sábado, 7 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3995: Memórias de Copá (2): Os bravos de Copá e um caso de... 'abuso de confiança' (António Graça de Abreu / António Rodrigues)


Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > Ambulância, de origem russa, capturada ao PAIGC em Copá, Fevereiro de 1974. Foto de Joaquim Vicente Silva, soldado do BCav 8323, residente actualmente no concelho de Mafra.

Foto: Cortesia do nosso camarada António Graça de Abreu (2009)


1. Texto enviado pelo nosso amigo e camarada António Graça de Abreu, com data de 19 de Fevereiro último:

Para entendermos Copá, Fevereiro de 1974

por António Graça de Abreu

1. Em 22 de Fevereiro de 1974, em Cufar, eu escrevia no meu Diário:

Regressei (de Bissau) no Nordatlas, na viagem certinha até cá abaixo. Tudo calmo em Cufar. No nordeste da Guiné, em Copá, junto à fronteira, é que tudo vai mal. Mal para as NT, bem para o IN. Ouvi falar num ataque com cem foguetões, valha-lhes Deus! Começa a ser insustentável aguentar Copá.

Em Portugal as coisas também aquecem, com manifestações contra a carestia de vida organizadas pelos maoístas do MRPP. Houve pancadaria da grossa, três polícias feridos, um deles levou uma pedrada na cabeça. O povo não anda bom.

Em Bissau rebentou uma bomba no quartel-general. E que dizer do novo livro de António de Spínola Portugal e o Futuro? O antigo Caco Baldé, meu ex-comandante-em-chefe, propõe soluções federalistas para a resolução dos conflitos do Ultramar. O livro vai ter sucesso entre os liberais, o grupo do Balsemão e do Expresso, e também entre alguma da Oposição. Abençoadamente, agitará os espíritos de muitos portugueses.

O Marcello Caetano começa a ficar exasperado. No essencial, o mestre de Direito limitou-se a dar continuidade à política de Salazar e não sabe, ou esqueceu-se, como diz o Bob Dylan que “the times, they are a’changin” [os tempos estão a mudar]. O general Spínola aponta caminhos enviesados, é verdade, mas indica possíveis saídas para o pântano fétido em que vivemos.

Que futuro para Portugal?


Foi este o meu balanço do dia.


2. Que acontecera em Copá?

Reconheço que durante trinta e tal anos não soube ao pormenor com que linhas se coseram e descoseram as NT em Copá. Foi preciso o blogue do Luís Graça para regressar a muitas das interrogações que a guerra da Guiné me colocava (coloca ainda!) e para procurar encontrar respostas. Sempre no campo militar, porque quanto à natureza política da guerra, estamos entendidos. Sabia há trinta e cinco anos, como sei hoje que aquela guerra, injusta como quase todas, em termos puramente políticos estava perdida.

Tenho uma casinha humilde em S. Miguel de Alcainça, a meio caminho entre a Malveira e Mafra. Há quase um ano atrás, descobri que o homem do único talho existente na aldeia tinha na montra (o talho de Alcainça tem uma montra!) dois pratos de faiança pintada comemorativos de encontros do seu BCav 8323, que esteve na Guiné em 1973/74 (Paunca, Pirada, Bajucunda, Buruntuma, Copá).
- Então como é, meu caro amigo e camarada, conte-me estórias dessa fase final da guerra na Guiné. Eu também por lá andei e escrevi um livrinho sobre esse período que talvez tenha curiosidade em ler.

Acabei por trocar o meu Diário da Guiné por um quilo de bifes do lombo e um quilo de costoletinhas de borrego, tudo tenrinho e delicioso.

Selámos uma amizade.

E o soldado Joaquim Vicente Silva, meu camarada, dono do talho de Alcainça, fez-me chegar (fotocopiei tudo!) o testemunho escrito em 1984, dez anos após o regresso da Guiné, por um dos homens de Copá, o soldado condutor auto-rodas António Rodrigues. O texto chama-se Memórias de um Soldado e li as fotocópias de um fôlego.

Como tinha algumas dúvidas sobre pormenores da descrição do António Rodrigues, pedi ao Joaquim Vicente do talho de Alcainça o contacto do Rodrigues. Telefonei para o Porto, falei com o António Rodrigues e fiquei a saber que as Memórias de um Soldado do António Rodrigues haviam sido publicadas em livro “escritas” por um tal Benigno Fernando, sob o título O Princípio do Fim.

Com a justificação de corrigir um ou outro erro de português e melhorar o estilo, o Benigno Fernando, nascido em 1960 e que nunca foi à Guiné, apropriou-se da prosa excelente, sentida, do António Rodrigues e, quase sem mudar uma palavra do texto, transformou-a num livro em que passa por ser o autor, com o semi-bombástico título de O Princípio do Fim.

Para mostrar a sua “honestidade”, o Benigno Fernando, no fim da “sua obra”, pag. 75, numa linha do posfácio despercebida entre muitas outras, escreveu: "Esta história só foi possível ser escrita com a colaboração do António Rodrigues, ex-combatente da guerra colonial na Guiné”.


3. O António Rodrigues entendeu a sacanice que lhe fora feita e não gostou.

Leiam como o António Rodrigues descreve o seu regresso a casa, pós a Guiné, e o encontro com os pais e os irmãos:

“Eu aluguei um táxi (em Braga) para me levar a Gondizalves que fica a 3 km da estação. O meu pai e o amigo seguiam de motorizada, eu meti-me no táxi com a minha bagagem e lá fui em direcção a casa. Quando lá cheguei, não calculam qual foi a alegria da minha Mãe quando me viu entrar de novo a porta da casa. Ela veio ao meu encontro, abraçou-me e beijou-me com todas as suas forças e sentiu-se com certeza muito feliz, tal como o meu Pai e meus irmãos.”
António Rodrigues, Memórias de um Soldado, texto policopiado, pag 61.

Agora leiam a descrição do sucedido, pelo tal Benigno Fernando:

“ O Rodrigues também alugou um táxi para o levar a Gondizalves que ficava a 3km de distância da estação. O pai e o amigo seguiram de motorizada e lá foram em direcção a casa. Quando lá chegaram foi uma alegria para a mãe ao vê-lo entrar pela porta. Foram ao encontro um do outro, abraçando-se e beijando-se com todas as suas forças. Sentiram-se muito felizes bem como o pai e os irmãos.”
Benigno Fernando, O Princípio do Fim, Porto, Campo das Letras, 2001, pag. 72.

Creio que estamos entendidos quanto ao trabalho do “escritor” Benigno Fernando. Copiou todas palavras, mudando apenas o tempo verbal. Rodrigues escrevera na primeira pessoa, Fernando assume-se como narrador externo e reescreve tudo na terceira pessoa.

Sentido, amachucado, ludibriado, o António Rodrigues enviou-me o livro “escrito” pelo Benigno, um aldrabão intelectual, com a seguinte dedicatória:

Ao meu especial amigo António Graça de Abreu:

Este é um testemunho da minha participação na guerra colonial na Guiné, incorporado no Batalhão de Cavalaria 8323, formado em Estremoz, a que tive a honra de pertencer e cuja divisa era “Cavalaria p’rá Frente”.

O propósito desta narrativa é dar a conhecer às gerações vindouras que a possam vir a ler, que esta guerra existiu e teve episódios muito duros e violentos, nalguns dos quais eu participei no terreno, e que a minha geração e as que me antecederam tivemos de enfrentar com muito sofrimento, mas também com coragem, honra e dignidade.

Com um abraço amigo, ao dispor.

António Rodrigues, ex-combatente
Porto, 3 de Julho de 2008
 

4. O livro da “autoria” do Benigno Fernando

O livro teve recentemente breves abordagens no blogue, feitas pelo José Martins e pelo Hélder de Sousa, e foi já objecto de uma recensão literária da responsabilidade do Mário Beja Santos, poste 1409, a 8 de Janeiro de 2007. Aí lemos, nas palavras do Mário, o outro autor de um Diário da Guiné, (o dele mais completo do que o meu, porque tem dois volumes):

(…) Benigno Fernando dá-nos aqui o melhor relato com os ataques de fim do ano e os primeiros meses do cerco implacável do PAIGC. Copá é sistematicamente flagelada até os soldados enlouquecerem e fugirem para Pirada e Canquelifá. Em Março um avião português é abatido, as estradas minadas, as pontes destruídas.

(…) Quem amanhã fizer a história detalhada do desmoronamento do Leste precisará deste relato do Benigno Fernando.



5. Não quero entrar mais em polémicas com o Mário Beja Santos, nem com ninguém.

Interessa-me o que realmente aconteceu em Copá. Mas o Mário fala de um “cerco implacável” a Copá, (onde é que eu já ouvi falar em mais cercos que nunca existiram?...) dos soldados que “enlouqueceram”, do “desmoronamento do Leste”, etc.

Não nos entendemos. É sempre a tese falsa da superioridade militar do PAIGC na fase final da guerra da Guiné.

Vamos então ao relato verdadeiro, vivido e sentido pelo António Rodrigues.

Copá era um pequeno destacamento, menos de quarenta homens, no extremo nordeste da Guiné, junto à fronteira. Os aquartelamentos mais próximos eram Canquelifá, a 12 quilómetros, e Buruntuma, a 22 quilómetros de distância.

As estradas de terra batida entre Copá e os dois aquartelamentos costumavam ser feitas sem grandes precauções, embora todos soubessem que os guerrilheiros podiam aparecer a qualquer altura, nestes problemáticos destacamentos ou aquartelamentos junto à fronteira. Todos tinham consciência das minas nas picadas e das emboscadas, do muito sangue que já correra, mesmo em zonas relativamente calmas.

O soldado condutor António Rodrigues tinha um Unimog distribuído e conta, em finais de 1973:

“Outro serviço que também fiz muito com a viatura em Copá foi transportar o milho ou mancarra ou amendoim da população de Copá que vivia precisamente dentro do mesmo arame farpado que a tropa.

"Esse milho e mancarra ia eu com os respectivos donos africanos buscá-lo aos seus campos e trazíamos para junto das suas tabancas que eram casas feitas de barro, canas e palha, e posso dizer que aquelas populações eram na sua maioria pessoas de bem. Queriam sempre agradecer-me o serviço que lhes prestava com qualquer coisa, por vezes apesar das suas poucas posses ofereciam-me um frango ou uma galinha.

"Este serviço fazia parte da psícola do Exército Português em África e inserido nessa mesma psícola íamos também de vez em quando a outras populações vizinhas, nomeadamente a Orimonde e Oribode levar principalmente medicamentos. Estas povoações ficavam situadas entre Copá e Canquelifá"
(...).
António Rodrigues, Memórias de um soldado, pag. 19.



6. Em Janeiro de 1974, o PAIGC concentrou esforços sobre Copá.

Situada apenas a quatro quilómetros do Senegal, é de estranhar que em onze anos de guerra o destacamento (em que ano foi criado?), com apenas 30 a 40 homens de guarnição, tenha sido relativamente pouco incomodado. Em Janeiro e Fevereiro as coisas iam mudar e toda aquela terra ia ser sujeita a tremendas flagelações.

Vamos ler o testemunho do soldado António Rodrigues:

"Nessa noite de 7 de Janeiro de 1974 (…) teve início mais uma hora e cinco minutos horrorosos, infernais e terríveis de enfrentar. Aí o inimigo estava 10 metros à nossa frente e trazia uma táctica que estava muito bem montada, tinha junto ao arame farpado três secções separadas alguns metros, o que lhe permitia fazer fogo de armas ligeiras, ininterruptamente durante 1 hora e 5 minutos, porque o fazia por secções e quando uma estivesse sem munições, a outra já estava preparada para disparar, e assim sucessivamente.

"Mas, para além destas secções de homens armados de metralhadoras, tinham um auto-blindado junto a uma das secções a apoiá-la com os disparos do seu canhão e na retaguarda destas secções tinham toda a artilharia com que nos tinham atacado durante a tarde. Esta encontrava-se a 1 km também apoiada por outro auto-blindado.

idem, pag. 28.

Agora o meu comentário.

Com um tal poder fogo, com tal superioridade de meios (foguetões 122, morteiros 120, dois blindados, talvez até a ajuda de tropas regulares do exército do Senegal ou da Guiné-Conacri) poderíamos imaginar que os guerrilheiros do PAIGC arrasaram Copá e massacraram os trinta e tal militares portugueses que resistiram até ao sacrifício das suas vidas.

Nada disto aconteceu.

Continuemos com a sequência da descrição do soldado António Rodrigues:

"Mas agora a coisa mudava de figura, ainda estávamos todos vivos e de saúde, e por isso, como estávamos frente ao inimigo, tínhamos armas para lhes dar resposta adequada, embora tivéssemos poucas munições.

"Uma das primeiras coisas que fizemos, a mando de um furriel, foi lançar uma granada de bazuca de tipo iluminante que, na realidade, por uns momentos iluminava tudo por onde passava, o que nos permitiu ver claramente a posição do inimigo o que nos ajudou a cumprir a nossa missão com a maior objectividade possível.

"Começámos então a disparar na direcção adequada dilagramas, granadas de bazuca, de morteiro 81 e 60, além de todas as metralhadoras e G3. A luta era quase corpo a corpo e muito renhida. A secção que estava do lado norte apoiada pelo blindado estava já a abrir uma entrada para penetrar no nosso aquartelamento. É aqui que o meu camarada Antunes (sold Manuel Vicente Antunes) se enche de coragem, pega em meia dúzia de granadas de morteiro 60, salta para fora da vala, debaixo de fogo, e atira-as todas sobre o blindado que tentava entrar, o que o terá feito recuar, mas a confusão era enorme e não sabíamos bem o que se passava com o restante do nosso pessoal.

"A dado momento aproximou-se do nosso posto o Demba, um soldado africano do nosso exército, que nos disse que o alferes Brás (alf mil Manuel Joaquim Brás, que comandava o destacamento de Copá) já estava preso e nós ficámos ainda mais baralhados e confusos. Dissemos até uns para os outros: 'Se calhar esta noite vamos ser feitos prisioneiros pelo PAIGC'.

"Mas felizmente o alferes Brás não estava preso e ninguém, com a ajuda de Deus, estava ferido, aguentámos aquela hora infernal de tiros e granadas sobre as nossas cabeças e continuámos a defendermo-nos principalmente através de dilagramas e morteiro 81. Este último teve papel importante nessa noite, cujo artilheiro o tirou do tripé para o poder manobrar da melhor maneira e foi esse morteiro 81 que veio a causar os maiores problemas ao inimigo que ao fim de 1 hora e 5 minutos teve de retirar possivelmente com alguns mortos, (no dia seguinte os homens de Copá confirmariam dois mortos IN, fora do arame farpado do destacamento.) Em Copá ficavam enormes incêndios com tudo a arder em grandes chamas e nós, os militares e população tínhamos vivido horas amargas e terríveis.

"(…) O PAIGC não conseguiu os objectivos a que se tinha proposto".

idem, pag. 29.


7. Dois dias depois destes formidáveis combates – era mesmo guerra, meus amigos! -, aterram em Copá oito helicópteros carregados de mantimentos e munições.

Com eles vem um pelotão de tropas pára-quedistas. Os páras permanecem uma semana em Copá. Nestes dias, o destacamento não sofre nenhuma flagelação e do IN, nem cheiro. Talvez se tivessem ido reabastecer ao Senegal e à outra Guiné.

Depois, Copá volta a ser flagelada, com grande intensidade. Quatro militares de Copá, em pânico, fogem do destacamento e caminham até Canquelifá. Ao entenderem que deixaram sozinhos, a resistir heroicamente, os seus trinta e tal camaradas de armas, com a ajuda da tropa de Canquelifá, acabam por regressar a Copá.

As flagelações continuam.

Mas os comandos africanos, com o Marcelino da Mata, fazem uma operação em redor de Copá que se prolonga por vários dias. Aliviam a pressão do IN sobre Copá. É então capturada a famosa ambulância do PAIGC, com matrícula da Guiné-Conacri, que, apesar da sua cruz vermelha, de se destinar a evacuar os feridos da guerra, estava carregada de minas anti-carro e anti-pessoal, e ainda de alguns cadernos com a descrição exacta dos lugares no leste da Guiné onde os guerrilheiros haviam colocado minas.

A aviação continua a bombardear em volta de Copá. A 31 de Janeiro de 1974, um míssil Strela abate um Fiat pilotado pelo tenente Gil. O piloto ejecta-se, salva-se e consegue chegar a pé a um dos nossos aquartelamentos na zona.

O destacamento de Copá, menos de 40 homens, junto à fronteira, não justifica tamanhos sacrifícios. Os militares portugueses estão no limite da resistência. Os comandos-chefe de Bissau decidem retrair o dispositivo militar e ordenam o abandono de Copá. Todo o destacamento é armadilhado e, no dia 14 de Fevereiro de 1974, os resistentes de Copá vêem chegar os seus camaradas de Bajucunda que os vêm buscar e levar para um aquartelamento mais seguro.

Sofreram o inenarrável mas foram valentes, não tiveram um morto, graças também à sorte e à protecção de Deus, de Nossa Senhora, da imensidão dos deuses criados por Deus ou pelos homens. Os trinta e cinco homens, leram bem, 35 militares portugueses - um alferes, quatro furriéis, cinco 1ºs cabos e vinte e cinco soldados - foram todos louvados também porque, ao contrário do que acontecera no ano anterior num aquartelamento no sul da Guiné, não voltaram as costas ao inimigo.

Recordo as palavras já acima transcritas do soldado António Rodrigues, o meu amigo que viveu todo este tempo de Copá, na dedicatória no livro que me enviou: “Esta guerra existiu e teve episódios muito duros e violentos,(…) que tivemos de enfrentar com muito sofrimento, mas também com coragem, honra e dignidade”.

8. Mês e meio depois, a 31 de Março de 1974, partia de Bajocunda para Copá, a pé, uma grande coluna de tropas portuguesas.

Era uma operação de quatro dias da responsabilidade do BCav 8323. Seguiram dois pelotões da companhia de Pirada, dois pelotões de Bajocunda e um pelotão de milícias, cerca de 130 homens.

Um dos soldados que participou nessa operação chamava-se, chama-se, Joaquim Vicente Silva. É o meu camarada e amigo dono do talho de S. Miguel de Alcainça, Mafra, aqui a quatrocentos metros da minha casa na aldeia.

O Joaquim Vicente contou-me toda a história. Avançaram com dificuldade e algum receio, havia minas na picada, dormiram no mato, mas chegaram em paz a Copá. Para sua surpresa verificaram que os guerrilheiros não haviam entrado no destacamento. Continuava tudo armadilhado, os homens do PAIGC não haviam tocado em nada.

Patrulharam a região em volta de Copá e não só não encontraram ninguém como não tiveram qualquer contacto com o IN. Três dias depois, já no regresso, perto de Bajocunda foram flagelados com tiros soltos de Kalashnikov, disparados a partir de uma bolanha, sem quaisquer consequências.

Faltavam vinte dias para o 25 de Abril de 1974.

Agradeço aos meus camaradas soldados António Rodrigues e Joaquim Vicente Silva, do BCav 8323, as informações preciosas e detalhadas que me disponibilizaram para a elaboração deste texto. Qualquer erro factual que possa eventualmente surgir (nunca sabemos tudo!) é apenas da responsabilidade deste vosso camarada,

António Graça de Abreu
S. Miguel de Alcainça, 19 de Fevereiro de 2009
Ano do Búfalo
_____________

Nota de L.G.:

(*) Sobre Copá, vd. postes de:

11 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3871: Em busca de... (65): Pessoal de Copá, 1ª Companhia do BCAV 8323/73 (Helder Sousa)

28 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3810: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (3): Unidades de comando em Bajocunda

28 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3809: Os últimos dias do destacamento de Copá, Janeiro/Fevereiro de 1974 (Helder Sousa / Fernando de Sousa Henriques)

26 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3797: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (2): Unidades de intervenção no subsector de Bajocunda

26 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3795: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (1): O princípio do fim, a história do Soldado António Rodrigues

30 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3817: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (4): Unidades de coordenação na Zona Leste

Vd. ainda sobre Copá (destacamento das NT abandonado em 14/2/74):

8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1410: Antologia (57): O Natal de 1973 em Copá (Benigno Fernando)

27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1216: A batalha (esquecida) de Canquelifá, em Março de 1974 (A. Santos)

30 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P3004: PAIGC: Op Amílcar Cabral: A batalha de Guileje, 18-25 de Maio de 1973 (Osvaldo Lopes da Silva / Nelson Herbert)

13 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2937: A guerra estava militarmente perdida? (16): António Santos,Torcato Mendonça,Mexia Alves,Paulo Santiago

26 de Janeiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3795: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (1): O princípio do fim, a história do Soldado António Rodrigues

16 de Julho de 2007 >Guiné 63/74 - P1958: Vídeos da guerra (1): PAIGC: Viva Portugal, abaixo o colonialismo (Luís Graça / Virgínio Briote)

(... ) Referência ao vídeo da televisão francesa, a antiga ORTF, disponível em INA - Institut National de l' Audiovisuel

GUINEE : LA GUERILLA AU GRAND JOUR MAGAZINE 52 ORTF - 04/07/1974 - Video 12' 32'' / DVD 3 €

Guiné 63/74 - P3994: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (4): Uma civil, e trasmontana de Sabrosa, na tropa (Giselda Pessoa)

Base Escola de Tancos > 1971 > 7.º curso de paraquedismo, para enfermeiras civis. Foto de grupo.

Guiné > Região de Tombali > Aldeia Formosa > 1972 > A Gidelda junto do AL-III, com a respectiva tripulação, durante um alerta a operações, com base em Aldeia Formosa.

Guiné > Bissalanca > BA 12 > 1972 > A Giselda (à direita), com um militar do Exército e a enfermeira Rosa Mota (Mendes pelo casamento).
Fotos: © Giselda Pessoa (2009). Direitos reservados.


1. Texto da Giselda Antunes Pessoa, ex-Sgrt Enf Pára-quedista (BA12, Bissalanca, Janeiro de 1972/Abril de 1974), novo membro da nossa Tabanca Grande:

As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (4) > UMA ENFERMEIRA CIVIL NA TROPA (*)

A minha formação como enfermeira foi iniciada na Escola de Enfermagem do Hospital de S. João, no Porto, em 1966. Ida de S. Martinho de Anta (**), perto de Vila Real, o Porto era o local mais lógico para tirar o curso. E por lá continuei em 1968, como enfermeira, tendo sido logo colocada no Serviço de Urgência do S.João, onde se trabalhava muito mas também se aprendia mais, e depressa.

Por essa altura ia tendo notícias da minha irmã Antonieta, também enfermeira, então integrada na Força Aérea como enfermeira paraquedista. Das suas deambulações por África ia-me dando notícias, mas não criou necessariamente em mim a vontade de lhe seguir as pisadas.

Foi um pouco por acaso que numa deslocação a Lisboa à Direcção do Serviço de Saúde da Força Aérea, alguns dos presentes me incentivaram a inscrever-me no novo curso que estava em preparação. Acabei por concorrer pois, no fundo, entusiasmava-me a possibilidade de desenvolver a actividade que tinha, num ambiente ainda mais exigente, e agradavam-me igualmente as características da vida militar.

Assim, em 1970, acabei por frequentar o curso de paraquedismo na Base Escola em Tancos, o 7º constituído por enfermeiras civis. Das nove que constituíam o curso acabaram oito, iniciando nós então um rodopio entre a base-mãe, os Açores, Guiné, Angola e Moçambique.

No meu caso pessoal, fui inicialmente colocada em Moçambique durante todo o ano de 1971, onde se pode dizer que tive um período de férias razoável, pois para além de curtos períodos em Nacala e Nampula, estive essencialmente baseada em Lourenço Marques. Aí prestava apoio no serviço de saúde, o que incluía deslocações periódicas a Lisboa, acompanhando e apoiando os militares evacuados, inicialmente no DC-6, mais tarde nos Boeing 707.

Deve dizer-se que em Lourenço Marques ainda se sentia menos a guerra do que em Lisboa e que este período não foi representativo para a minha formação militar, desgostando-me mesmo certos comportamentos que pude observar localmente, quer em alguma da população branca, quer em alguns militares mais acomodados a uma vida fácil e pouco arriscada.

Foi por isso com alguma expectativa que no início de 1972 me mudei, "com armas e bagagens", para a província da Guiné. Aí, finalmente, respirava-se um ambiente muito mais operacional, onde a solidariedade e a camaradagem eram bem visíveis e o trabalho puxado nos fazia sentir mais realizadas.

O contacto diário com as tripulações, as deslocações aos aquartelamentos perdidos no meio do mato, a sensação de se fazer algo de útil por quem precisava, deixaram-me até hoje recordações que dificilmente desaparecerão.

Ao longo dos anos têm surgido, aqui e ali, manifestações de carinho por parte de militares que socorri num momento extremamente delicado da sua vida e que se recordam ainda da enfermeira que os acompanhou e tentou minorar o seu sofrimento. São situações como essas, assim como o convívio que tenho tentado manter com pessoal que passou pelo mesmo no território da Guiné - pára-quedistas, pilotos e pessoal Especialista da Força Aérea, militares do Exército e da Marinha - que me fazem pensar que valeram bem a pena os anos que dediquei à Força Aérea como enfermeira paraquedista.

Giselda Pessoa
_____________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes anteriores desta série:

20 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3914: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (1): Uma brincadeira (machista...) em terra dos Lassas (Mário Fitas)

24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3931: As nossas queridas enfermeiras pára-quedistas (2): Elementos para a sua história (1961-1974) (Cor Manuel A. Bernardo)

28 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3952: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-quedistas (3): No fim do mundo (Giselda Pessoa)

(**) São Martinho de Anta, freguesia e vila do concelho de Sabrosa, distrito de Vila Real. O seu filho mais ilustre é Miguel Torga, pseudónimo literário de Adolfo Correia Rocha (1907-1995), médico e um dos grandes escritores portugueses do Séc. XX. E, mais ao lado, já no concelho vizinho de Peso da Régua, tempos o miradouro, de cortar respiração, de São Leonardo de Galafura, que Miguel Torga celebrizou e é um dos mais falabusos miradouros de Portugal, com vista com o Rio Douro e os vinhedos da Região Demarcada do Douro.

Também é obrigatório saber que Sabrosa é a terra natal do primeiro homem que fez a primeira viagem de circum-navegação (1519-1521), Fernão de Magalhães (1480-1521). Morreu em combate nas Filipinas.

Estive há tempos em Sabrosa, onde descobri uma Rua Coronel Jaime Neves, atribuída em vida ao antigo capitão dos comandos que teve um papel-chave no 25 de Novembro de 1975 e que é um trasmontano dos sete costados, natural de Sabrosa....

Espero que da próxima vez que lá passe, encontre também uma rua com o nome das enfermeiras pára-quedistas, irmãs, Antonieta e Giselda Antunes, naturais de Sabrosa. Sr. presidente da Câmara de Sabrosa, José Marques, não perca essa oportunidade de homenagear todas as mulheres trasmontanas através destas duas suas conterrâneas que - não há muitas - foram os nossos 'anjos da guarda' na guerra colonial (1961/74).

Guiné 63/74 - P3993: (Ex)citações (19): Órfãos de guerra: Rogério Soares, aos dois anos, em Nhabijões (Gabriel Gonçalves, CCAÇ 12)

1. Comentário do Gabriel Gonçalves, ex-1º Cabo CriptoCCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71), a propósito da evocação da morte do Sold Cond Auto Manuel da Costa Soares, em 13 de Janeiro de 1971 , num mina anticarro, à saída do redordenameno e destacamento de Nhabijões (*)

Sobre este assunto, lembrei-me que escrevi no meu diário:

(...) “Existe quem não acredite no destino, mas só quem vive horas como esta, que eu e muitos vivemos, poderá pensar e acreditar na força do destino!

"Pois é, mais uma vez o destino actuou e por sinal num rapaz da minha companhia. Chamava-se Soares, era casado e tinha um filho de dois anos que era, como é natural, todo o seu enlevo.

"Lembro-me que, por vezes, nas nossas horas de ócio e à sombra amiga da caserna, falávamos sobre os mais diversos assuntos e ele, como todos nós, comentava os seus planos futuros e risonhos, para quando chegasse à metrópole, todo ele se ria quando falava no seu Gerinho. Rogério é o nome do seu filho.

"Sim, foi hoje, dia 15 [13] de Janeiro de 1971 que ele faleceu. Amanhã chegará o telegrama aos seus familiares anunciando o triste acontecimento. Que vai ser desses infelizes? “...

"Findo esta narrativa, triste é certo, mas que servirá para que quando mais tarde Itálicoalguém a leia, dê valor ao que sofremos aqui. Valerá a pena?"


Um abraço
GG

_______

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste de 6 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3990: Diário de uma tuga (Luís Graça) (1): Quando o meu relógio parou às 13h30h, Nhabijões, 13 de Janeiro de 1971

Confirmei a data na lista dos mortos do Ultramar, no sítio da Liga dos Combatentes

Guiné 63/74 - P3992: Nuvens negras sobre Bissau (18): Um povo afável e generoso que ainda nos recebe com um sorriso... (Torcato Mendonça)

1. Mensagem do Torcato Mendonça, com data de 4 de Março:

Caros Editores: Ia começar a ler o blogue, são as 22H00 e parei.Como fiz um comentário, na manhã de hoje aos Postes do Carlos Scharz e do Luís Graça que virou, pela quantidade de palavras a escrito para arquivo. Acrescentei um cabeçalho agora e segue. Ainda hesito, mas...

Hoje de tarde fiquei bem melhor informado sobre a Guiné e o que se tem passado. Lastimo. Sejamos optimistas e acreditemos nos homens.

Abraços para vocês do Torcato

[Aqui, na foto, no Fundão, em 2 de Junho de 2007]

2. Guiné, Hoje (*)
por Torcato Mendonça

Escrever sobre determinados assuntos tem, de um modo geral, como destino o arquivo. Vão depois desaparecendo, nem todos é certo e, de quando em vez, encontro um ou outro. Verifico como pensava na altura do escrito.

O espaço do comentário é curto, embora indo além das sessenta palavras. Tentei fazê-lo hoje. O poder de síntese e o espaço iam ser limitativos. Por isso fui escrevendo. Se resolver enviar lá irá…

Li, caro Luís Graça, o que Carlos Schwarz escreveu em resposta a um mail teu. É a sua visão dos acontecimentos, a sua análise frontal e desassombrada, uma mais valia, para quem se preocupa ou gosta de ter conhecimento dos últimos acontecimentos ocorridos na Guiné. É um homem natural de lá, creio eu, e, mesmo que o não fosse, sempre esteve àquela terra ligado. Li e reli com interesse.

Mas, meu Caro Luís Graça, apesar da opinião valiosa - subjectiva como todas e até passível de melindres, o ser valiosa é adjectivação minha – e desassombrada, pois vem de homem que pensa livre.

A situação naquele País é bem mais complexa. Sempre foi. Mesmo durante a guerra colonial e com Amílcar Cabral vivo; depois de sua morte e das purgas e ajustes de contas ocorridos; pós-independência, não a de 73, claro que foi mera propaganda para servir a causa, mas o pós-independência com a saída de Portugal; no consulado (presidência) de um outro Cabral; as perturbações, os fuzilamentos de tantos que serviram o nosso País e não só; o golpe de João Bernardo Vieira e as perturbações posteriores. Não nos podemos intrometer. Melhor eu não posso, não devo e não me quero intrometer.

A História da Guiné terá que ser feita por Guineenses. Há, de minha parte e em muitos de nós que por lá passámos, não um saudosismo mas, isso sim, uma afectividade sentida por aquele Povo.

Curiosamente ou talvez não, um povo esquecido, um povo onde, no seu seio vivem, ex-combatentes, da chamada luta de libertação, vitimas do ostracismo imposto pelas elites saídas dessa tal luta. Vivem em harmonia com outros ex-combatentes que connosco estiveram, no meio do povo que connosco co-habitou.

É esse povo, afável e generoso, que recebe os antigos combatentes com um sorriso e um carinho enorme. Dizes, meu caro amigo… ”eles são, todos eles, os melhores filhos da Guiné”. Faltam muitos, muitos. Falta esse povo que vive nas tabancas, nas “cidades” em degradação ou, porque não na periferia de Bissau. Não posso escrever assim. Não posso ir além de. Posso, isso sim estar, concordante ou discordante com o que Carlos Schwarz descreve, como ele sabe e bem, o que é lógico, sobre a situação agora vivida e, muito levemente, levanta o véu de um ou outro porquê.

Posso ainda dizer que escreves um belo poema; que as canções do Anastácio me sensibilizam; que a música do korá do Braima Galissa me enternecem e sinto a nostalgia, pela poesia, prosa, canto e música de um passado, de uma parte do meu passado. E mais te digo amigo, espero só saltar um pequeno escolho e, agora sim, tenciono voltar á Guiné. Sem turismo, sem nada mais que não seja recordar, sentar-me na base de um poilão, debaixo da sombra de uma mangueira, ouvir o som dos pilões, o riso das crianças, as vozes das mulheres e, fechando os olhos sonhar. Ainda encontrar quem quero.

Agora fico expectante, desejando o bom senso, a determinação, a sabedoria dos “homens grandes” para ultrapassar a morte do General Tagma Na Waié, e estas mortes de não sei quantos guineenses, incluindo o seu Presidente.

O futuro é já hoje, meu caro amigo, o futuro está atrasado... recordas as carências sanitárias? Recordas as carências de tudo? Não sei se viste o documentário “Dar a Vida Sem Morrer” [, de Catarina Furtado, na RTP1,] e disso, das questões de saúde, sabes muito mais que eu. Só estamos próximo no sofrimento que vimos.

O futuro tem que ser feito com determinação e ser propiciador de um desenvolvimento abrangente. Isso será o Povo e os dirigentes que dele emanam, a construir. Sem nunca esquecer que de África sabem os africanos. E, se nós, europeus, pudermos ajudar que o façamos em igualdade. No fundo, bem lá no fundo, apelando, de quando em vez, à memória e tentando compreender como foi possível certo passado.

Isto foi um sentir, um pensar em voz alta, um leve comentário a uma situação que nós queremos ver rapidamente ultrapassada.

Procuro não comentar, nem ao de leve, o que chamo os 3 G – Guileje, Gadamael e Guidage. Comentei é certo mas pouco. Aqui parei.

Quanto a um jornalista e à revista onde escreve, para mim está quase tudo dito. “As Duas Faces da Guerra” da Diana Andringa/Flora Gomes, penso à minha maneira. Fiz um simples comentário e ponto.

Isto é um espaço de pluralidade opinativa e sempre em respeito pela opinião de todos. Nisso é que está a riqueza do pensamento…

Pode pensar-se que estou a falar de democracia. Não. A democracia pratica-se e hoje faz parte do nosso viver. È desnecessário. Não é?

Por vezes, em certas zonas deste nosso Mundo parece diferente…também a paisagem, os cheiros, o clima… variam!

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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 5 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3984: Nuvens sobre Bissau (17): Curvo-me à memória do Nino, o homem que nos fez a vida negra em Gandembel/Balana (Idálio Reis)

sexta-feira, 6 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3991: (Ex)citações (19): Não quis antingir, nem ao de leve,a dignidade dos antigos combatentes (Luis A. Martins, Visão nº 835, 5/3/09)


O Luís Almeida Martins, jornalista da Visão, é um "rapaz da nossa idade" e, pelas palavras que escreveu no última edição do seu semanário (e que eu antecipo aqui, para apreciação dos nossos camaradas e amigos) merece mais do que o benefício da dúvida... Como eu costumo dizer, citando um velho provérbio do nosso povo (que não é estúpido), "os homens conhecem-se pelas palavras, e os bois pelos cornos"... (LG)
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"CORREIO DO LEITOR > Rectificação:

"Numerosos leitores, antigos combatentes da Guerra Colonial, escreveram-nos manifestando grande indignação por algumas frases do artigo 'Portugal e o passado' , sobre o livro do General Spínola (V833), em que tentei transmitir às gerações jovens os horrores de um conflito infelizmente hoje quase esquecido pelo poder político mas verdadeiramente marcante dos meados do nosso século XX - e em que só não participei por mero acaso, já que pertenço à geração que o fez.

"É claro que nunca foi minha intenção atingir [nem] ao de leve a dignidade dos antigos combatentes (afinal praticamente todos os jovens do sexo masculino da década de 60 e princípios da de 70), que, abandonados pelo poder político, guardam recordações gratas desse tempo marcado pelo sacrifício, a generosidade, a camaradagem e, retrospectivamente, a saudade.

"Mas se algum deles se considera ainda beliscado foi porque eu não soube transmitir o pretendido, e por essa inépcia peço, obviamente, desculpa".


Assinado: Luís Almeida Martins

(Visão, nº 835, 5 a 11 de Março de 2009, p. 10).

http://www.visao.pt/

Guiné 63/74 - P3990: Diário de uma tuga (Luís Graça) (1): Quando o meu relógio parou às 13h30h, Nhabijões, 13 de Janeiro de 1971

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > 1971 > A viatura Unimog 411 em que perdeu vida o Sol Cond Autor Manuel Almeida Soares, da CCAÇ 12 à saída do reordemento e destacamento de Nhabições, às 11h25 do dia 13 de Janeiro de 1971... O que restou da viatura (foto) foi rebocado para Bambadinca, sede do BART 2917 (1970/72), a que a CCAÇ 12 estava afecta como subunidade de intervenção.

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Estrada de Bambadinca - Mansambo - Xitole > 1969 > Efeitos da explosão de outra mina anticarro...

Fotos: © Humberto Reis (2006). Direitos reservados


Diário de um tuga (Luís Graça) (1):

Nhabijões, 13 de Janeiro de 1971.

E de súbito uma explosão. O sol dos trópicos desintegra-se. O céu torna-se bronze incandescente. O mamute de três toneladas dá um urro de morte ao ser projectado sob a lava do vulcão. E depois, silêncio...

Era uma hora e meia da tarde quando o meu relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca…

A viatura vai despenhar-se num abismo imaginário. Volatizar-se como uma aeronave ao reentrar na atmosfera. Sou projectado ao lado do condutor, batendo violentamente com a cabeça na chapa do tejadilho e depois com a testa e os joelhos na parte da frente. Consigo equilibrar-me mas não vejo nada. Há uma espessa nuvem de pó que me envolve, exalando um forte cheiro a enxofre. Ainda consigo pensar: o ar está rarefeito e eu vou sufocar dentro desta maldita cabina.

Foi então que se produziu uma espécie de curto-circuito no meu cérebro, como se eu tivesse sido electrocutado. Fiquei rigidamente colado ao assento, a G3 estranhamente entrelaçada nas minhas pernas, e a vaga sensação de que a massa encefálica me tinha saltado da caixa craniana. O olhar vidrado de quem mergulhou nas profundezas da terra. O gélido terror de quem vai entrar num mundo desconhecido.

Nunca saberei ao certo quantos segundos se passaram, mas houve um solução de continuidade (essa fracção de tempo em que a consciência esteve bloqueada) até compreender que a velha GMC tinha accionada... uma mina.

Outra mina, meu Deus!, e instintivamente agarro-me àquela carcaça de mamute, mal refeito da surpresa de estar vivo.

Quando salto para o chão, o que se me depara como espectáculo são os destroços duma batalha: há corpos por todo o lado, juntamente com espingardas, cantis, quicos, canos de bazuca e de morteiro, granadas, bocados de chapa e de borracha, numa profusão indescritível. Corpos que gemem, que gritam, ou que talvez já sejam cadáveres.

Mortos! Tudo mortos, mi furiele! – grita-me o Umaru [, aqui na foto comigo,] , o puto, como lhe chamamos (e o que é ele, de resto, senão uma criança violentada pela guerra que aos dezasseis ou dezassete anos trocou a mauser das milícias pelo morteiro 60 de uma companhia de carne para canhão!?), os braços abertos, o pânico estampado no seu belo rosto de efebo, fula, filho de régulo. Era a primeira vez porventura que o via sem o seu inseparável pequeno cachimbo, que ele, fumador inveterado, usava para lhe dar o ar sério de homem grande.

O primeiro ferido que reconheço é o transmissões, todo encolhido junto à viatura destruída, numa atitude instintiva de defesa, e sob forte estado de choque. Abeiro-me depois do comandante da 1ª secção, meu companheiro de quarto, o Marques, mas ele já não reage à minha voz nem às bofetadas que lhe dou no rosto.

Aparentemente não tem qualquer fractura exposta mas de um dos ouvidos corre-lhe um fio de sangue. Procuro desesperadamente os sinais de que ainda está vivo: a sua respiração é cada vez mais fraca e não é sem um calafrio que tacteio este pulso que se me escapa.

Trágica ironia, a de mais este banal episódio de guerra: minutos antes, ao subirmos para a viatura, de regresso a Bambadinca, eu havia disputado amigavelmente o 'lugar do morto', com o Marques [ aqui na foto comigo]:
- Vais tu, vou eu, vais tu, vou eu!...

Acabei por ir eu ao lado do condutor. Mas daquela vez, e para sorte minha, a mina rebentaria sob um dos rodados duplos traseiros da GMC, embora do meu lado. O condutor tinha acabado de fazer a inversão de marcha, para regressarmos ao quartel.


Outra puta de mina, meu Deus! - que fora não detectada
pelos nossos picadores, accionada na berma da estrada,
às portas do reordenamento de Nhabijões, a escassos
metros da anterior.

Estávamos de piquete, quando duas horas antes uma viatura nossa , que ia buscar, a Bambadincao almoço para o pessoal afecto aos trabalhos de reordenamento, accionara uma mina. O nosso condutor, o Soares, teve morte imediata. Pobre do Soares, aos 20 meses de comissão...

O Furriel Fernandes, meu camarada da CCAÇ 12 (foto à esquerda, ao lado do Levezinho), ficou gravemente ferido. O alferes sapador Moreira e outro militar da CCS do BART 2917 ficaram também feridos… O Moreira, ao que parece, com gravidade. (Foto, à direita, em cima)

Mas só agora reparo no velho Tenon, no Ussumane, no Sherifo, mesmo ao meu lado, a meus pés, sem darem acordo de si. E ainda no Quecuta, no Cherno e no Samba, nosso bazuqueiro, arrastando-se penosamente sobre os membros superiores, como lagartos cortados ao meio.

As duas secções que seguiam atrás, na GMC, tinham sido literalmente projectadas pela vulcão de trotil, como se fossem cachos de bananas. Se o rebentamente da mina fosse seguido de emboscada, então seria um massacre. Eu era o único que tinha uma arma na mão, sem bala na câmara, como de costume, mas desta vez provavelmente inoperacional, devido ao choque sofrido… E, de facto, não deixo de sentir um arrepio ao imaginar-me sob a mira certeira dos RPG e o matraquear das costureirinhas e das Kalash.

Felizmente, tínhamos acabado de fazer o reconhecimento das imediações, detectando o trilho dos elementos da guerrilha que, durante a noite, tinham vindo pôr as minas assassinas… Esse trilho, mais fresco, acabava por confundir-se com os trilhos usados pela população de Nhabijões que, como é sabido, não morre de amores por nós… Por outro lado, o sítio, descapinado, não seria o mais indicado para montar uma emboscada...

É possível, entretanto, que haja mais minas pela estrada fora, mas não posso perder nem mais um segundo. Ainda hesito em mandar picar ou não o terreno, mais alguns metros em redor, mas não posso perder tempo, para logo seguir , de imediato, para o heliporto de Bambadinca com os feridos mais graves. Foram pedidas várias evacuações Ypsilon, via rádio.

Mais até do que a solidariedade entre camaradas de guerra e a minha amizade pelo Marques, o que me parece mover, correr feito louco, com os feridos a gritar pela picada fora, é talvez o sentimento do absurdo da morte, do absurdo desta guerra, a raiva contra esta guerra...

É uma corrida louca, esta, na fronteira incerta que separa a vida da morte na estrada de Nhabijões, no primeiro Unimog que me apareceu à mão, e que leva um carregamento de feridos. Três deles estão em estado de coma e têm como destino outro inferno: o hospital de Bissau, a incerteza do desfecho da luta entre a vida e a morte aos vinte e poucos anos (***)...

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Notas de L.G.:

(*) Já publicado, na I Série do blogue, sob outro título: 2 de Dezembro 2005 >
Guiné 63/74 - CCCXXIX: E de súbito uma explosão (Luís Graça)

Vd. também postes de:

23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (Luís Graça)

6 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P3989: Agenda cultural (2): O pintor Manuel Botelho expõe no Porto e homenageia o malogrado Sold Cond Soares, da CCAÇ 12 (Beja Santos)

(**) O Luís Moreira é hoje membro da nossa tertúlia. Era então alferes miliciano sapador da CCS do BART 2817. Depois de recuperado ficou no BENG, em Bissau. Vim a reencontrá-lo como professor de matemática do ensino secundário. Já deve estar hoje reformado.

(***) O Marques sofreu politraumatismos que o puseram à beira da morte. Saído do coma, ao fim de duas semanas e meia, tinha uma perna gangrenada... A sua recuperação foi lenta e difícil, tendo conhecido o longo calvário dos hospitais militares (Bissau e depois Lisboa). É hoje mais um DFA (deficiente das forças armadas), além de bem sucedido comerciante na cidade de Cascais, já reformado. Infelizmente, não é membro da nossa Tabanca Grande. O Manuel Almeida Soares, por sua vez, está sepultado na sua terra, Oliveira de Azeméis. Não tenho, infelizmente, nenhuma foto dele. Dos meus camaradas guineenses da CCAÇ 12, também gravemente feridos nesta mina, perdi o rasto...

Guiné 63/74 - P3989: Agenda cultural (3): O pintor Manuel Botelho expõe no Porto e homenageia o malogrado Sold Cond Soares, da CCAÇ 12 (Beja Santos)

Aguarela do pintor Manuel Botelho > 2008 > Título: "A viatura Unimog era conduzida pelo soldado Soares". Cortesia do autor. Agradecimentos ao Beja Santos que nos fez chegar a imagem.



Galeria Fernando Santos> Espaço 531 > Aerograma (***)

Rua Miguel Bombarda, 5264050 – 379 Porto / Portugal
Tel + 351 22 606 10 90 / Fax + 351 22 606 10 99

Email: geral@galeriafernandosantos.com

Página na Net: http://www.galeriafernandosantos.com/

1. Duas mensagens do nosso camarada Beja Santos, ex-Alf Mil, Pel Caç Nat 52 (Missirá e Bambadinca, 1968/70):

(i) 5 de Março de 2009:

Luis, o Manuel Botelho tem frequentado assiduamente o nosso blogue, como sabes, aqui se inspira para as suas obras-primas. Adora as fotografias do Humberto Reis, muito justamente. Não tens tido paciência para os meus escritos, mas desta vez peço-te encarecidamente que divulgues esta iniciativa do único grande nome das artes plásticas que vai beber à nossa fonte .Ele é o autor da aguarela onde vemos o Unimog 411 em que morreu o soldado-condutor Soares.

Recebe um abraço do Mário

Comentário de L.G.:

Mário: Já te tinho dito que precisava de tempo para dar um pouco mais de atenção ao teu encarecido pedido... A nossa equipa de editores tem estado um pouco desfalcada, por razões da vida pessoal de uns ou da saúde de outros... Estando a meio gás, não é possível dar imediata resposta a todos os pedidos dos camaradas e amigos da Guiné. E depois há que definir prioridades em termos editoriais.

Como te prometi, não te esqueci nem te podia esquecer, a ti, ao Botelho e ao Soares. Dá um grande abraço ao teu amigo pintor. Diz-lhe que ficamos sensibilizados e agradecidos por ele, como artista plástico, saber e poder encontrar motivos de inspiração no nosso blogue e na fotogaleria do Humberto Reis. A malta de Bambadinca do nosso tempo, e em especial os camaradas da CCAÇ 12, sentem-se honrados por esta justa homenagem à memória do Manuel Soares, morto quase na recta final, a 20 meses de comissão... à saída do reordenamento de
Nhabijões (entre Bambadinca e o Xime).

Não sei se sabes (já estavas em Lisboa nessa altura), nesse dia o meu relógio parou às 13h3O no mesmo local onde o pobre do Soares encontrara a morte duas horas antes. Havia uma segunda mina anticarro à espera do pelotão de intervenção em que eu estava integrado. Voei literalmente numa velha GMC. Nunca mais consegui esquecer esse e outros dias negros... Foi um dia trágico, esse 13 de Janeiro de 1970 (*).

Boa sorte para a exposição no Porto. Vamos convidar a nossa malta (e em especial a da Tabanca de Matosinhos) a dar lá um salto à Galeria Fernando Santos. O Soares era nortenho, de Oliveira de Azeméis.


Um Alfa Bravo. Luís

(ii) 27 de Janeiro de 2009:

Luís, esta obra de arte [vd. imagem acima] envolve um acontecimento doloroso, a mina nos Nhabijões que vitimou mortalmente o nosso querido Soares e feriu vários camaradas teus (*).

O pintor Manuel Botelho, de quem sou profundo amigo, realizou uma exposição de fotografia no Museu da Electricidade, em 2008, que teve a singularidade de versar ambientes ficcionados da Guerra Colonial (**). Aqui há uns meses convidou-me a ir ao seu estúdio ver os trabalhos que irá expor nas suas próximas exposições. Uma tem a ver novamente com fotografia, outra prende-se com aguarelas baseadas em temas da guerra.

Comoveu-me profundamente esta obra de arte derivada de uma fotografia que vem no Tigre Vadio e cujo autor é o nosso extremoso Humberto Reis. Pedi licença ao Manuel Botelho para publicarmos em primeira-mão esta imagem de um Unimog 411 destroçado. Estou comovido por sermos dignos da atenção de um grande pintor português, o querido Soares passa assim à posteridade nas artes plásticas.

Mas estou também comovido por que ele é um dos mortos da CCaç 12, camaradas de tantas andanças.

Recebe um grande abraço do Mário


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Notas de L.G.:

(*) Mário: froam duas minas, com um intervalo de duas horas... Manuel da Costa Soares, "morto na sequência de ferimentos em combate por rebentamento de uma mina em Nhabijões" [ou melhor, teve morte instantânea], no dia 13 de Janeiro de 1971, às 11h25, aos 20 meses de comissão... Era natural de Oliveira de Azeméis, concelho que perdeu doze filhos só no TO da Guiné. Era Sold Cond Auto da CCAÇ 2590, mais tarde CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, Maio de 1969/Março de 1971).

Vd. os seguintes postes:

13 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3451: O Nosso Livro de Visitas (43): A. Almeida da Liga dos Combatentes de Oliveira de Azeméis

19 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2454: PAIGC - Instrução, táctica e logística (8): Supintrep nº 32, Junho de 1971 (VIII Parte): Minas III (A. Marques Lopes)

23 de Setembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCV: 1 morto e 6 feridos graves aos 20 meses (CCAÇ 12, Janeiro de 1971) (Luís Graça)

(...) "O dia 13 seria uma data fatídica para as NT, e em especial para a CCAÇ 12 cujos quadros metropolitanos estavam prestes a terminar a sua comissão de serviço em terras da Guiné. Eis o filme dos acontecimentos:

"(i) Às 5.45h o 1º Gr Comb detectou, durante a batida à região de Ponta Coli, vestígios dum grupo IN de 20 elementos, vindos em acção de reconhecimento aos trabalhos da TECNIL na estrada Bambadinca-Xime e locais de instalação das NT.

"(ii) Às 11.25h, na estrada de Nhabijões-Bambadinca, uma viatura tipo Unimog 411, conduzida pelo Sold Soares (CCAÇ 12) que ia buscar [a Bambadinca] a 2ª refeição para o pessoal daquele destacamento, accionou uma mina A/C. O condutor teve morte instantânea. Ficaram gravemente feridos 1 Oficial (CCS / BART 2917)[Alf Mil Moreira], 1 Sargento (Fur Mil Fernandes/CCAÇ 12) e 1 Praça (CCS / BART 2917).

"(iii) Imediatamente alertadas as NT em Bambadinca, o Gr Comb de intervenção (4º, CCAÇ 12) recebeu a missão de seguir para o local a fim de fazer o reconhecimento da zona, enquanto outras forças acorriam a socorrer os sinistrados.

"Ao chegar junto da viatura minada, o Cmdt do 4° Gr Comb [Alf Mil Rodrigues] deixou duas praças a fazer a pesquisa, na estrada e imediações, de outros possíveis engenhos explosivos, no que foram apoiados por alguns elementos do destacamento, seguindo depois uma pista de peugadas recentes, detectadas nas proximidades, e que se dirigiam para a orla da mata.

"Aqui, a 50 metros da estrada, atrás duma árvore incrustada num baga-baga, encontraram-se vestígios muito recentes. Seguindo os rastos através da mata, foi dar-se à antiga tabanca de Imbumbe [um dos cinco núcleos populacionais de Nhabijões, agora transferidos para o reordenamento], mas nas proximidades do reordenamento (Bolubate) aqueles passaram a confundir-se com os do pessoal que trabalha na bolanha.

"(iv) Regressado ao local das viaturas, o Gr Comb pelas 13.30h recebeu ordens para recolher, tendo o pessoal tomado lugar no Unimog e na GMC em que tinha vindo. Esta última [onde vinham as secções, comandadas pelos Fur Mil Marques e Henriques] , entretanto, ao fazer inversão de marcha, e tendo saído fora da estrada com o rodado trazeiro, accionaria uma outra mina A/C colocada na berma, a 10 metros da anterior, e que não havia sido detectada pelos picadores.

"Em resultado de terem sido projectados, ficaram gravemente feridos o Fur Mil Marques e os Sold Quecuta, Sherifo, Tenen e Ussumane. Sofreram escoriações e traumatismos de menor grau o Alf Mil Rodrigues, o Sold Trms Pereira e os Sold Cherno e Samba" (...).

2 de Dezembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXXIX: E de súbito uma explosão (Luís Graça)

(...) "E de súbito uma explosão. O sol dos trópicos desintegra-se. O céu torna-se bronze incandescente. O mamute de três toneladas dá um urro de morte ao ser projectado sob a lava do vulcão. E depois, silêncio... Era uma hora e meia da tarde quando o meu relógio parou, na estrada de Nhabijões-Bambadinca" (...).

(**) 23 de Maio de 2008 > Guiné 63/74 - P2875: Agenda Cultural (1): A Guerra Colonial na Pintura, Cinema e Literatura.

(***) Vd. Recortes de imprensa (Público > Guia do lazer > Exposições)

Aerograma

Depois de três grandes séries fotográficas dedicadas à Guerra Colonial, Manuel Botelho regressa ao desenho, sobre o mesmo tema. Até 14 de Abril na Galeria Fernando Santos, no Porto.

"Aerogramas" eram mensagens, cartas trocadas entre militares em serviço em Angola, Guiné e Moçambique e as respectivas mães, namoradas, esposas e madrinhas de guerra. Os desenhos desta nova série de Manuel Botelho (n.1950, Lisboa) conjugam texto e imagem - lemos excertos de "aerogramas" originais, como por exemplo, "casei-me pelo civil com uma fotografia que estava em cima da mesa".

Em 2008, Botelho apresentou em três locais distintos, na Lisboa 20 Arte Contemporânea, no Museu de Arte Contemporânea de Elvas e na Fundação EDP, uma extensa série de fotografias sobre a Guerra Colonial.

Guiné 63/74 - P3988: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (13): Hugo Gerra, que lutou contra Nino e os cubanos

1. Comentário do Hugo Guerra ao Poste P3951 (*). O Hugo foi Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 55 e Pel Caç Nat 60, (Gandembel, Ponte Balana, Chamarra e S. Domingos, 1968/70); hoje é Coronel, DFA, na reforma. 

 A Visão de ontem, nº 835, de 5 a 11 de Março de 2009, já trouxe uma nota de "rectificação", assinada pelo jornalista Luís Almeida Martins, que é também um pedido de desculpas aos ex-combatentes que se sentiram indignados com um parágrafo do seu artigo "Portugal e o passado". 

O nosso blogue irá dar por encerrada esta série, com a publicação, este fim de semana, de uma anterior resposta do jornalista a todos os que lhe escreveram, resposta essa que eu, em nome da Tabanca Grande e dos meus co-editores, aceito e considero como razoável, suficiente e civilizada (LG). 

  2. Olho por olho... (**) por Hugo Guerra 

 Camaradas e amigos e já agora Senhores Jornalistas Eu gosto muito de futebol, mas como só fui uma vez a um jogo ver a despedida do [José] Travassos, já lá vão mais de 55 anos(?), limito-me a ver pela TV e não mando bitaites sobre um assunto onde não pesco nada. 

 Vai daí que me seja difícil entender algumas barbaridades que profissionais da comunicação social escrevem como se percebessem alguma coisa do que falam. Claro que me estou a referir ao artigo da Visão (**) e também à solidariedade manifestada pela Diana Andringa com a classe jornalística, tentando pôr água na fervura num panelão que ainda está em ebulição. 

 Não escrevam disparates ofensivos para toda uma geração que por lá passou, e ouçam todas as partes que viveram o verdadeiro conflito. Todas as noites quando me deito e tiro o meu "olho de vidro" para meter num copo de água (magoa-me dormir com aquele caco há 38 anos), não posso deixar de me sentir revoltado e indignado com o que acontece à nossa volta e o que é escrito com alguma leviandade quase 40 anos após Março de 1961. 

 Quando embarquei no cargueiro Ana Mafalda em Setembro de 1968, fiquei escandalizado por ver, no mesmo camarote que o meu, a bagagem de um Alferes que levava uma raquete de ténis. Aquilo mexeu comigo e senti-me como se tivesse apanhado o comboio errado. Só depois soube que ele era de Administração Militar e ia fazer Contabilidade no QG de Bissau. Ficámos muito amigos e nunca deixei de sentir um pouco de raiva pela malvada sorte. Possivelmente foi com ele que o Senhor Jornalista da Visão falou para estar tão bem informado da Guiné. Mas, como eu calculo que ele venha ler o nosso blogue, vou aqui descrever um pequeno apontamento dessa mesma altura em que o General Spínola vivia em Bissau e este pobre escriba, mais os outros largos milhares, foram colocados frente a frente com os turras. 

 A mim calhou-me o Nino Vieira e sus muchachos cubanos, pois fui parar em Gandembel. E, se ele tem dúvidas dos contactos entre as NT e o IN, só lamento que não me tenha acompanhado numa incursão ao Corredor de Guileje onde vi, ouvi e assisti à morte de vários soldados do PAIGC, fortemente armados e que as tropas pára-quedistas emboscaram com êxito. 

 Mas esta foi uma confrontação minha em terreno aberto, sem napalm nem massacres,( que também os houve mas noutros palcos), deve ser a bem da verdade multiplicada por n vezes no TO da Guiné. Para não restarem dúvidas sobre os contactos que o "marciano" da Visão nunca viu, ainda lhe digo, na continuação, que nessa noite fomos cercados dentro do nosso aquartelamento de Gandembel e a tão pouca distância uns dos outros que dava para rir, se não fosse tão sério, a troca de insultos entre eles e nós (filho da puta e outros), antes e durante o fogachal que nessas noites só acabava de madrugada, quando chegava a força aérea; e lá vinha também o nosso General Spinola que para dar ânimo às tropas subia para cima duma caserna e desafiava o IN a vir lá para se haver com ele, coisa difícil de acontecer pois os sobreviventes já tinham recolhido para lá da fronteira. 

 Quanto aos acidentes de viação sem mais, é duma brutalidade a sua afirmação que só me admiro que nenhum dos sobreviventes feridos gravemente não tenha ainda mandado com uma perna postiça ao Senhor Jornalista. Pela minha parte vou só enviar-lhe um "olho de vidro" que não uso agora, que sempre é mais leve que uma perna e que pode colocar num copo de água todas as noites à cabeceira da cama para ver se começa a perceber que aquilo não foi a guerra do Solnado e nós na Guiné combatíamos como homens e não como assassinos. 

 Um abraço do Hugo Guerra 

 PS: De Setembro de 1970 a Setembro de 1974 vivi e trabalhei em Angola. Aí a história é outra e, embora como civil, corri Angola de carro do Zaire a Nova Lisboa e do Ambriz a Negage. Um dia poderei falar dessa minha experiência, se for considerado conveniente. 

 _______________ 

 Nota de L.G.: 

 (*) Vd. poste de 28 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3951: Sr. jornalista da Visão, nós todos fomos combatentes, não assassinos (8): Diana Andringa, jornalista e cineasta 


quinta-feira, 5 de março de 2009

Guiné 63/74 - P3987: Recortes de Imprensa (14): Soldados mortos na guerra colonial terão memorial no Porto, JN de 5/3/2009 (Jorge Teixeira)

1. Mensagem de Jorge Teixeira com data de 5 de Março de 2009:

Caros amigos
Leiam esta notícia. Pelo menos a minha cidade vai ter um Memorial recordando os nossos mortos.

Ao Carlos Vinhal, se achar por bem, pode colocar lá na Tabanca Grande um poste.
Na nossa de Matosinhos já lá está.

Um abraço de amizade para todos.


2. Com a devida vénia, transcrevemos uma notícia inserida no Jornal de Notícias de hoje, 5 de Março de 2009




Porto

Soldados mortos na guerra colonial terão memorial no Porto.
Os 167 militares do Porto que morreram em combate nas ex-províncias ultramarinas portuguesas vão ser recordados num Memorial que será construído nas imediações do Castelo de S. João da Foz, revelou Miguel Lencastre, um dos promotores da iniciativa.

"Na cidade do Porto não há nenhum memorial que recorde os combatentes que nasceram neste concelho", frisou Miguel Lencastre, acrescentando que "alguns camaradas de armas desses combatentes não se conformaram com a situação e propuseram-se a reparar a omissão",

Nesse sentido, em meados de 2008, foi criada a Associação para o Monumento de Homenagem aos Militares do Porto que Combateram no Ultramar, cujo único objectivo é a construção do Memorial.

O projecto deste monumento, da autoria do arquitecto Rodrigo Brito, vai ser apresentado publicamente a 12 de Março, numa cerimónia que terá lugar no Castelo de S. João da Foz.

"O monumento não será majestático nem sumptuoso, mas será digno", salientou Miguel Lencastre, da direcção da associação promotora da iniciativa.

O Memorial, basicamente constituído por placas de bronze onde serão gravados os nomes dos militares portuenses que morreram em combate nas antigas colónias portuguesas, será instalado num local situado no exterior das muralhas daquele castelo, situado junto à Foz do Douro.

Segundo dados oficiais do Estado-Maior General das Forças Armadas, são 167 os militares naturais do Porto que perderam a vida na guerra colonial.

Miguel Lencastre salientou que a associação não recebeu qualquer promessa de apoio das entidades oficiais que contactou, pelo que vai contar com a solidariedade dos portuenses para reunir os fundos necessários para a construção do monumento.

"Acreditamos que será uma questão de honra para os portuenses contribuir para este memorial, que pretende homenagear os que se sacrificaram pela Pátria", afirmou.

A Associação para o Monumento de Homenagem aos Militares do Porto que Combateram no Ultramar conta como membros dos órgãos sociais, entre outros, o coronel António Feijó de Andrade Gomes, que é o presidente da direcção, e o tenente-general Carlos de Azeredo, que preside à mesa da assembleia-geral.


3. Comentário de CV

Ainda bem que o concelho do Porto vai perpetuar a memória dos seus ex-combatentes da guerra do ultramar.

Esperamos (espero) que este exemplo se multiplique pelos concelhos do País onde ainda não existe um memorial lembrando o esforço da nossa geração.

Espero que os autarcas do Concelho de Matosinhos resolvam a curto prazo homenagear os seus munícipes ex-combatentes, enquanto ainda vivos, porque já são volvidos 35 anos após o fim da guerra e nós não duraremos muitos mais.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste de 14 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3738: Recortes de Imprensa (13): A minha Guerra - José Paulo Pestana, Correio da Manhã, de 4/1/ 2009 (José Martins)

Guiné 63/74 - P3986: O Nosso Livro de Visitas (57): Tony Grilo, Canadá: Artilheiro, apontador de obus 8,8 (Bissau, Cabedu, Cacine, Cameconde,1966/68)


Guiné-Bissau > Região de Tombali > Sector de Bedanda > Cantanhez > Cabedu > Restos (arqueológicos...) do antigo destacamento de Cabedu... Por aqui passaram, em 1963/56, os valorosos e esforçados militares portgueses da CCAÇ 555, comandados pelo Cap Inf António Ritto e de que fazia parte o Fur Mil At Inf Norberto Gomes da Costa, hoje mestre em história, e que passa a integrar a nossa Tabanca Grande.

Foto: © José Teixeira(2008). Direitos reservados.

1. Mensagem de Tony Grilo com data de 26 de Fevereiro de 2009 dirigida ao nosso Blogue

Amigo Graça:

Desculpa o meu começo Pois eu sigo os teus conselhos. Na tabanca todos nos tratamos por tu, e aí vai.

Caro amigo Graça, primeiro que tudo quero felicitar-te pela tua obra.

Agora se me dás licença, vou-me apresentar: O meu nome é Tony Grilo, cumpri o serviço militar, um ano e meio, em Portugal, e em 1966 fui mobilizado para a Guiné.

Saímos, no dia 31 de Maio de 1966, do cais de Alcântara no navio Alfredo da Silva. A viagem demorou 6 dias, percorremos 3666 milhas marítimas e chegámos no dia 6 de Junho de 1966.

O navio ficou ao largo, à espera do capitão de porto para o rebocar para o cais. E ali também vinham 6 pessoas.

Isto é apenas uma pequena história que sucedeu.

Agora vou contar-te algo mais sobre a minha pessoa!

Estive 24 meses na Guiné, era Apontador do obus 8,8 e a nossa Bateria, estava situada no QG em Bissau.

Estive ali só 2 semanas, pois fui enviado logo para o mato, Cabedu, ao Sul da Guiné, na célebre mata do Cantanhez.

Estive lá longos 18 meses, onde a vida era difícil, muita fome aí passávamos.

Ao fim desse tempo regressei a Bissau.

Como era bom rapaz e o capitão engraçou comigo, disse logo ao Primeiro para me marcar viagem para o mato. O motivo foi por me desenfiar do quartel. Não havendo sítio melhor, fui logo para Cacine e Cameconde, também ao Sul, na área do Cantanhez.

Graça, isto é só um pequeno apontamento, pois agora que tenho o vosso E-Mail, já é mais fácil contar as minhas histórias da passagem pela Guiné.

Actualmente vivo no Canadá, já há 38 anos, estou reformado e estou a pensar regressar ao nosso lindo Portugal em fins de Maio deste ano.

Graça, em breve vou-te enviar as minhas fotos.

Queria pedir-te um especial favor: gostaria de saber como contactar com camaradas da [CCAÇ] 1427, [CART] 1614 e da BAC que estiveram nos anos 1966 a 1968.

Um grande abraço a todos os camaradas da Tabanca Grande.

Para o Graça um forte abraço, deste teu camarada que terá muito gosto em conhecer-te pessoalmente.

Talvez em breve aquando do meu regresso a Portugal!

Até breve, caro AMIGO!

Tony Grilo

2. Mensagem de Luís Graça para Tony Grilo, com data de 27 de Fevereiro de 2009:

Tony:

Sê bem-vindo. Vou publicar (eu ou o Carlos Vinhal) a tua mensagem. Presumo que queiras figurar no nosso blogue (e na nossa Tabanca Grande) com as fotos da praxe (pelo menos uma antiga, do teu tempo de artilheiro) e outra actual.

Então vives no Canadá... Em que sítio? Toronto? E já agora, em que terra nasceste ou aonde costumas vir, de férias?

Olha, tenho ideia que me mandaste mais dois mails, a seguir a este. Pode ter acontecido eu tê-los eliminado sem querer, pensando tratar-se de Spam... Podes fazer o favor de os reencaminhar de novo para mim ?

Um bom fim de semana, camarada e amigo Tony. Vai gozando a tua reforma com saúde.
Recebe um abração do Luís


3. Comentário de CV

Caro Tony, esperamos as tuas notícias e as fotos da praxe.

Suponho que foste em rendição individual para seres colocado na Artlharia (BAC]em Bissau.

Hás-de contar-nos mais pormenores das tuas aventuras durante a tua estadia no mato, disparando aquelas velhas, mas eficazes peças.

Como diz o Luís Graça, gostaríamos de saber mais de ti, como por exemplo, o teu antigo posto militar, onde é a tua terra natal e outras coisas mais que nos possas contar.

Recebe um abraço em nome da tertúlia.
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 25 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3792: O Nosso Livro de Visitas (56): Paulo Botelho procura fotos da CCAÇ 2789, Guiné, 1970/72

Guiné 63/74 - P3985: Da Suécia com saudade (9) (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (9): Por que não fui desertor

Guiné > Região controlada pelo PAIGC, possivelmente na Região de Tombali, no Cantanhez > Visita de uma delegação escandinava às regiões libertadas (leia-se: sob controlo do PAIGC) > Novembro de 1970 > Foto nº 45 > Trabalhadores (inevitavelmente balantas) no cultivo do arroz. (Como é sabido, o sul da Guiné era tradicionalmente, e ainda é, o grande celeiro do país).
Sabemos hoje que parte da população controlada pelo PAIGC vivendo dentro do território da Guiné, nas chamadas regiões libertadas (estimada em 80 mil pelas autortidades portuguesas) tinha que ser reabastecida, em arroz, alimentação-base, por não ser autosuficiente. A Inter-Região Sul (à excepção da Frente Bafatá/Gabú Sul) era auto-suficiente na produção de arroz, enquanto a Inter-Região Norte era deficitária.
O fotógrafo norueguês Knut Andreasson e antiga deputada e ex-Presidente do Parlamento sueco, Birgitta Dahl, juntamente com uma delegação sueca, visitaram, a convite do PAIGC, as regiões libertadas na Guiné-Bissau, em Novembro de 1970. Nessa visita tiveram a oportunidade de falar com Amílcar Cabral, na sua casa, entre a sua gente, e obter um conhecimento mais aprofundado da luta pela independência.

Andreasson e Dahl fizeram mais tarde um livro, em sueco, sobre a sua histórica viagem. O Andreasson, por sua vez, fez uma exposição fotográfica com o objectivo de informar a opinião pública dos países nórdicos sobre a luta do PAIGC.

Não só a exposição, mas como a maioria das fotos deste período foram, posteriormente, doadas ao INA - Instituto Nórdico para a África [NAI - Nordic Africa Institute] pela viúva de Andreasson, entretanto falecido . A exposição foi doada à Fundação Amílcar Cabral pelo INA e apresentada por Birgitta Dahl, ex-presidente do parlamento sueco, por ocasião da celebração do 80º aniversário do nascimento do Amílcar Cabral, em Setembro de 2004.

As fotografias tiradas por Knut Andreasson mostram a vida do dia-a-dia das populações e dos guerrilheiros do PAIGC, nas chamadas regiões libertadas. No sítio do NAI, diz-se expressamente que, sendo a Guiné um intrincada rede rios e braços de mar, "a canoa é um importante meio de transporte nestas regiões, tanto mais que os portugueses fizeram explodir (sic) a maior parte das pontes existentes"...

Não há, contrariamente às fotos do húngaro Bara, qualquer alusão à utilização de napalm contra as populações civis, por parte da Força Aérea Portuguesa.

Uma das célebres fotos de Bara István, o fotógrafo húngaro que esteve 'embebed' com forças do PAIGC, no mato, em 1969/70. (Hoje é um vulgaríssimo fotógrafo comercial). Nesta imagem, da sua fotogaleria, mostram-se os efeitos do napalm. É difícil provar ou negar a sua autenticidade. Presume-se que seja uma vítima dos nossos bombardeamentos.

(A foto ilustra um dos poemas do nosso José Manuel Lopes, que está neste momento a atrevessar a Gâmbia, de regresso a casa, com mais malta da Expedição Humanitária 2009 que foi á Guiné-Bissau). Não se diz exactamente onde foi tirada. A legenda (em húngaro) é a seguinte: Bara István: Napalm áldozata [vítima de napalm, traduzindo para em português].Guinea-Bissau, 1969. Julgamos tratar-se de uma imagem copyleft... De qualquer modo, reproduzimo-la com a devida vénia e agradecimento ao autor e citando a sua página (comercial). Foto: Foto Bara (com a devida vénia...)
Retomando o sítio do INA - Instituto Nórdico para a África, faz-se igualmente referência à histórica taxa de analfabetismo ("mais de 99% da população era analfabeta, quando a luta começou em 1963"), daí a importância atribuída pelo PAIGC à educação. Várias fotografias mostram escolas no mato, tanto para crianças como para adultos adultos.
É referida então "a existência de 75 dessas escolas, sendo uma das primeiras a Escola Piloto em Conacri". É referido também o novo manual escolar, financiado por estudantes noruegueses e impresso na Suécia (*). As imagens, disponíveis no sítio da NAI, mostram também aspectos da organização sanitária do PAIGC e da vida comunitária, de resto em maior núemro do que as fotos de guerra...

Recorde-se que o
Nordic Africa Institute é uma agência dos países nórdicos, com sede na Suécia, em Upsala.

Fonte:
Nordic Africa Institute (NAI) / Fotos: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a competente autorização do NAI ou INA,. dada por escrito ao editor) (As fotografias tem numeração, mas não trazem legenda) (LG)

1. Mensagem do José Belo, ex-Alf Mil, CCaç 2381, Guiné/68-70/, Ingoré-Buba-Aldeia Formosa-Mampatá-Empada, hoje Cap Inf Ref, na diáspora, na Suécia (**) [Não possuímos infelizmente qualquer foto do José Belo]

(Peço desculpas aos camaradas por erros ortográficos resultantes de dislexia, que, aparentemente, se vai agravando com o passar doa anos, não tendo o meu computador sueco possibilidades de correcção automática da língua portuguesa).
[Revisão e fixaçãop do texto, bem como bold, a cor: Editor L.G.]

Surpreendeu-me que um senhor jornalista português necessite de esclarecimentos quando descreve a guerra colonial em generalidades incorrectas e falaciosas. Não sei a idade ou experiências de vida do sr. jornalista (***), e tenho que reconhecer que, afastado há já muitas décadas do meu querido Portugal, talvez me seja difícil de compreender determinadas "evoluções" descritivas.

Sou um, entre milhares, dos que combateram na Guiné ao lado de Camaradas de todos os recantos de Portugal, e sem nunca esquecer os Guineenses que envergavam com orgulho fardas portuguesas (estes não só ao nosso lado, mas muitas das vezes, literalmente à nossa frente!).

Como tão bem escreveu, na Tabanca Grande, Diana Andringa, não se deve ferver em pouca água, ou perder perspectivas de fundo. Mas não é fácil perante o simplismo do sr. jornalista. Na guerra colonial, como infelizmente em todas as guerras, existiram massacres. De ambos os lados. E que se não esqueça Angola/61! (****). E, apesar de qualquer massacre ser sempre um massacre a mais(!), se tivermos em conta os três teatros de operacões, o número de forças em presença e a duração do conflito, foram miraculosamente poucos!

A esmagadora maioria de nós, os que sacrificaram a juventude em guerra de antemão politicamente perdida, procurou ajudar de alma e coração as populações locais. Como felizmente muitos ainda estamos "vivos", os srs. jornalistas que não saibam...tenham a humildade de perguntar!

Se me desculparem o "pessoalismo", recordo o ano de 1980, quando ainda havia um relativamente grande interesse por parte da sociedade sueca para com os acontecimentos relacionados com Portugal da guerra colonial e de Abril.

Fui procurado por um grupo de jornalistas suecos que, sabendo ter eu sido o Oficial de Segurança e representante do MFA no Depósito Geral de Material de Guerra de Beirolas, procuravam alguns detalhes de histórias relacionadas com acontecimentos dos anos 74/75 passados...do outro lado dos espelhos!

Um deles, representante de um conhecido jornal de esquerda do Norte da Suécia, Norlandsk Flamma, perguntou-me com ironia evidente:
- Se eram assim tão contra a política governamental porque é que cumpriam o serviço militar em África e não desertavam em números substanciais?

Confesso que, no momento, senti vontade de lhe explicar que tendo passado todo o PREC numa guarnição em plena cintura industrial de Lisboa, tinha mais do que um curso completo em grupos, grupelhos e tudo o que de esquerdalhada se tratava quanto a perguntas provocadoras!
Mas como explicar-lhe o facto de, desde o nascimento, nos colocarem sobre os ombros os tais quinhentos anos passados de colonialismos épicos?

Como explicar que desde o Minho aos Açores, todos tínhamos Bisavós , Avós, Pais, Tios Irmãos, Primos, Amigos, conhecidos que cumpriram o seu servico militar algures no império?

Como explicar que o meu Avô, Republicano e anti-salazarista convicto, se orgulhava de ter defendido o Norte de Moçambique aquando dos ataques Alamães da primeira guerra mundial?

Como explicar que o meu Pai estivera voluntariamente como médico no Norte de Angola aquando dos massacres de 61?

Eu, que pretenci aos democratas do antes do 25 deAbril, … desertar? Quando todos os que conhecia com idades próximas da minha se encontravam algures em África?


Por infeliz ignorância, ou produto do nosso forçado isolamento cultural, o desertar era identificado como cobardia para com a Pátria, e não como uma legítima forma de luta política contra o regime. E, francamente, acabaram por ser bem poucos os que o fizeram… por razões extritamente políticas.

Procurando situar-me ao nível da ironia barata do jornalista sueco, nascido, criado, educado numa sociedade livre que não participa em nenhuma guerra nos últimos 360(!) anos, decidi procurar dar alguns detalhes da sociedade da minha Lisboa dos anos sessenta.

Acreditaria ele que estavam colocados polícias da segurança pública à porta dos liceus femininos de uma capital do Ocidente Europeu para afastar (menos delicadamente) os pobres dos namorados de 15/16/17 anos de idade quando as iam esperar à saída das aulas?

Acreditaria ele que a sra. Reitora do Liceu Maria Amália de Lisboa percorria os recreios com uma régua na mão medindo o comprimento moralmente adequado das saias e batas das meninas?

Compreendia ele o que lhe queria mostrar com estes ridículos exemplos de uma sociedade que hoje nos parece incrível?

Serão respostas deste tipo, e deste nível, que o sr. jornalista português necessita para melhor compreender… "enquadramentos"?

Estocolmo 1/3/09.

Um grande abraço amigo para os Camaradas
__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 23 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3928: PAIGC: O Nosso Livro da 1ª Classe (Manuel Maia, 2ª CCAÇ / BCAÇ 4610, Cafal Balanta / Cafine, 1972/74)

(**) Vd. postes do nosso compatriota e camarada José (ou Joseph) Belo:

17 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2954: A guerra estava militarmente perdida? (18): José Belo

6 de Agosto de 2008 >Guiné 63/74 - P3115: Blogpoesia (22): No mesmo navio, piscina e música em camarote de 1ª, suor nos porões...(José Belo).

(***) Vd. poste de 24 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3935: O Spínola que eu conheci (2): O artigo da Visão e o meu direito à indignação (Vasco da Gama)

(****) Veja-se o comentário do Jorge Fontinha, que hoje vive na Régua, e cuja guerra começou bem cedo, aos 12 anos, em Nambuangongo (na Guiné, for Fur Mil Inf, CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, CCaç 2791, Set 1970 / Set 1972) .

Eu sou dos que criticam a política Ultramarina de Salazar. Senão fosse ele ter ignorado quem por diversas vezes o aconselhava, na resolução dos problemas Ultramarinos, antes de 1961, a Guerra nem sequer tinha começado.

Já não estou de acordo dizer-se que os militares Portugueses praticaram massacres e tenham sido os únicos.

Infelizmente tinha eu 12 anos, quando a exemplo de outras, a fazenda do meu pai em NAMBUANGONGO, foi massacrada e lá ficou o meu único irmão morto à catanada. Nove anos mais tarde fui militar na Guiné e em zonas de intensa actividade operacional.

Que tenha sido do meu conhecimento, não vi massacres nossos. Sei que houve e sobretudo em Moçambique algumas acçõess desnecessárias. Talvez na Guiné possa também ter havido algumas semelhantes. Todavia se vamos falar de massacres comecemos pelo 15 de Março de 1961!

Os meus cumprimentos à Diana Andringa, jornalista com "J" grande, que ao londo dos anos aprendi a respeitar.É um exemplo a seguir pelos seus colegas.

Jorge Fontinha

Outro combatente, que andou por Angola, Júlio Pinto, membro da nossa Tabanca Grande, também ironiza:

Li agora, no blogue, o parágrafo do artigo da Visão e fiquei convencido de que a juventude que andou na guerra do Ultramar, andou lá a fazer tiro ao alvo aos elementos das populações locais e depois, para justificar que andavam na guerra, desataram a disparar uns contra os outros.

Fizeram explodir minas só para inglês ver e espetaram com as viaturas umas contra as outras, para dizerem que foram minas.

Então de acordo com esta atitude, morreram milhares de jovens, desapareceram em combate outras dezenas deles e milhares de muitos outros são hoje deficientes das forças armadas.

Claro que o jornalista que escreveu esta aberração de artigo, no tempo em que por lá andávamos, ainda devia andar no c... dos franceses. [Ele] evia ter lá andado, como nós, e com alguns de nós, que passaram as passas do Algarve, sem ter de comer, com água da pior qualidade, muitos sem sequer terem material de guerra, para poder responder ao IN (inimigo para ele saber o que isto quer dizer).

Não há dúvida, nós fomos os maus e os outros foram os bons. No entanto são os maus da fita que organizam expedições, como esta que partiu agora de Coimbra com destino à Guiné, para levar algo útil àquele povo.

Pergunto onde estava a Visão que deste belo acto não viu nada? O que este jornalista merecia sei-o eu (...). Além de tudo, (...) só demonstrou uma enorme falta de respeito por uma geração que deu tudo à Pátria.

Júlio Pinto
Ex-Combatente em Angola
como 2º Sargento de Artilharia
pinto.jvp@gmail.com

Vd. último poste da série de: 24 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3512: Da Suécia com saudade (José Belo, ex-Alf Mil, CCAÇ 2381, 1968/70) (8): Proposta de Bordel Móvel de Campanha...