sábado, 17 de outubro de 2009

Guiné 63/74 - P5118: Memória dos lugares (48): Béli, Fá Mandinga e Madina do Boé - Independência & Objectos voadores (Armandino Alves)



1. Mensagem de Armandino Alves, ex-1.º Cabo Auxilitar de Enfermagem da CCAÇ 1589, Beli, Fá Mandinga e Madina do Boé, 1966/68, com data de 14 de Outubro de 2009:


O nosso Camarada Armandino Alves enviou-me um e-mail, no passado dia 14 de Outubro, colocando-me algumas questões muito lógicas e pertinentes, pelo que, pelo seu interesse, lhe solicitei a devida permissão para publicação no blogue.

O Armandino, anuiu com algumas reticências, dado algum desconforto da sua parte, face a recentes críticas que ele considera injustas e um tanto abusivas, sobre alguns factos que ele relatou em postes anteriores.

A sua mensagem dizia o seguinte:


Amigo e Camarada Magalhães Ribeiro,

Há certas coisas que estão embutidas em nós, que é difícil as pessoas livrarem-se delas. Mas com o tempo a gente vai-se tentando corrigir.

Quanto a publicares no Blogue o que te escrevi faz o que quiseres. Já sei que vou ser bombardeado, mas já estou vacinado contra isso, desde que as “bombas” sejam, pelo menos, bem educadas.


Gostava de saber pelo Patrício Ribeiro, se quando ele foi a Lugajole haviam vestígios de alguma pista de aviação, pois, em caso afirmativo, era sinal que ali houvera uma base do IN e que o objecto que víamos voar ia para lá.

Creio que, mesmo que houvesse nesse tempo algo parecido, passados estes 40 anos já deviam ter desaparecido todas as evidências.

Eu falo por Béli, pois a foto que ele mandou, se não fosse o abrigo do morteiro 81, eu não reconhecia nada nela, pois naquele local não havia vegetação, nem árvores, estava tudo limpinho e em terra batida.

Tínhamos uma pista de aviação a que pusemos o nome de Bélissalanca.

Era muito mais fácil a deslocação do IN para atacar Béli e Medina, pois ficava mais ao menos a meia distância.

Eu não me acredito que o inimigo viesse do lado de lá da fronteira, para dar meia dúzia de tiros e depois andarem cerca de cem quilómetros para regressar.

E mais, para terem instalada toda aquela mobília para o pessoal que assistiu à proclamação, tinham que estar lá há muito tempo e saberem que o nosso pessoal desconhecia por completo aqueles lugares.

A nossa aviação teve tempo para destruir aquilo tudo antes da proclamação, pois enquanto montavam os cenários, não havia dignitários de outras potências.

Já aqui li trocas de acusações de traição, entre nós - os “pequenos” -, pois, para mim, os verdadeiros traidores foram os que nos obrigaram a ir para a guerra e depois aqueles que decidiram entregar as ex-Colónias de mão beijada, e, ainda por cima, pedirem desculpa por qualquer “coisinha”.

Isto já vai extenso mas há coisas que custa a engolir.

Vou então às causas que me levaram a escrever hoje:

  • 2. Depois de ler a matéria que tem sido publicada no blogue, que tinha sido em Lugajole e não em Madina do Boé, como sendo o local onde foi declarada a independência da Guiné e que Lugajole ficava junto de Béli, resolvi consultar o mapa da Guiné no Google e fiquei admirado com o que constatei.

Afinal,  além de Béli,  o que tínhamos: do lado esquerdo – Pataque -, em frente e no caminho da Fronteira, surge-nos Ucha, Guissem e Balandugo e mais à direita, Lugajole, Dinguirai e Vendu Leidi (mesmo em cima da fronteira).

Eu hoje pergunto: 
- Estes sítios eram habitados? E por quem?

Enquanto estive em Béli, todos os ataques que sofremos vieram do lado esquerdo, com uma única excepção do lado direito.

Como nós não saíamos do aquartelamento, todo o terreno, em frente e nos arredores, era considerado como “terra de ninguém”.

Como também de Madina do Boé, as operações eram lavadas a efeito pela NT num raio restrito, todo o território que se situava em frente e nos arredores era, do mesmo modo, considerado “terra de ninguém”.

E chegado aqui pergunto: 
- E Lugajole não teria sido uma base do IN, que estava perfeitamente à vontade, pois, assim ninguém o incomodava?

Tenho lido muito sobre as grandes operações militares em vários locais da Guiné, e também intervi em algumas, mas, que eu saiba, nenhuma delas decorreu na região de Madina do Boé. E era uma região com centenas de quilómetros quadrados ao abandono.

  • 3. Agora falando do héli silencioso, de que já vos dei conta em anterior poste, depois de muito matutar e tendo em atenção, que se isso fosse verdade, eu teria que ouvir um ruído semelhante ao que, por exemplo, oiço, hoje, emitido pelos hélis do SNS e da Protecção Civil.

Mas que andava alguma “coisa” no ar, isso é uma verdade indesmentível e reportada identicamente por vários camaradas a estes anos de distância. Por isso, continuei a pensar sobre o que é que andaria lá em cima a voar, movimentando-se com uma luz vermelha e que deslizava silenciosamente.

Um destes dias veio-me à memória a 2ª Grande Guerra e os filmes, que todos nós já vimos mais do que uma vez, e reparei nos planadores que eram rebocados por um avião convencional, e que depois de atingirem uma certa altura e velocidade eram largados, e iam aterrar atrás das linhas inimigas, transportando tropas, equipamentos e munições, para reforçarem e reabastecerem as suas tropas da retaguarda.

Será que o mesmo não teria acontecido na Guiné?

A luz que se via deveria servir para que o pessoal em terra, que os esperava iluminasse o local da aterragem.

Reparem que isto é minha mera suposição, pessoal, reforçada, porque tenho em conta a localização de Lugajole e a rota que a “coisa” voadora levava.

Não me admira nada que fosse para lá, levando abastecimentos e, como a distância até ao raio de captação dos radares de Bissau era muito grande, nunca os detectaram.

Mas tudo isto são conclusões minhas e, que eu saiba, nada está escrito para corroborar estas ilações pessoais.

Um cordial abraço,
Armandino Alves
1º Cabo Enf CCAÇ 1589
_____________

Notas de M.R.:

(*) Vd. último poste da série em:

7 de Outubro de 2009 >

Guiné 63/74 - P5071: Memória dos lugares (47): Bambadinca, a bela Helena no meio de Oficiais & Cavalheiros (Passos Marques)

3 comentários:

Anónimo disse...

Camarada Armandino,como sabes todas as mentiras têm um pouco de vardade,mas em Bissau comentava-se que quando da retirada de Beli,um avião T6 teve de fazer uma aterragem de emergência na bolanha e que foi retirado,o equipamento mais ligeiro e que se incendiou a carcaça do avião,que têm isto de verdade?-Mais que voçês sempre tiveram problemas de abastecimento
até na tabanca,mas estranharam que quando estavam a preparar a retirada vos foram oferecer vacas?-
estranha conincidência,eo que o dito sabia da estrada estar toda minadaaté Nova Lamego, e que o dito cujo viajou no para choques do rebenta minas?-isto souo nas conversas de Caserna,que têm isto de verdade?-como vés muito do que nos chegava pode não ter nada a ver com a realidade dos factos.
Algumas vezes viajei de lancha pelo Cacheu e nós viamos de noite o helicoptero fazer viagens do Senegal com abastecimentos,eles sabiam que á noite não havia avião no ar,por isso a noite era deles.
Com Amizade,e consideração que deve nortear as nossas relações de
forte e fraterna Camaradagem,com todas as nossas diferênças,mas sempre unidos,na Defesa da Dignidade e Honra dos Nossos Camaradas que tombaram nas Bolanhas e Tarrafos da Guiné.
José Nunes
Beng 447 68/70
Brá-Guiné

Anónimo disse...

untseCaro Armandino,
Nós é que éramos os desgraçadinhos em tudo. Desde nós próprios ao sermos obrigados a ir para lá, até ao material que nos metiam nas unhas.(vá lá que nós enfermeiros se calhar até nem tínhamos muito que dizer). Mas no resto eles em relação a nós andavam na crista da onda. Também não admira, a serem fornecidos pela URSS,EUA,CHINA e outras potências europeias, era muito natural que tivessem tecnologia de ponta em tudo. Até parece impossível como ainda tiveram de ser os nossos CAPITÃES a dar-lhes a independência, enquanto que para nós não eram nada
meigos nas unidades em que os gramamos antes de irmos para lá.
Um grande abraço para todos do camarada e amigo,
ADRIANO MOREIRA - FUR.-ENF.CART.2412 BIGENE,BINTA,GUIDAGE E BARRO.
1968/70

Unknown disse...

Para o José Nunes

Em primeiro lugar quero cumprimentar-
te e agradecer o tempo perdido a ler os meus escritos.
Tenho a informar-te que em Béli não
havia bolanhas pois o único rio que havia a água dava-nos pela cintura e só no tempo das chuvas é que ele crescia mas não transbordava. O T6 não é do meu tempo mas do da Companhia que nos rendeu e essa é que foi retirada de Béli. O T6 deve ter aterrado na pista que havia no destacamento e como era muito curta
não dava para ele levantar. As Dornier para levantar ainda tocavam
na ramagem das árvores que havia no
fundo da pista. Há um poste algures
com a foto do T6 posta por um camarada que esteve lá.Quando fomos para lá levamos abastecimento,mas depois para reabastecer como era a época das chuvas nenhum transporte lá chegava.Em Dezembro fiz anos e a única bebida que havia era martini mas que acabou nesse dia.Depois só água do rio.Quanto a minas a estrada che-che Medina do Boé estava sempre minada,por isso é que morreu um camarada condutor de uma Fox que pisou uma mina e ele não trazia capacete de protecção e fracturou o crâneo com perda de massa encefálica. O apontador pouco sofreu a não ter sido cuspido para longe.

Para o Adriano Moreira

Meu amigo,ainda havia sítios onde
havia material, mas que por desconhecimento nós nem nos socorria-mos dele. Isto a nível de Cabos,pois os furriéis tinham conhecimentos mais avançados. Em Fá
Mandinga havia um atrelado sanitário com ferramenta até para operações, além de uma tenda. Mas para que nos servia isso se não havia pessoal para trabalhar com ela.Em Béli além de uma tesoura e umas pinças, um petromax a pedir a
reforma de tão negro estava o vidro, havia uma quantidade de garrafões de 1214, alcoól e compressas de gaze. Havia também
Peças de gaze para fazer compressas
e que nós utilizamos para fazer mosquiteiros. Depois o reabastecimento que durava meses a chegar. Consultas médicas num ano houve duas, e porque o médico teve de ir a Medina.Repara que não foram
os Capitães que lhes deram a Independência mas sim os Políticos
que nunca lá puseram os pés e altas
patentes que a única guerra que fizeram foi ver se o chorudo ordenado já tinha sido depositado na conta.A maioria dos capitães que
lá estavam no terreno eram milicianos.Por acaso o da minha Companhia e oficial de Carreira e foi para lá como tenente e só passado meio ano é que foi promovido a Capitão. Foi um grande Oficial.Numa grande operação que fizemos na mata do Saraoul ele na LDG sentiu-se mal e quando me chamou estava com 40º de febre. Adverti-o que não devia seguir além de Porto Gole, mas ele quando soube
que a Companhia ia ser comandada por um Oficial estranho,recusou e
disse-me que o tinha que pôr bom para continuar. Dentro dos meus parcos conhecimentos,lá consegui que a febre baixasse e depois segui todo o caminho atrás dele. Como esse houve poucos.

Aceitai um abraço deste camarada de armas
Armandino Alves