domingo, 29 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5372: Agenda cultural: (49): Síntese da minha comunicação no Colóquio Internacional na Universidade dos Açores (Carlos Cordeiro)




1. A propósito da sua intervenção no Colóquio Internacional Representações de África na Universidade dos Açores*, que teve lugar entre os dias 26 e 28 de Novembro de 2009, recebemos estas duas mensagens do nosso camarada Carlos Cordeiro**:



Esta no dia 27 de Novembro de 2009:

Meu caro Carlos,
Obrigado por tudo. Foi um incentivo muito especial ter-te encontrado como amigo e ter feito outros amigos (muito em especial o José Câmara) para avançar com este trabalho que, afinal, irá crescer em fôlego. Agora pude dizer pouco: em 20 minutos diz-se pouco. Tinha, como se imagina, algum receio. Estava entre os "meus pares" historiadores (eu considero-me somente "aprendiz de historiador") que têm grandes reservas sobre esta coisa de apresentar uma comunicação exclusivamente baseada num blogue e recursos da Internet (como fiz gala de repetidamente afirmar).

No fim, o coordenador da mesa disse: "cuidado - não tentem fazer esta experiência em casa". Foi a brincar, evidentemente. Mas... lá estava um colega a defender(-me) que os historiadores de hoje não podem deixar de ter em conta os blogues, até porque, como são abertos, estão sujeitos ao contraditório. Uma colega de Estudos Culturais e Comunicação comentou que nunca tinha aberto qualquer blogue com um "livro de estilo" e regras de conduta ética como o nosso.

O Tomás esteve presente (aliás, também como técnico) e depois conversámos sobre a minha comunicação.

Correu bem, mas exigirá, para a publicação, de umas quantas noitadas. Oxalá não venha mais tarde a pagar caro estas aventuras...

Um abraço amigo do
Carlos


E esta, hoje dia 29:

Caro Carlos,
O prometido é devido! Segue um pequeno resumo da minha comunicação. Em 20 minutos não se pode dizer grande coisa e eu, ainda por cima, não falo muito depressa e gosto de cumprir o tempo que me dão, pois também sou rigoroso quando presido a este tipo de sessões. Além disso, quis também aproveitar para apresentar alguns dados sobre a participação de militares açorianos na Guerra do Ultramar.

Como poderás ver, não disse nada de especial para nós, que acompanhamos o blogue diariamente. Como estava entre historiadores profissionais e alunos, achei que devia trazer a debate esta importante questão dos relatos de guerra na "primeira pessoa", nas suas potencialidades e reservas.

Não houve críticas (expressas) à comunicação. As duas intervenções de assistentes foram no sentido positivo. Uma, salientando o facto de os historiadores dos tempos modernos não poderem alhear-se das informações dos blogues, até porque são espaços abertos e, portanto, sujeitos constantemente ao contraditório, e outra (muito positiva para o blogue) a destacar o ineditismo (pelo menos para a colega que interveio) de um blogue com "livro de estilo".

Para a publicação, irei então desenvolver a temática, apresentando exemplos. Vou ter que percorrer o blogue com cuidado.
Desculpa o arrazoado.

Um abraço


Síntese da comunicação do nosso camarada Carlos Cordeiro

O Dr. Carlos Cordeiro, num instantâneo, durante a sua intervenção

[…]
A ideia de apresentar esta comunicação surgiu-me depois de, por razões de ordem particular, ter consultado o blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, que passei a acompanhar assiduamente […].

Nesta comunicação procura conhecer-se e, talvez, numa fase posterior, avaliar-se a importância da “massificação” do acesso à Internet enquanto elemento enriquecedor do acervo de fontes históricas à disposição do investigador e, no caso concreto, para a história da Guerra do Ultramar […].

O blogue “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, constitui a II série do “blogue-fora-de-nada”, iniciado por Luís Graça, no ano de 2004. A partir de Abril de 2005, Luís Graça, como antigo combatente, começa a dar relevo especial à guerra na Guiné, acabando, a partir de Junho do mesmo ano, a blogue dedicado exclusivamente a assuntos ligados à guerra e aos ex-combatentes que ali estiveram em comissão militar[…].

A partir daí, não parou de aumentar a participação no blogue, do que resultou a incapacidade de armazenamento da informação – textos, fotografias, mapas. Ao fim de um ano de existência e com 825 entradas ou postes, passou a ser alojado noutro servidor, com o título “Luís Graça & Camaradas da Guiné”. Dadas as exigências do crescente trabalho de edição, Luís Graça passou a contar com três co-editores, também antigos companheiros (ou camaradas, na terminologia militar) da Guiné. Nesta altura, e já convencido da importância que o blogue vinha assumindo, o editor apelava:

Junta as tuas às nossas fotos, divulga e salvaguarda os teus aerogramas, cartas, relatórios, diários, documentos militares ou papéis esquecidos guardados no sótão, num velho baú, reconstitui as tuas memórias, recorda os sítios por onde passaste, viveste, combateste, sofreste... Ajuda os teus ex-camaradas a reconstituir o puzzle da memória da Guiné (1963/74)... Faz-te bem, a ti e a eles, a todos nós, ex-combatentes, portugueses ou guineenses... Além disso, prestas um pequeno serviço à geração dos teus filhos e dos teus netos... Para que eles, ao menos, não possam dizer, desprezando o teu sacrifício: "Guiné?... Guerra do Ultramar? Guerra Colonial? Guerra de libertação ?... Não, nunca ouvi falar!".

Como critérios éticos que os participantes devem respeitar, são defendidos, entre outros, os seguintes: respeito mútuo; partilha da informação; respeito pelo povo da Guiné e pelo “inimigo de ontem”, recusa da auto-culpabilização e da responsabilidade colectiva; não intromissão na vida política interna da República da Guiné-Bissau; respeito, acima de tudo, pela verdade dos factos; liberdade de pensamento e de expressão e respeito pela propriedade intelectual e direitos de autor3.

Feita a breve apresentação do blogue, convém ainda apontar alguns dados estatísticos:

- Até 23 de Novembro tinham sido publicados 5214 postes.

- No ano de 2008 foram publicados 1208 postes, número já ultrapassado no corrente ano. O número de tertulianos ultrapassa já as três centenas, cerca de 70% dos quais antigos alferes, furriéis e capitães milicianos.

Evidentemente que, como anteriormente se referiu, é elevado o número de páginas e blogues da Internet que se referem a assuntos da guerra do Ultramar e aos ex-combatentes. Considerámos este como exemplo, dada a sua relevância enquanto fonte para o conhecimento do contexto da guerra na Guiné, permitindo o cruzamento de informações, o acesso a fotografias de época, a consulta de relatórios (alguns confidenciais) o complemento ou correcção de informações oficiais (por exemplo, relatórios oficiais de operações) com as vivências de quem esteve no terreno, as condições de vida nos aquartelamentos, a convivência com as populações, tudo isto pontuado pelas recordações dos momentos de aflição e de descontracção. O que não há (salvo um ou outro caso sem relevância) é a reivindicação de actos heróicos próprios. O heroísmo, quando surge, é geralmente atribuído ao camarada do lado […].

Não estamos, naturalmente, perante fontes totalmente fiáveis. Grande parte da participação resulta de memórias pessoais, com as lacunas e imprecisões próprias da passagem de, no mínimo, 35 anos. Mesmo estas falhas são, amiúde, completadas e corrigidas por outros participantes, quer nos comentários, quer em novos postes, o que, em diversas situações, chega mesmo a despertar polémicas e controvérsias muito significativas, como, por exemplo, o caso da retirada (ou fuga, para alguns) de Guileje. Mas há também transcrições de diários de guerra e de correspondência nos fornecem informações “em cima da hora” […].

Seriam inúmeros os exemplos de textos e fotografias (algumas carregadas de dramatismo) que viriam, ao menos, abrir o debate sobre contextos e episódios da guerra do Ultramar como a historiografia os tem abordado […].

Saliente-se, por outro lado, que, mesmo tendo em consideração a liberdade de pensamento e de expressão como um dos valores defendidos pelo “livro de estilo”, o certo também é que se pede “respeito, acima de tudo, pela verdade dos factos”. E, neste sentido, a equipa editorial não se exime à responsabilidade de, em situações duvidosas, solicitar esclarecimentos adicionais aos respectivos autores.

Quanto às representações de África e dos africanos [tema geral do colóquio], “Luís Graça & Camaradas da Guiné” é riquíssimo. Se, por um lado, o relato das memórias factuais – situações de tensão e perigo, vida nos aquartelamentos, actividades operacionais, etc., são, em grande parte, carregadas de pessimismo, por outro, nas situações de descontracção, a escrita assume o carácter de quase fascínio por aquela terra e aquelas gentes. Isto, aliás, é bem patente nas viagens de saudade e solidariedade que muitos desses tertulianos fizeram e continuam a fazer à Guiné. A visão do povo é também a do carinho, estima e compreensão […].

Continuando esta viagem pelos caminhos da Internet, pude verificar que, quer quanto à quantidade quer quanto à qualidade, a informação disponibilizada possibilitaria, por exemplo, a elaboração de quadros sobre a participação de unidades militares mobilizadas pelos BII17 (Angra do Heroísmo) e BII18 (Ponta Delgada). O sistema de busca facilita, sem dúvida, a investigação. É evidente que os dados são retirados da Resenha Histórico-militar das Campanhas de África, da responsabilidade da Comissão para o Estudo das Campanhas de África, mas isto não lhes retira qualquer valor. Um outro recurso muito importante, também disponibilizado pela Internet é a lista de mortos na guerra do Ultramar.

Concluindo: o que se pretendeu com esta comunicação foi apresentar à discussão a possibilidade de aproveitamento de informações de blogues como fontes históricas, nomeadamente quanto às vivências de guerra, contadas na primeira pessoa, de centenas de milhar de portugueses que passaram pela guerra do Ultramar. Evidentemente que há o recurso a outras metodologias, como a realização de entrevistas, inquéritos, consulta da documentação existente no Arquivo Histórico Militar e nas unidades mobilizadoras, não esquecendo também a imprensa, etc.. É, no entanto, de ter em conta que, naqueles fóruns os participantes se sentem como “iguais” (no blogue que analisámos o tratamento é obrigatoriamente por tu e camarada) e, de algum modo, compreendidos e solidários e, portanto, mais “verdadeiros” no que relatam. Mas também estamos conscientes das fragilidades deste tipo de investigação e da necessária filtragem e crítica da informação. Além disso, a esmagadora maioria dos participantes tem um nível de instrução ou de posição socioeconómica que ultrapassa a generalidade dos militares que estiveram na guerra, já que são na sua maioria ex-furriéis e alferes milicianos.

Pretendemos também testar páginas da Internet sobre a guerra do Ultramar para procurar verificar o tipo e qualidade de informação que de lá podíamos aproveitar para um estudo sobre as unidades militares açorianas nos três TO. O certo é que, com algumas falhas sem significado, conseguimos obter informações sobre as unidades militares mobilizadas, os teatros de operações onde prestaram serviço, o número de mortos em campanha e concelhos de onde eram naturais. Não se trata da solução para o trabalho do investigador, mas de mais uma ferramenta de que pode servir ao historiador para desenvolver o seu trabalho.


Dr. Carlos Cordeiro, Professor de História Contemporânea na Universidade dos Açores, Ilha de S. Miguel, Ponta Delgada, usando da palavra.


2. Comentário de CV:

Face a esta fatia sintetizada da intervenção do nosso camarada Carlos Cordeiro no Colóquio realizado muito recentemente na Universidade dos Açores, na dupla qualidade de estudioso da História Contemporânea e ex-combatente na guerra colonial, onde salientou o papel do nosso Blogue como repositório de memórias dos ex-combatentes da Guiné, qualificando os nossos propósitos e salientando o modo como convivemos entre nós, só nos podemos sentir orgulhosos por esta exposição num meio especializado de historiadores. Foi aceite que os Blogues não podem ser ignorados como fonte de informação, principalmente quando, modéstia à parte, como o nosso, apresentam um grau de qualidade e veracidade comprovada, e discutida abertamente por todos os intervenientes e leitores. Todos os nossos depoimentos estão sujeitos à crítica e aos reparos, se algo que não estiver totamente de acordo com a realidade vivida então.

Por outro lado, estamos gratos ao Dr. Carlos Cordeiro, na sua qualidade de historiador, por levar até junto dos seus pares o conhecimento da nossa existência.

A partir de hoje devemos sentir ainda mais orgulho no nosso trabalho, e ganhar forças para prosseguir esta tarefa, que só terminará quando o último de nós já não souber sequer o seu próprio nome. As nossas memórias têm que passar para ciberespaço, quanto antes, para ficarem acessíveis a quem delas se quiser servir no futuro.

Em frente camarigos.

Aos que ainda não se apresentaram à Tabanca Grande julgando que as suas memórias são deprezíveis, convido a vir até nós, porque todos somos poucos e cada testemunho é um acontecimento que fará parte da História que alguém há-de compôr.
__________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5325: Agenda Cultural (46): Colóquio Internacional Representações de África na Universidade dos Açores (Carlos Cordeiro)

(**) Carlos Cordeiro é um ex-combatente em Angola, onde fez a sua comissão de serviço como Fur Mil At Inf no Centro de Instrução de Comandos, nos anos de 1969/71.
Vive em Ponta Delgada, Ilha de S. Miguel, onde é professor de História Contemporânea na Universidade dos Açores.

Vd. último poste da série de 25 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5341: Agenda Cultural (48): Lançamento do livro Era uma vez... Ciência e Poesia no Reino da Fantasia, de Regina Gouveia (José Teixeira)

3 comentários:

José Marcelino Martins disse...

Caro Carlos Cordeiro

Parabens pelo trabalho apresentado e pelos resultados obtidos.

Sem falsas modéstia, a nossa geração ajudou a fazer história, e hoje dedica-se a escrevê-la e, com o contraditório que é possivel. Só uma amnésia total ou um proposito negativo geral, podia inverter este propósito.

Entretanto, no lapso de tempo de, pelo menos, 35 anos, ajudou a construir este país, para o bem e para o mal.

É grato saber que este blogue, que tambem considero meu, é reconhecido além do nooso espaço.

Um abraço e fico à espera da "comunicação em papel", que continua a ser o "suporte" preferido.

Hélder Valério disse...

Caro Carlos Cordeiro

A modéstia em excesso também pode ser 'pecado'.
O Dr. Carlos Cordeiro fez, e a julgar apenas pelo resumo, uma exposição bastante clara e, quanto a mim, motivadora, para a assistência e para os especialistas, de como o novo mundo dos blogues não pode nem pode ser desprezado, ao mesmo tempo que dava uma visibilidade ao nosso Blogue, tornando-o incontornável para quem quiser debruçar-se sobre o tema da Guerra.
O Carlos Cordeiro receia que os seus pares não valorizem devidamente o seu trabalho...
Pois, a mim, parece-me muito bom e bastante bem conseguido.
Parabéns!
Um abraço e obrigado pela visibilidade que nos deste.
Hélder S.

Anónimo disse...

Caro Carlos Cordeiro,
Pela parte que me toca tenho que agradecer as palavras amáveis que me dedicas, em nome de uma amizade que, inocentemente, começou entre nós.

Ao ler a tua apresentação no colóquio, transferi-me para uma sala de aula e escutei o professor.

O teu trabalho é um hino a este blogue, e aos nossos camaradas.
Mas também é muito mais que isso.
É uma chamada de atenção para aquilo que será o futuro. Quase toda a informação histórica será concentrada e disponibilizada na internet.

Será uma história diferente, sobretudo porque será escrita por milhöes de intervenientes.
Duvidar disso, é não ter percebido a evolução da história, ou como essa foi sendo escrita ao longo dos anos.

Naturalmente que fico(amos)à espera dos teus novos trabalhos sobre a evoluçãao das tropas açoreanas na guerra do ultramar.

Um abraço amigo,
José Câmara