domingo, 22 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5323: Estórias avulsas (17): Reencontro de irmãos (Armandino Alves)



1. Em 21 de Novembro de 2009, recebemos uma mensagem do nosso Camarada Armandino Alves, que foi 1.º Cabo Auxilitar de Enfermagem na CCAÇ 1589 (Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, 1966/68):


Camaradas,

Hoje lembrei-me de uma história, passada em Bissau, de que, de vez em quando, me lembro com alguma nostalgia e tristeza, pois apesar de na altura ter constituído para mim uma grande surpresa, não me foi muito agradável e, depois de ter conseguido ultrapassar alguma hesitação pessoal, decidi contar-vos.

Serve esta assim, como a modos de uma pequena homenagem ao meu, entretanto, falecido irmão.

Reencontro de 2 irmãos

Como já vos contei fui em rendição individual, para a CCaç 1589, que, naquela altura, se encontrava aquartelada no 600 em Stª Luzia.

Um dia estava eu na secretaria da Companhia (porque apesar de ser enfermeiro, gostava de ajudar o 1º Cabo Escriturário, o qual aproveitava esta minha “fraqueza” para se desenfiar), quando entrou um 1º Sargento, já de uma certa idade, que me perguntou pelo Comandante de Companhia.

Eu disse-lhe que o mesmo não estava, mas que se me dissesse o que desejava, eu poderia indicar-lhe a quem se dirigir.

Então o 1º Sargento contou-me a história que o levou ali: “Um soldado tinha escrito à mãe, a solicitar-lhe que lhe enviasse uma certa quantia em dinheiro, pois tinha partido a coronha de uma G3, e se não a pagasse ia preso.”

A mãe havia entrado em contacto com ele pedindo-lhe, para a informar se a história era verídica, pois não possuía a quantia solicitada e tinha que pedi-la emprestada.

Eu disse-lhe que não conhecia nenhum soldado nessa situação, mas se ele me dissesse o nome do homem, eu veria a que pelotão pertencia e chamaria o alferes.

O sargento acedeu à minha ideia e, tal como tinha combinado, chamei então o Alferes, que lhe disse que nada tinha acontecido com a arma desse soldado e que, o mesmo, se encontrava detido devido a problemas de deserção.

Depois do 1º Sargento se ir embora, fui ver a sua folha de serviço do soldado em questão e reparei que ele já tinha sido punido, salvo erro na Bateria de Artilharia Anti-Aérea Fixa, situada em Leça da Palmeira, por abandono do seu posto de serviço.

Daquelas instalações foi transferido para Viseu, onde, novamente, abandonou o posto de vigia e o quartel, tendo deixado a arma à sua responsabilidade encostada à parede da guarita.

Daí foi “despachado” para a Guiné, só não sei se com uma Companhia, se em rendição individual.

Quando li com mais atenção o nome dele e depois o da mãe, fiquei petrificado.

Porquê?

Eu sabia que tinha um irmão extra-matrimónio (resultado de “brincadeiras” do meu pai), que era mais novo do que eu, e que apenas havia visto uma vez, quando ele tinha 4 anos, numa altura em que a mãe dele o levou a casa da minha avó paterna, que foi quem me criou. Desde aí, nunca mais o vi nem soube nada dele, pois antigamente os assuntos desta natureza não eram motivo das conversas intestinas, em família.


Como no registo do nome do pai figurava “pai incógnito”, fui ter com ele à cela (na casa da guarda) e perguntei-lhe se ele conhecia o pai, ao que me respondeu que sim.

Perguntei-lhe se ele sabia o nome do pai e ele disse-mo.

Foi a minha vez de lhe dizer que eu era irmão dele.

Entretanto ele foi transferido para a prisão do quartel dos Adidos, à espera de julgamento e a minha Companhia foi movimentada para o mato.

Quando regressamos a Bissau, fui aos Adidos e ele tinha sido punido com 3 anos de cadeia.

O motivo do seu castigo penal deveu-se a ele ter mais uma vez desaparecido, dessa vez por 5 dias e meio, tendo justificado em tribunal a sua ausência devido a ir viver com uma negra, junto do quartel da Amura.

Foi assim que conheci este meu incumpridor e aventureiro irmão...

Depois de regressar à Metrópole e ter passado à peluda, já depois de estar empregado, a PM foi à sua procura e levou-o para Viseu, afim de ser julgado pelo abandono quando ali esteve.

Valeu-lhe a mãe ter alguns conhecimentos que o livraram desse julgamento.

Este meu irmão faleceu entretanto vítima de cancro. Deus dê paz à sua alma.

Um abraço,
Armandino Alves
1.º Cabo Aux Enf da CCAÇ 1589
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Nota de MR:

Vd. poste anterior desta série em:

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