segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5464: O Nosso Livro de Visitas (74): O blogue não deve ser a Praça da Figueira (Salvador Nogueira, BCP 12, BA 12, Bissalanca, 1969)


«Guiné > Teixeira Pinto (ou Canchungo) > CAOP 1 > Talvez a única foto que temos, no nosso blogue, embora de má qualidade, do Cor Pára Rafael Ferreira Durão. "A caminho do almoço de Natal de 1971. Da esquerda para a direita respectivamente, Cmdt do BCaç 3863 (?), Cmdt do CAOP [1] Cor Pára Rafael Durão e Ten Pára da CCP 122". (*)

Foto e legenda:  © Jorge Picado (2008). Direitos reservados


1. Mensagem de Salvador  Nogueira, antigo oficial pára-quedista (Guiné, 1969 - estivemos juntos pelo menos numa operação em que foi aprisionado o roqueteiro do PAIGC, Malan Mané, em Agosto de 1969) (**).    Esteve também em Angola (BCP 21, com o meu amigo e conterrâneo Jaime Bonifácio Marques da Silva, em 1970/1972) e Moçambique, Nacala (BCP 32, onde esteve um ano e meio). É  assíduo leitor do nosso blogue.

Teve a gentileza, há tempos de mandar um livro seu, de short stories, com o irónico título de Notícias da Guerra Pitoresca (edição de autor, 2009), e com a sibilina dedicatória: " De um ponto  [?] algures entre os heróis do mato e os post-traumáticos. Para o Luís  em troca do 'Blogueforanada'. Com um abraço do Salvador". 

Para S. Nogueira,  que passou pelos três TO da guerra colonial (Angola, Guiné, Moçambique), "a guerra não é coisa delicada; falar dela também não"... Talvez por essa razão, ele nunca tenha até hoje aceite o meu  convite para ingressar na Tabanca Grande, preferindo o estatuto, mais independente, de leitor e comentador dos nossos postes...

Amigo Luís

Peço-te que faças um esforço para que o blog (uma notável iniciativa de que decorre a minha consideração por ti) não se converta num bastião de merdas post-seja-o-que-for (desculpa a rudeza da linguagem) ou num coio de heróico-desgraçados que levaram muita porrada e por conseguinte acham ter direito a opinião firmada. A distância no espaço e no tempo não apaga o enquadramento e cada soldado que esteve em África foi-o naquele período de que saca agora recordações, permitindo-se alguns um exacerbamento ou alastramento de opinião para a qual não se adivinham dimensão ou competência, pessoal ou militar, lá! naquele tempo, com as características pessoais de então e no ambiente condicionante de que será bom não abstrair.

É bom também lembrar, tentando evitar a subestima ou escamotear a competência de cada um in locu ou hoje, o que era então cada função, cada posto, cada unidade e cada zona de acção. É também bom reencaminhar os que não têm a noção do escasso significado do testemunho pessoal, subjectivo ou grosseiro, num processo que, como tens dado a entender, se pretende com algum alcance hsitórico, para além da dimensão que possa ter no apoio social e individual a dar aos combatentes da Guiné.

Um abraço

Que se me desculpe alguma insistência, em alguns casos.

PS - O Cor Durão foi meu comandante em Angola e por vezes andava a passear comigo na parada do BCP21, à noite, quando eu estava de serviço, reflectindo sobre a nossa acção em geral e, em particular, sobre a do Batalhão de Angola.

Não me considero apto a comentar a sua conduta e postura nem a sua acção de comando. Interrogo-me como é possível que um qualquer obscuro militar, sem conhecimento alargado visível, possa permitir-se tecer considerações e emitir juízos valorativos sobre um militar muito mais graduado, muito mais experiente e muito mais habilitado.

Se a questão fulcral tem a ver com a ameaça de chapada na cara ou de murro na tromba, então é simples - a ter acontecido, o Regulamento permitia que o militar comunicasse o facto. Lembro que actos de indisciplina, rebeldia, recusa do combate ou colaboração com o inimigo, etc. em campanha eram passíveis de procedimento muito mais expressivo que o tão malfadado murro nas trombas, o qual, ainda assim, era raro.

O blog não deveria ser a praça da figueira podendo ser todavia praça pública - é uma questão de nível e de qualidade da colaboração.

2. Comentário de L.G.:

Meu caro Salvador:

Embora a gente não se conheça (físicamente falando), já trocámos suficientes mails para ficarmos com um certa  ideia, virtual,  um sobre o outro. Inclusive, devo-te um almoço no bar do meu local de trabalho, a agendar para um dia destes em que venhas a Lisboa, no interregno do teu auto-exílio ribatejano.

Em contrapartida, tu tens a ligeira vantagem de me ver exposto, na montra do blogue de que és visita regular mas não membro, por razões que eu  não descortino mas que respeito. Como leitor, mereces a consideração de qualquer leitor, a que acresce o teu estatuto de camarada da Guiné. O nosso blogue, mal ou bem, é hoje mais do que o somatório de todos os seus membros (inscritos, os que pagaram simbolicamente a jóia de inscrição, e que o alimentam e mantêm vivo, todos os dias)...

Apercebo-me que há muita gente a ler-nos, uns que estiveram na guerra colonial (ou do UItramar, como queiras), outros que estiveram noutros TO que não a Guiné, ou que, tendo estado na Guiné,  optam pelo low profile ou não querem mesmo dar a cara (ou esperam a melhor oportuniddae para o fazer), e ainda outros (e outras), enfim, que por razões várias, afectivas, profissionais, circunstanciais ou outras,  acompanham a nossa produção bloguística...

Ao fim de quase seis anos de blogue (a festejar em Abril de 2010, se lá conseguirmos chegar), verificamos que muita gente, muita e desvairada gente nos lê, uns com alegria, outros com humor, com ironia, com afecto, com empatia (e outros nem tanto, invectivando-nos possivelemente por não fazermos o blogue dos seus, deles, sonhos, pesadelos, ideais, expectativas, causas, projectos, etc).

Também não gostaria, meu caro Salvador, que este blogue onde já "queimei"  7,5% da minha esperança média de vida (que é de 73 anos, para os homens da minha/nossa geração), se transformasse num "coio" [abrigo de malfeitores, esconderijo...] de quem quer que  seja, muito menos dos tais "heróico-desgraçados que levaram muita porrada e por conseguinte acham ter direito a opinião firmada"...

Em teoria (e, espero, na prática), aqui ninguém tem "opinião firmada" [leis-se: assinada, catedrática, definitiva...] sobre nada, no que diz respeito à guerra colonial na Guiné: causas, antecedentes, consequências,  protagonistas, heróis, vilões, grandes batalhas, datas-chave, etc.... Em rigor, ninguém deve (nem pode) impor o seu ponto de vista, muito menos a sua verdade ex-cathedra (leia-se: da cadeira de S. Pedro, da cadeira de catedrático, ou seja, valendo-se do cargo, função ou estatuto no antigamente da guerra...). Tu mesmo me chamaste a atenção, um dia,  para a aparente contradição entre o tratamento romano (tu-cá-tu-lá) entre "camaradas", mantido no blogue,  e o desfile de títulos, antigos ou actuais, militares, profissionais e académicos, com que adjectivamos os membros da Tabanca Grande, que em princípio são todos "amigos e camaradas da Guiné" (e ponto final)...

Por outro lado, sempre procurámos incentivar a criação, entre nós, de uma cultura de liberdade, verdade, rigor, frontalidade, responsabilidade... Há abusos, picardias, excessos verbais, insultos, tretas, comportamentos de bravata, fanfarronice, gente que faz bluff, gente que é menos séria (intelectualmente falando), gente que conta um conto e acrescenta um ponto, gente que não sabe discordar sem puxar pela G3, gente que se põe em bicos de pés, gente da Praça da Figueira (onde até aos anos 50 existiu o principal mercado da cidade de Lisboa...), gente da língua afiada e do argumento curto, gente que não dá a cara e se esconde atrás do baga-baga... ? 

Há, com certeza, pontualmente... Há, com certeza, mais até do que gostaríamos... Mas, ao fim destes anos eu tenho algum orgulho por o nosso blogue não se  ter tornado uma blogopeixarada... Muito menos, ainda a praça dos autos de fé, o muro das execuções sumárias, o palanque dos assassínios de carácter, a arena do combate político-ideológico, o megafone do pensamento único e do unanimismo,  a esponja da história dos vencedores, o muro de lamentações dos vencidos, e por aí fora...

Por isso é importante receber, periodicamente, sinais de aviso à navegação como os teus (e dos demais leitores)...  Sinais que são sempre bem acolhidos pelo timoneiro , espero, também pelo resto da equipagem...

Obrigado. Em contrapartida, ficas-me a dever a história do Malan Mané...  Um Alfa Bravo do paisano... Luís Graça.

___________

Notas de L.G.:
 
(*) 11 de Dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3597: O meu Natal no mato (13): De Cutia (1970) ao CAOP1, em Teixeira Pinto (1971) (Jorge Picado, ex-Cap Mil)

(**) Op Nada Consta, vd. post de 30 de Julho de 2005, I Série do Blogue  > Guiné 63/74 - CXXX: A CAÇ 12 em operação conjunta com a CART 2339 e os paraquedistas (Agosto de 1969)  (Luís Graça)

3 comentários:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Antonio Graça de Abreu disse...

Este comentário anónimo deverá ir para o caixote do lixo. Quando é que esta gente dá a cara ou o nome?
Não são de levar a sério, mas este comentário creio que é importante por isso, peço aos editores do blogue que o deixem ficar.
Porque
1º. Corresponde a uma certa maneira de pensar de gente invejosa, ressabiada, mentirosa e ignorante que de vez em quando manda atoardas no blogue. Há de tudo entre os camaradas da Guiné.
2º.Como é possível afirmar que um alferes pára-quedista, comandando trinta homens nas companhias mais operacionais da Guiné, (que iam a todas !) não fez mais do que gozar do ar condicionado dos gabinetes, etc.
É preciso ser um refinado filho da puta (desculpa lá, anónimo, sem rosto!, não estou a falar da tua mãe)para se fazer uma afirmação destas.
2.Andaste por Teixeira Pinto mas de certeza nunca entraste no edifício onde funcionava o CAOP 1, onde trabalhei durante sete meses, 72/73,com o coronel Rafael Ferreira Durão. Se me tivesses batido à porta, mandava-te entrar para te mostrar a excelência do nosso ar condicionado. Abria uma janela.Ar condicionado nunca existiu.
3. É verdade que o coronel Rafael Ferreira Durão quando perdia as estribeiras dava murros nos soldados. Ele tinha uma tese para se explicar. Dava um murro nos rapazes e resolvia logo o problema, sem participações, sem Regulamento de Disciplina Militar, sem punições. Ele não tinha filhos e dizia que todos os soldados eram seus filhos. Uma bofetada ou um murro era a forma de os educar.Qual foi o pai que nunca deu uma bofetada num filho?
Nunca concordei com esta "educação" e nunca gostei do coronel Durão boxeur. Mas ele era um grande militar, de enorme coragem, um valoroso cabo (coronel) de guerra.
Ainda quanto às bofetadas, na época (estamos em 1971/72/73) eram prática corrente entre alguns oficiais pára-quedistas e os seus soldados. Também vi oficiais do exército (muito poucos) agredirem soldados à bofetada. Correspondia a uma certa mentalidade da época. A tropa em 2009, com os nossos valores de hoje, e a tropa em 1972, com os hábitos de então, são realidades bem diferentes.
Felizmente evoluímos.
O anónimo fala em militares cobardes.
Cobardes são as pessoas que fazem comentários anónimos e se escondem, como bons cobardes, debaixo do anonimato.
Um abraço,
António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Sem dúvida grande militar com grande coragem.Quem o viu COMANDAR na Guiné,nao o esquece.Como se nao pode esquecer a sua total lealdade,mais tarde,noutras matas bem piores. Quanto aos pais darem bofetadas aos filhos...alguns haverá que o nao fizeram...aos seus próprios filhos.Mas,como pedagogicamente estariam errados(!)em o nao fazer Havia sempre algum senhor Professor,senhor Agente da polícide choque(ou da PIDE),e mais tarde,algum senhor Oficial,que,assumindo paternidades,muitas vezes NAO DESEJADAS pela "crianca" se encarregavam de exercer tal direito. Um abraco amigo do José Belo.