quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5436: Notas de leitura (43): Operação Mar Verde, Um documento para a história, de António Luís Marinho (Beja Santos)

1. Mensagem de Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Dezembro de 2009:

Carlos e Luís,
Aqui vai a recensão do livro sobre a Operação «Mar Verde», talvez o relato mais completo.

Agora vou ler o romance do Luís Rosa, que acaba de sair, para a semana dou notícias.

Um abraço do
Mário


A última grande batalha naval de Portugal

Beja Santos

Tudo leva a crer que Alpoim Calvão, um dos mais condecorados oficiais que fizeram a guerra colonial, não gosta de falar na primeira pessoa do singular. Logo em 1976, surgiu o livro “De Conacri ao MDLP”, Calvão deu uma entrevista onde falou largamente sobre a sua infância e juventude, a vida na Armada, a história das suas duas comissões na Guiné, o seu trabalho no Serviço de Informações que ele próprio criou e dirigiu até ao 25 de Abril, as actividades do MDLP, onde ele colaborou directamente com Spínola. Há hoje um conjunto de obras que referem as suas façanhas, certamente que Calvão aqui e acolá dá informações e presta esclarecimentos, mas não possuímos nenhum relato assinado pelo seu punho do que realmente se passou nos diferentes “golpes de mão” que ele liderou com tanto êxito no Sul da Guiné bem como na operação “Mar Verde”, destinada a inverter o curso da História, mudando o regime político da República da Guiné, onde se passaria a hostilizar o PAIGC, capturando ou aniquilando os seus dirigentes máximos. Calvão parece que cultiva o mito de deixar aos outros a narrativa do seu heroísmo.

Operação Mar Verde, Um documento para a história”, é muito provavelmente o relato mais completo sobre a Operação da invasão de Conacri, é desencadeada em 22 de Novembro de 1970 (por António Luís Marinho, Círculo de Leitores, 2005). Calvão não é alheio à obra, escrevendo a introdução, concedendo vários depoimentos que aparecem ao longo do livro.

O relato inicia-se com os dados curriculares de Alpoim Calvão, voltamos ao teatro de operações da Guiné em 1963 onde ele, como Comandante do Destacamento 8, se notabilizou. O autor revela o papel desempenhado pelo diplomata Luís Gonzaga Ferreira, colocado em Dakar em 1961, que tudo fez para sentar à mesa das negociações os representantes do Governo de Salazar com líderes do PAIGC. Descreve-se o início da luta armada (mais uma vez verificamos existir uma lacuna que ninguém parece saber preencher, e que é a explicação do sucesso organizativo que levou o PAIGC a conseguir a desarticulação do território, deixando-o dividido entre “zonas libertadas” e territórios sob influência portuguesa, entre 1963 e 1964), a desarticulação dos grupos guineenses hostis ao PAIGC, a participação de Calvão na Operação Tridente, a crescente capacidade de manobra do PAIGC, fortalecido por uma cena internacional onde a ONU condenava com cada vez mais vigor a política de Portugal em África. Em Fevereiro de 1969, Calvão desembarca de novo em Bissau. Spínola entusiasma-se com as suas propostas em atacar o PAIGC num ponto onde este é mais vulnerável, o controlo e a navegação nos rios. Nas Operações Nebulosa e Gata Brava, Calvão e os seus homens destroem embarcações, apreendem armamento, aniquilam tripulantes. O PAIGC, temporariamente, vê-se obrigado a reformular a sua presença nos rios do Sul da Guiné.

Em finais de Agosto de 1969, Calvão propõe a Spínola uma Operação altamente sensível: ir até Conacri, libertar os prisioneiros militares portugueses e destruir a força naval do PAIGC. De repente, o quadro de operação altera-se, Spínola anunciou a Calvão que elementos dissidentes do regime de Sékou Touré tinham solicitado apoio para um golpe de Estado. Foi assim que nasceu a Operação Mar Verde: apoiar um golpe de Estado e apear Sékou Touré, desmantelar as instalações do PAIGC, aprisionar Amílcar Cabral e libertar os 26 militares portugueses detidos nas prisões do PAIGC, também em Conacri. Silva Cunha opôs-se, Marcello Caetano deu o seu apoio. Em Janeiro de 1970, a Operação estava em marcha: estabeleceu-se na ilha de Soga (arquipélago dos Bijagós) a base operacional para treinos; Calvão percorreu várias cidades europeias acompanhado pelo inspector da PIDE, Matos Rodrigues, onde contactou dissidentes de Sékou Touré; nos bastidores trabalhou-se com esses dirigentes para formar um novo Governo de Conacri; recrutaram-se tropas em diversos países de África, como a Serra Leoa, Gâmbia e Senegal (ao que parece, ninguém reparou que os dissidentes eram líderes de opereta e que os militares não estiveram devidamente informados até ao fim do que é que iam fazer a Conacri; fabricaram-se fardamentos especiais para as tropas invasoras e comprou-se armamento em países do Leste.

O que se passou na ilha de Soga parece um romance de Kafka: para lá convergem uma Companhia de Comandos Africana e um Destacamento de Fuzileiros Africanos, duas centenas de rebeldes guineenses, os colaboradores de Calvão, quando estão todos juntos começam os protestos e descobrem-se várias lacunas. Algumas delas, ir-se-ão revelar fatais para o desfecho da Operação. Os Comandos Africanos mostraram-se reticentes em ir até à Guiné Conacri, o seu coordenador, o Major Leal de Almeida disse categoricamente que não ia invadir um país estrangeiro. É nesta atmosfera pesada que Spínola faz uma arenga às tropas, os barcos põem-se a caminho e pelas 9 da noite de 22 de Novembro, a força naval avista Conacri.

Como já se escreveu muitas vezes, encontrou-se o aeroporto às moscas (os temíveis MIG não estavam lá), desactivou-se a central eléctrica, quem ia procurar conquistar a emissora nunca lá chegou, os barcos do PAIGC foram todos destruídos, os prisioneiros portugueses foram libertados, nunca se encontrou nem Sékou Touré nem Amílcar Cabral (se bem que a sua residência tenha sido danificada, o que dá que pensar que tipo de captura se pretendia deste líder). A Operação semeou o pânico em Conacri mas Calvão, durante a madrugada, consciente dos grandes riscos de se manter numa cidade sem a poder conquistar, e estando abortado o golpe de Estado, mandou retirar, ainda por cima com uma baixa terrível que foi a deserção do Tenente Januário Lopes e dos seus homens. Mais tarde, os rebeldes da República da Guiné irão ser internados no seu próprio território, presos e executados.

Para o Governo de Caetano, iniciava-se um pesadelo diplomático. Sékou Touré deu jus à sua imagem de tirano diabólico, começaram as atrocidades, os interrogatórios iníquos e a caça às bruxas. Spínola ficou profundamente desapontado, percebeu que o fracasso iria ter consequências no curto e médio prazo: admoestou uns, enfureceu-se com outros, nasceu nesse momento a directiva para proteger Bissau de eventuais ataques aéreos, Spínola temeu retaliações. Calvão mostrou-se e mostra-se orgulhoso dos resultados, sobretudo face à libertação dos militares portugueses. Mas a factura diplomática foi pesadíssima, o PAIGC reacendeu os seus ataques e sentiu-se motivado a pedir armamento mais sofisticado dos países de Leste. Como se sabe, no início de 1972 começou a formação de pilotos aéreos, os soviéticos redobraram o apoio à preparação de futuros oficiais navais, chegou armamento mais sofisticado, anunciou-se a oferta de mísseis Strella, etc.

O livro de António Luís Marinho inclui um conjunto de anexos muito úteis para entender a evolução na guerra da Guiné a partir de 1970, a saber o documento “A solução do problema na Guiné”, de autoria do Comando-Chefe; diferentes relatórios da Operação Mar Verde, a Directiva da defesa de Bissau, na sequência da previsão de ataques aéreos, entre outros.

O livro ficará na propriedade do blogue.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Dezembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5425: Notas de leitura (42): Reportagem, Uma Antologia, de José Vegar (Beja Santos)

8 comentários:

Anónimo disse...

Caros Camaradas do Blogue

Não venho fazer considerações sobre esta análise ou resumo do livro.
Apenas queria pedir, principalmente aos camaradas que estão mais por "dentro dos arquivos" militares um esclarecimento.

Alguém me sabe dizer o que aconteceu ao então Major Leal de Almeida? Esteve ele internado no HMBissau?

Desculpem-me estas perguntas que formulo, mas eu que não conheci (?) este militar, guardei sempre no meu subconsciente a imagem de um Major que eu vi, numa minha curta estadia naquele HM, a pronunciar umas frases, que para mim me pareciam não fazer sentido, de que não estava maluco, pois a verdade é que tinham invadido Conacri!
É que eu também não fiquei maluco e esta imagem ficou-me gravada.
Gostava de não morrer com esta dúvida.
Abraços
Jorge Picado

Anónimo disse...

Caro Jorge Picado. Nao sei qual o verdadeiro "estado mental" do Sr.Coronel Leal de Almeida quando recusou a missao que Spínola lhe atribuiu em relacao a Conacri.Mas deveria estar próxima do "estado mental"que tinha ao JULGAR comandar o RALIS do ano 74/75. E esta última imagem tambem me ficou gravada,com as dúvidas respectivas. Um abraco amigo do José Belo.

Joaquim Mexia Alves disse...

Caro camarigo Mário Beja Santos
Sabes da consideração e sobretudo estima que te tenho, por várias as razões, uma das quais seguramente o facto de ter comandado o 52 depois de ti.

Não vou rebater nada do que dizes aqui, bem como noutros textos que tens escrito sobre diversos livros, especialmente aqueles que versam a guerra da Guiné, mas dizer-te o que sinto quando leio estas tuas intervenções.

É que, meu caro Mário, no meio de alguns elogios a alguns protagonistas vem sempre a tua visão dum PAIGC glorioso e vencedor, em oposição a umas pobres Forças Armadas Portuguesas derrotadas e incompetentes.

Aos “temíveis” armamentos, e “formidável” organização do PAIGC, opõe-se umas F. A. Portuguesas “desorganizadas”, fracas e em permanente derrota.

É a tua visão das coisas com certeza, mas que para mim não corresponde à realidade.

Muito mais haveria para dizer, opinião minha, claro, mas acho que fico por aqui.



Meu caro Mário, já tivemos esta discussão e não vou regressar a ela, mas não posso deixar de te dizer isto que aqui escrevo, para apaziguamento da minha consciência.

Recebe um abraço camarigo deste teu sucessor

JC Abreu dos Santos disse...

... ao recensor Mário António Gonçalves Beja dos Santos:
Apenas lido o título «A última grande batalha naval de Portugal», que escolheu para nos (re)apresentar a sua leitura da obra epigrafada, "prontos"... ali fiquei de pronto adernado.

Com que então, «grande batalha naval»! Onde? Na baía do Tumbo, frente ao molhe principal de Conackry?! E quais os contendores nessa tal "batalha naval"?! E quem ganhou, quem ganhou...?

Ó camarada recensor – e mui conhecido defensor do consumidor (já agora, e também, de blogs) –, já não nos bastam as suas soberbas e sucessivas massagens-ao-ego do ex-IN, acrescentando-lhes agora uma hipérbole desta grandeza?

Anónimo disse...

Como escreveu,com elegância:-"Ó Camarada recensor!" nao levará a mal que eu escreva:-Ó camarada comentador! Concordo quando V.Ex.pergunta:-Grande batalha naval? Será difícil de comparar com o heroísmo ,e sacrifício,dos marinheiros do navio Afonso de Albuquerque ´,ou da lancha Vega,enfrentando com coragem inimigo muito superior no ano de 1961. Mas quais os verdadeiros responsáveis que nao forneciam meios úteis de defesa a heróicos homens dispostos a tudo sacrificar pela Pátria? "Adernado"é bom termo ao considerarem-se as altas fachadas morais daquela medíocre ditadura. José Belo

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