terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5522: Estórias cabralianas (57): As duas comissões do Alfero... ou a sua dolce vita em Bissau, segundo a Avó Maria e a Menina Júlia (Jorge Cabral)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > Cais do Xime, na margem esquerda  do Rio Geba > Meados de 1970 > O nosso Alfero que  também poderia ser um bom guarda-marinha... (Em segundo plano, uma LDG).

Foto: © Vitor Raposeiro (2009). Direitos reservados.

1. Mensagem do Jorge Cabral:

Amigos!



Há tempos o Luis enviou-me uma fotografia. Parecia reconhecer-me. Olhei e constatei. Sim, ia escrever, fui eu, mas não, sou eu.


O bébé de caracóis, o adolescente sonhador, o alfero apanhado, o pai babado, o jurista atípico, o professor afectuoso, sempre eu. Nem dei pelo tempo e só no outro dia, reparei que tinha envelhecido. Estava no Bar da Universidade e ouvi uma aluna a perguntar a outra:
- Sabes se o velhote do Penal já chegou?
- Velhote, eu?

Pois então, há que assumir e desvendar os labirintos da memória!


Abraços Grandes

Jorge Cabral

2. Estórias cabrialianas > As duas comissões do Alfero (*)
por Jorge Cabral


A foto do Alfero, fardado de Alferes, no cais do Xime, comprova o que Avó Maria sempre disse. O seu neto Jorge deu-se muito bem na Guiné. Até porque, para ela, nunca saiu de Bissau, que devia ser igual à Lourenço Marques dos anos trinta, quando por lá passou. Essa a razão porque o Alfero, cumpriu simultaneamente duas comissões, uma em Fá e Missirá, outra na capital frequentando os bailes do Governador, os quais descrevia com pormenor em longas cartas, nas quais também falava das eloquentes homilias que ouvira na Sé Catedral.

Em resposta, a Avó Maria mandava sempre cumprimentos para o Senhor General e Excelentíssima Senhora Dona Helena, seus companheiros das termas e alertava o neto:
– Cuidado, lembra-te dos louvores do tio Álvaro.

Mobilizado para a Índia, Álvaro regressara feliz, com dois louvores, como ele dizia, dois bébés, filhos de mães diferentes, os indiozinhos, como ficaram conhecidos na família.

A Avó Maria vivia ali à Estrela na companhia da Menina Júlia. Ambas contavam mais de oitenta anos e era difícil descortinar qual a patroa, qual a empregada.

Quem cuidava de quem?

Analfabeta,  a menina Júlia escrevia através da Avó Maria e no Aniversário do Alfero enviou-lhe uma bonita gravata vermelha.  No bairro apregoava que o “nosso menino” estava óptimo, pois vivia num excelente S.P.M., o 5358 era dos melhores…

Neste Natal, eu que já vivi em muitos S.P.M.s, mando uma Mensagem para as duas:
- O “vosso menino” continua na vida, como nos bailes do Governador.

Dançando a Valsa….

Jorge Cabral

_________________
 
Nota de L.G.:.
 
(*) Vd. último poste desta série: 28 de Outubro de 2009 > Guiné 53/74 - P5172: Estórias cabralianas (56): Cum caneco, alfero apanhado à unha! (Jorge Cabral)

9 comentários:

MANUEL MAIA disse...

CARO ALFERO,


QUEM SAI AOS SEUS... NÃO É DE GENEBRA...

SE O TIO ÁLVARO TROUXE DOIS INDIOZINHOS...
TALVEZ PRECISASSES DE UM GRANDE BARCO PARA OS AFICANOZINHOS...

MANEIRA BEM ENGENDREADA DE NÁO PREOCUPAR NEM A AVÓ NEM A MENINA JÚLIA,ESSA DOS BAILES NA CASA DO GOVERNADOR...

UM ABRAÇO
MANUEL MAIA

Carlos Vinhal disse...

Caro Jorge
O teu SPM devia ser lá para o 5.º andar. O meu era logo no 1.º, era o 1388.
Só tu poderias levar uma vida dupla em campanha e no bem bom de Bissau. Como te desdobravas, homem de mil facetas?
Com que mais nos surpreenderás?
Um óptimo Natal para ti, com a melhor saúde possível.
Um abraço do Vinhal

Anónimo disse...

Excelentes historias.
Um reparo. Quem está a envelhecer são as alunas.
"Nós" estamos sempre da mesma maneira. Sem farda, sem RDM, sem peluda, mas com muitas histórias.
E isso é a "vida".
Jorge Félix

Anónimo disse...

Jorge,

Cuidado com as valsas, que têm volteios, curvas e contra-curvas apertadas e, com a nossa idade... nunca se sabe...
Bom Natal...
Alberto Branquinho

Anónimo disse...

E o Alfero não disse tudo à avó: que tinha dançado com a Senhora D. Helena, a pedido do Senhor General, com problemas de artrose da anca.
Abrira o baile ao som do "Danúbio Azul", tocado a preceito por um conjunto composto por dois trompetes, trompa, bombardino, três clarinetes, tuba e bateria (todos da banda militar, fardados a rigor). É de louvar tal humildade do jovem Alfero!!! À meia-noite foi servido o "cup" acompanhado por uns docinhos feitos de propósito pelas prendadas filhas do Senhor General (não disse isto à avó, pois já calculava a resposta...). O Alfero estava perfeitamente enquadrado em todo o ambiente e a farda de gala (não confundir com a n.º 1, aquela parecida com a dos polícias) conferia o tom perfeito de "charme" e elegância àquele corpo juvenil de que se destacava a cabeleira farta e encaracolada. A banda - melhor, o conjunto musical - prosseguiu com dois pasodobles, tango, fox-trot e, por fim, um slow lânguido. Nessa altura, o Alfero pediu mudança de SPM.
Feliz e Santo Natal.
Abraço,
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

... antes dos pasodobles foi, naturalmente, o tango. É esta a ordem natural das coisas...
Abraço,
Carlos Cordeiro

Anónimo disse...

Jorge
Essa do velhote do Penal tá boa… não sabem elas da missa a metade.
Com os mimos da Avó Maria e da Júlia e manga de bajuda, estavas no paraíso.
Abração Henrique Matos

Hélder Valério disse...

Caro Cabral

Vejo (sei) agora que foste capaz de ter uma vida dupla (talvez até tripla, ou mais...).
Confessa lá que isso não é emocionante! Sei do que falo!
Um grande abraço
Hélder S.

Antonio Graça de Abreu disse...

Sempre brilhante, meu caro Jorge Cabral!
Da tua pena sai a grandeza da nossa pequenez, a eloquência dos nossos silêncios, um manual a ler e inventar da arte de saber bem viver.
Fortíssimo abraço,
Bom Natal, Óptimo 2010, para ti, para todos nós.
António Graça de Abreu