quarta-feira, 4 de novembro de 2009

Guiné 63/74 - P5210: Nas eleições legislativas de Outubro de 1969, eu estava em... (1) Candamã (Torcato Mendonça)

Guiné > Zona Leste > Subsector de Galomaro > 2º Gr Comb da CART 2339 (Julho/Agosto de 1969) > Fotos Falantes II (9) e I (20) > Aspectos da vida do 2º Gr Comb, vindo de Mansambo, destacado em Julho/Agosto de 1969, para o reforço do subsector de Galomaro, incluindo as tabancas em autodefesa de Cansamba e Candamã. O Serra, guarda-costas do Alf Mil Torcato Mendonça, em cima, de toalha ao ombro na Tabanca de Candamã (FII, 9).

O Gr Comb do Torcato voltaria a Candamã, já no final da Comissão, em Outubro de 1969, no mês em que se realizaram as eleições para a Assembleia Nacional... Alguns militares foram votar a Bafatá, duas semanas da data, 26/10/1969, em que, no Continente, se realizava o acto eleitoral.

Foto: © Torcato Mendonça (2009). Direitos reservados.

1. Provoquei/desafiei o José:

José: Onde é que estavas nas eleições [legislativas] de 26/10/1969 ? Já em Bissau, à espera de embarque, estafando os últimos pesos ou acertando as contas da companhia ?... E será que votaste ? Estavas recenseado ? Lê o poste do João Tunes (*)... Abraço. Luís

2. Eu, por mim, já tinha explicado o meu caso, de expedicionário na Guiné, ainda periquito, de 5 meses, e já porrada q.b., à guisa de comentário ao poste do João:

(...) Os únicos que poderiam exercer o direito de voto, estando recenseados, seriam os funcionários públicos, civis e militares... No caso da tropa, os oficiais e os sargentos do quadro. Na minha companhia, a CCAÇ 12, que só tinha 50 quadros e especialistas, de origem metropolitana, não tenho ideia de os dois 2ºs sargentos, o Piça e o Videira, terem votado em 26/10/1969. Tenho ideia que em 50 cidadãos portugueses, só 3(!) eram ou foram eleitores (6%): o Capitão, eu e um cabo, o Quadrado (se não me engano). No entanto, posso estar a ser traído pela memória...

Noutras companhias e batalhões, o panorama não deveria ser melhor... Deveria manter-se a proporção de 6 para 100... A generalidade da população portuguesa não votava nem podia votar (havia limitações no que dizia respeito à capacidade eleitoral)... Por outro lado, num sistema de partido único e de "liberdade condicional", as oposições só podiam aparecer, timidamente, no curto período das campanhas eleitorais...

Os cadernos eleitorais, a campanha, o acesso aos jornais, à rádio e à TV, a organização de comícios e reuniões, a fiscalizaçáo do acto eleitoral, etc., deixavam muito a desejar... Mesmo em 1969, com a "primavera marcelista", que permitiu a eleição, na lista do partido do poder (a Acção Nacional Popular, substituta da União Nacional) de uma "ala liberal" (Pinto Leite, Sá Carneiro, Francisco Balsemão, etc.).

Os portugueses que nasceram em democracia, já depois do 25 de Abril, não são capazes de imaginar como eram esses tempos (...).


3. Primeira mensagem do José, que é a educação em pessoa:

Eu estava em Candamã. Tenho um texto publicado (estórias do José, um ou dois) é o P 2055, de 17 de Agosto de 2007 (**)

Recebi propaganda, devidamente disfarçada evidentemente e muita palavra cruzada eu teria que fazer...! Só embarquei a 4 de Dezembro de 69. Não me era permitido votar por razões óbvias e que escuso referir.

Votei, pela primeira vez no meu País Livre, a 25 de Abril de 1975. Não me envergonho de dizer que estava nervoso e limpei os olhos mais que uma vez. O meu filho mais velho ia fazer um ano em finais de Julho e eu tudo faria para a implementação da democracia. Há locais do meu País (nosso) onde, ainda hoje, me recuso a ir.

Já li [o poste] ao correr do rato. Aquele emblema... há igual aí em casa. Mas continuo a ser Republicano... Socialista (de certo PS) e... actualmente e, desde 30 do corrente aposentado... mas vou andar por aí!!!

Abraços, caro Luís... por certas "coisas" prezo tanto a Liberdade.

4. Segunda provocação do Luís:

José: Isto merecia um poste, se for um pouco mais desenvolvido/trabalhado... Pode ser ?

5. Segunda mensagem do José, sempre cúmplice, generoso, irónico, desconcertante, intimista:

Bem, isto era uma resposta à questão colocada.

Se vou escrever entro na política ou parece bazófia. No poste 2055 foco levemente e se for "colado"...??? Os militares votantes vinham perguntar-me porque eu não votava. Que respondia eu? Não posso abandonar isto. E quem é James Pinto Bull ?.. É um patriota que vai lutar na Assembleia Nacional, em Lisboa, por este Povo... Votem, bebam umas cervejas, comam e cuidado com as quecas, em Bafatá...

Oh camarada de armas e afins, se escrevo mais pareço que quero estar na montra...

Faz como quiseres. Disse o mesmo ao Vinhal e ainda anda por aí tanto escrito meu sem ver o prelo. Já nem tenho a certeza. Mas este tema tem interesse. Como as lutas académicas de 62 ou o Santa Maria em 61, andava eu , no 6º ou o avião a lançar panfletos e a PIDE à porta do Liceu de Beja a ver os sacos... O Reitor Galante de Carvalho não os deixou entrar porque, entre as pernas, tinha tomates...

E esta heim??? com que então a falar de politica....E o convite, recente da Ana, a minha, para ir a uma ilha...aí? Não!

Tantas estórias de minha vida. Agora vou sair e ver os gambozinos...é que houve uma batidela de carros e fiquei com dúvidas.

Abraços, caro Luís, do Torcato

6. Obrigado, José, utilizei métodos pidescos para obter o teu depoimento, mas agora já estás... fichado. Mas é público e notório que foste, durante antes, um cidadão empenhado no governo da tua cidade, eleito da lista do PS para a assembleia municipal do Fundão... Não tens que te explicar, muito menos pedir desculpa: o teu exemplo de cidadania, pelo contrário, só nos enobrece, a nós, antigos combatentes... Fico também a saber que, pela releitura do teu poste, que o acto eleitoral terá sido antecipado, na Guiné, talvez duas semanas antes do 26/10/1969, e que a tua rapaziada foi votar a Bafatá, como eu.

E quanto ao convite da Ana, da tua Ana, para ir à tal ilha, não hesites, José, que a vida é bela demais para a gente ficar a olhar para trás, a carpir o passado, e a ficar petrificado pela destruição de Sodoma & Gomorra... Vai, em boa hora, e manda-nos um postal ilustrado.

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 4 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5206: Efemérides (27): as eleições de 26/10/1969, as oposições democráticas (CDE e CEUD) e a escalada da guerra (João Tunes)

(**) Vd. poste de 17 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2055: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça) (7): Eleições à vista...

(...) Talvez, na segunda semana de Outubro, recebi uma mensagem da Companhia. Dia, talvez 10 ou 11, soldados… indicava quais… abandonam esse e serão rendidos por igual número idos deste. Motivo: participação na votação para as eleições a 13 do corrente...

Ainda me perguntaram porque não ia (só votei em 25 de Abril de 75) e o que haviam de fazer… votem, bebam uns copos em Bafatá e etc…

Chegado o dia, vieram uns e foram os votantes. Creio que no dia seguinte, estávamos em época de chuvas, levantou-se tremenda tempestade. Chuva, trovoada a merecer abrigo rápido. Fui para a tabanca dos géneros, enfermaria e mais o que fosse preciso. Estávamos a conversar, de repente ouviu-se um estrondo enorme. Parecia que o céu desabava e a terra abanava. Seguem-se sons menores e o grito – ataque. Fuga para valas e abrigos, ligeira confusão, gritos, dois ou três militares caídos no chão junto á árvore grande. Ao longe, correndo na nossa direcção, a gritar, vinha o furriel Rei e outros. Mau. Alto e para o ataque.

Que tinha acontecido? Uma descarga eléctrica, enviada pelo S. Pedro, bate na árvore – que protegia a cozinha, posto de sentinela, o meu refeitório e escritório, etc – faz ricochete, ou gera um campo eléctrico, destrói a antena horizontal do rádio, desce e, depois de o queimar, vai pelos fios accionando, em simultâneo, os seis fornilhos. Por isso aquele tremendo barulho. No abrigo só estavam granadas de RPG2 e outras munições não eléctricas. As da Bazuca 8,9 estavam noutro abrigo ou em Afiá. Sorte a nossa. (...)


(...) Saímos de Candamã a 24 de Outubro [de 1969 ] e não mais voltámos. Apesar das más condições, principalmente na época de chuvas, recordo aquela gente com saudade. (...)

3 comentários:

Luís Graça disse...

Já não me lembrava, José, que nas eleições de 1969, houve 4 (quatro) listas... Como costumava dizer o nosso velho António, Portugal era um país onde as eleições eram tão livres como na livre Inglaterra, cm a vantagem de não ser os vícios dos regimes parlamentares, demoliberais...

"As eleições legislativas portuguesas de 1969 foram as primeiras realizadas após a saída de António de Oliveira Salazar da Presidência do Conselho.

"Decorreram num clima de aparente abertura política, designado por 'Primavera Marcelista'. Realizaram-se no dia 26 de Outubro, tendo concorrido quatro listas: União Nacional, Comissão Eleitoral de Unidade Democrática, Comissão Democrática Eleitoral e Comissão Eleitoral Monárquica.

"A União Nacional elegeu a totalidade dos 120 deputados, obtendo 980 mil votos. As listas oposicionistas obtiveram somente 133 mil, não conseguindo eleger qualquer deputado para a Assembleia Nacional.

"Os trabalhos do novo Parlamento iniciaram-se em 25 de novembro de 1969 e terminaram com o fim do mandato em 1973"...

Em 1969, ainda era a velha União Nacional (UN), de memória... A Acção Nacional Popular (ANP) resultou de uma operação de cosmética, de reorganização da UN, na sequência do seu V (e último) congresso, realizado em Fevereiro de 1970, no Estoril. Marcello Caetano era já o Presidente do Conselho de Ministros de Portugal, de jure e de facto, desde 26 de Setembro de 1968, nomeado pelo Presidente da República face à incapacidade física permanente de Salazar.

Fonte: Wikipédia

> Eleições legislativas portuguesas de 1969

> Acção Nacional Popular

Anónimo disse...

Caros Camaradas Torcato e Luís
Não foi a primeira vez que votei, mas a segunda.
Tinha 32 anos, frequentava então o CPC e recordomo-me das conversas que, num certo núcleo maioritário dos então instruendos, havia sobre a CEUD e a CDE.
Por isso, quando num escrito que enviei em que falava nesse meu CPC salientei, que a maioria não estava nada convencida daquilo em que nos iam meter.

Votei em Ílhavo, minha terra, mas sabia perfeitamente que o meu voto não iria contribuir para eleger algum deputado, tal como tinha acontecido nas eleições para o Presidente da Republica em que concorreu o Gen Humberto Delgado.
Mas nessas, na mesa de voto da Vista Alegre que não era aquela onde eu votava, apesar dos "esbirros" quererem declarar a vitória do Almirante, foram obrigados pelo Governador Civil de então, Vale Guimarães, a colocar os verdadeiros resultados que eram em muito maior número par o General.
Escusado será dizer que poucos dias depois houve "uma fornada de gente de Ílhavo que marchou até Lisboa para umas férias forçadas".
Eles não perdoavam...e um dos informadores comia e bebia à "tripa forra" nas jantaradas em casa do meu sogro...

Foi só uma achega.

Abraços
Jorge Picado

Luís Graça disse...

Jorge:

Até parece que ainda temos alguma receio de falar destes tempos, felizmente idos, em que nos custava falar, em que as palavras eram escolhidas, contadas e medidas, em que as paredes tinham ouvidos, em que os nossos vizinhos, colegas e amigos eram bufos, em que havia polícia política que nos prendia arbitrariamente e espancava...

Nenhum de nós está a falar de cor, a nossa geração nasceu num país sem liberdade, e isto tem que ser dito, para que os nossos filhos e netos aprendem a amar e a defender a liberdade como um valor que não é natural mas que é tão ou mais precioso do que o ar que respiramos, ou a água que bebemos...

Este blogue, por exemplo, não seria possível em 1969, muito menos em 1965... Não por razões técnicas, mas por razões políticas. E nada está garantido de que daqui a 10 ou 15 anos, possamos aqui ou noutro lugar exercer o nosso inalienável direito de pensar pela nossa cabeça, de falar pela nossa boca, de agir pelo nosso coração e razão...

Obrigado, Jorge, pelo teu testemunho.