sábado, 28 de novembro de 2009

Guiné 63/74 – P5365: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (15): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Rotinas perigosas V

1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, enviou-nos a 15ª fracção das suas memórias. Esta sua série foi iniciada em 29 de Agosto p.p., no poste P4877.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 1965/67

Rotinas perigosas V e
Preparar o regresso

O tempo foi passando, custosa e demasiado lentamente, o Furriel Paio deslocou-se a Geba em serviço e, quando regressou, deu-me uma grande notícia ao informar-me que, em breve, iríamos ser rendidos. Logo informamos os soldados, solicitando-lhes que não dessem sinais disso para o exterior, nomeadamente junto dos soldados nativos que, de imediato, espalhariam a notícia.

No dia seguinte reuni o pessoal necessário, para ir verificar as armadilhas e certificar-me se os croquis que desenhara, estavam em conformidade com o as montagens realizadas e deixar tudo em ordem ao pessoal que nos viria render.

Deixamos o aquartelamento por volta das 10h00, em direcção à bolanha e atravessamos esta (nesta altura ainda seca). Havia ali uma pequena subida, que percorremos facilmente, e entramos na mata embelezada por algumas árvores de grande porte e basto arvoredo rasteiro.

Chegamos ao ponto de referência da primeira armadilha. Mandei o pessoal distribuir-se, metade par cada lado da picada e seguirem um pouco mais atrás, em relação à minha posição e comecei a contagem das passadas, seguindo escrupulosamente o delineado no croqui.Quando estava a duas ou três passadas da armadilha tive nova surpresa, pois o fio de esticar fora cortado novamente.

Senti-me deveras curioso, em me certificar quem seria o “artista” que cortava tão habilmente os fios, mas como estávamos para ser substituídos não voltei a rearmar a granada, acabando com a ideia de emboscar aquela zona.Continuei a progressão, em frente, para verificar a outra armadilha.

Uma vez chegado junto da mesma, verifiquei que o fio estava intacto. Como a granada estava colocada num lugar de difícil acesso, por precaução resolvi fazê-la explodir. Assim, coloquei-me a uns trinta metros e disparei-lhe um tiro. Eu tinha a certeza que lhe acertara, mas o que é verdade é que ela não explodiu. Então um dos meus camaradas disse: “O meu Furriel não acertou nada… eu atiro.”

O soldado disparou e... absoluto silêncio. Pensei cá para comigo: “Aqui há gato!”Mandei montar a segurança no perímetro, para me aproximar, cautelosamente, porque a granada semi-escondida, com mato à volta, que permitia que, por sua vez, estivesse contra-armadilhada pelo IN.

Pois se eu já estava surpreendido com o que tinha visto na primeira armadilha, ainda o fiquei mais ao constatar que os tiros que déramos, desfizeram a estrutura da granada em pedaços de aço, que se encontravam ali espalhados em volta e, para meu maior espanto, não tinha a cavilha de segurança nem a espoleta.

Mais pensei, naqueles elementos desconhecidos e suspeitos, que apareciam de vez em quando a rondar e a espiar os movimentos da Tabanca, sacando preciosas informações aqui e ali, e, posteriormente, brincavam connosco como foi o caso destas armadilhas, nitidamente anuladas por quem fora bem informado da sua existência e localização exacta.

A sorte deles é que eu estava para ser rendido e pensei: “Quem vier atrás de mim que trate desses gajos.”Regressei ao aquartelamento furioso e, durante o almoço, comentei o sucedido com o Paio, ao que ele me respondeu: “Amanhã vamos embora, deixa as coisas bem esclarecidas e dá todas as instruções à pessoa que ficar responsável pelas armadilhas.”

No fim do almoço deixei tudo em ordem e, em seguida, fui dar uma volta pela Tabanca, pedi a minha roupa à lavadeira que me disse ainda não a ter pronta, só dali a duas horas. Eu quero tudo prontinho hoje! – disse-lhe.Assim foi, passadas as duas horas lá estava eu e a roupa estava pronta. Paguei-lhe e regressei ao aquartelamento.

Há noite, depois de jantar o pessoal foi oficialmente informado, que, no dia seguinte (18ABR1967), de manhã cedo íamos ser rendidos. O Furriel Paio ordenou que todos metessem os seus haveres dentro das suas mochilas, porque íamos para Geba proceder ao espólio de todo o material de guerra em nosso poder.

Íamos regressar a Metrópole! Que grande euforia, gozada intensamente em pouquíssimo tempo, porque havia que arrecadarmos tudo nas nossas mochilas e zelar pela segurança durante essa angustiosa e infindável noite.

Pela manhã cedo, toca a pôr tudo em ordem, para entregar os “tarecos” ao pessoal que nos vinha render. Foi muito rápido, pois havia pouco para entregar, além de alguns géneros alimentícios, as armas de autodefesa, a enfermaria, as transmissões e a caserna com as respectivas camas.

Deixamos pelas costas, sem qualquer tipo de saudades Cantacunda, por volta das 09h30, tomamos o caminho de Geba, com paragem em Camamudo. Aqui chegados, fui-me despedir do pessoal da Tabanca e do Chefe de Posto, pois foi aqui onde passei a maior parte do tempo.

Tudo isto em grande velocidade, após o que continuamos até Geba, onde fizemos a entrega das G3, facas de mato, granadas de mão ofensivas e os colchões, que também nos estavam distribuídos e que eram de espuma, com coberturas que já estavam todas rotas devido às transpirações pessoais.

Depois dos espólios feitos já as viaturas estavam à nossa espera. Fomos informados que íamos para Fá Mandinga, esperar pelo barco.

Seguimos então viagem até pararmos em Bafatá, onde chegamos por volta da 13h00 e poucos minutos. Descemos das viaturas, rumo ao refeitório para almoçar e ainda bem, pois o estômago estava completamente vazio.

Acabado o almoço fui reunir o pessoal e dirigi-lo às casernas, onde íamos ficar instalados. As casernas mais não eram que uns barracões, na parte mais baixa de Fá, pois no alto da colina estava uma companhia ou um batalhão. Nós, os furriéis, ficamos logo à entrada do quartel, acerca de duzentos metros das casernas dos soldados. Ficamos espantados, pois nem uma arma nos foi distribuída, assim como aos soldados. Ali ficamos até ao dia 02MAI1967.

Passamos os dias a jogar à bola e, de vez em quando, dávamos uns passeios até Bafatá, onde comíamos uns petiscos e eu aproveitava para visitar os meus conterrâneos.

No dia dois de Maio, a seguir ao almoço mandaram-nos formar e subir para as viaturas. Carregamos os nossos “tarecos” na viatura destinada ao nosso pelotão e seguimos para Bambadinca, onde nos esperava o barco.

Uma Bor transportou-nos rio Geba abaixo, até Bissau, onde nos esperava o tão ansiado navio, “Uíge”.

Na Bor - Rio Geba -, na direcção a Bissau, onde nos esperava o Uíge, para regressarmos finalmente à Metrópole.

Chegamos ao Uíge por volta das 16h00, subi as suas escadinhas estreitas, com uma caixa de madeira, onde levava várias recordações da Guiné e uma caixa de cartão grande. Fui instalar-me na camarata que me foi destinada e desci do navio.

Apanhei um barquito, para o cais, porque o Uíge devido ao seu grande calado, não podia encostar ao cais e fui comprar uma caixa exterior, para o meu rádio da marca Hitachi, comprado na casa Gouveia em Bafatá, em OUT1965, já que a que tinha, de origem, estava toda partida.

Voltei rapidamente ao Uíge, pois havia ordens do Capitão, para que todo o pessoal formasse antes do jantar, a fim de nos dirigir algumas palavras, o que foi feito.

Jantamos, fomos até ao bar beber umas cervejas e empatar uns momentos de conversa, até se acharem horas para irmos dormir.

Na manhã seguinte quando acordei, sentia-me indisposto, meio enjoado, devido com certeza ao constante baloiçar do barco, sujeito à normal ondulação do mar. Parecia-me que o enjoativo baloiçar, se devia sobretudo à pouca largura do Uíge, olhei pela vigia e reparei que já estávamos bastante afastados da costa terrestre.

No Uíge, a descansar depois de uma refeição. Reconheço os furriéis milicianos (da esquerda para a direita): um elemento de outra companhia, Eu, Cardoso, Vaqueiro, Leonel, António Luís e o Silva.

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Fotos: Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.
__________
Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série, do mesmo autor, em:


1 comentário:

Unknown disse...

Amigo Fernando Chapouto

Pela primeira vez encontro um camarada que confirma que em Fá Mandinga havia dois quartéis. Fá de
Cima e Fá de Baixo que foi onde eu estive até Abril de 67 antes da minha
Companhia ir para Madina do Boé e eu para Béli. De facto eram quatro barracões mas que comparados com as
instalações no mato pareciam palácios.
Armandino Alves
Ex 1º Cabo Enfº
CCaç 1589