todos os jovens. Tinha três frentes onde se combatia e outros lugares, por esse mundo fora, onde era necessário a tropa estar. Assim se mantinha una a Pátria do Minho a Timor.

Passado tempo, pouco, foi chamado, entrou num quartel e fez a recruta. Mais tarde foi mobilizado e tirou a especialidade de atirador de artilharia. Foi nesta altura que nos conhecemos. Confesso que não notei qualquer quebra no militar, física ou psicológica. Estava eu preparado para tal avaliação? Claro que não. Na parte física talvez e a mais não era obrigado. Lembro-me das dificuldades de um militar, a tirar também a especialidade, em fazer certos exercícios. Má coordenação motora ou, mais simplesmente, não brincara em criança. Tirou a especialidade e na Guiné foi excelente combatente.

Este, que agora invoco passou desapercebido. Fez a especialidade e foi para a Guiné também. Mas não devia ter ido.

Na primeira operação, com contacto com o IN, o comportamento não foi o melhor. Teve uma primeira conversa com o Furriel e, posteriormente na conversa entre os três concluímos estar, por agora, tudo bem. O medo vai e vem… talvez fosse isso. Só que não era bem isso. Noutras acções ele foi-se indo abaixo psicologicamente. Ainda falei ao médico do Batalhão sobre o estado de saúde daquele militar. Creio mesmo que ele lá foi. Tudo ficou na mesma. Foi regredindo, digamos mesmo que, cada vez mais, estávamos em presença de uma criança. Haviam militares em quebra o que, nas condições em que vivíamos era natural. Ele era diferente e teríamos que ser nós a resolver o problema. Antes deviam ter constatado o estado psicológico do homem. Nunca tal foi feito. Depois devia ter sido devidamente tratado. Não foi assim. Só se algo de grave acontecesse. Mas a bestialidade de certa gente, dita responsável, a mais não chegava.

Passou assim aquele militar à condição de não operacional. Fazia sentinelas diurnas, outros serviços de apoio ao grupo, nas nossas ausências mantinha os abrigos funcionais, os nossos pertences acautelados e era tratado com respeito e amizade por todos. Não tenho a certeza, creio que aprendeu a ler e escrever, tirando a 3.ª ou 4.ª classe.

O que mais gostava, era saltar para o palanque da sentinela e fazer relatos de futebol. Tudo bem. Aí estava ele a relatar as vitórias do seu Porto. Os nomes dos jogadores das várias equipas, estavam correctos. Passava de um campo a outro, voltava rapidamente para relatar mais um golo do Porto. Grandes vitórias. No intervalo havia cantoria. Assim se foi passando a comissão de um homem/criança de excelente trato. Havia camaradas que o conheciam na vida civil. Era mais fácil assim para ele e para nós. Eu entregava-lhe as minhas “coisas”. Ele tomava-as religiosamente a seu cuidado. De quando em vez, vinha junto a mim falar de vários assuntos, por vezes pedia para lhe pagar uma Fanta, outras na brincadeira, puxava-me as barbas. Barbichas… paga uma Fanta…paga?

Passou à disponibilidade e certamente foi esquecido, como tantos, por quem o mandou um dia defender uma terra que não era dele.

Penitencio-me, por nunca ter procurado saber dele e de outros… um dia… um dia!
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Notas de CV:

(*) Vd. poste de 9 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5435: Os nossos regressos (19): Dia 4 de Dezembro de 1969, já lá vão 40 anos (Torcato Mendonça)

(**) Vd. poste de hoje > Guiné 63/74 - P5445: Contraponto (Alberto Branquinho) (3): Fugas... na hora da morte