sábado, 3 de outubro de 2009

Guiné 63/74 – P5047: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (7): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Rotinas perigosas


1. Continuamos a publicar as memórias do nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda. Este é o 7º poste desta sua série, continuando os postes P4877, P4890, P4924, P4948, P4995 e P5027.

AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ 1965/67

Rotinas perigosas

Passados oito dias, sobre a terrível morte do nosso Camarada Fur Mil Tomé, fomos rendidos pelo 3º. Pelotão e seguimos para Geba. Aí todos nos perguntavam como tinha acontecido a morte do Furriel Tomé, ao que nós respondíamos que não tínhamos visto, e que apenas sabíamos que tinha caído numa armadilha.

O nosso 1º Sargento tinha abordado os Oficiais e Sargentos dos outros destacamentos próximos, para saber se eles colaboravam no pagamento das despesas do envio do seu corpo, para a Metrópole, e todos concordaram em ajudar.

O meu pelotão, como não podia deixar de ser, também concordou unanimemente em participar. Não me lembro quanto me tocou a mim.

Foi pena esta amostra de solidariedade e camaradagem não ter acontecido também com o soldado condutor, que faleceu, por afogamento, num despiste de uma viatura à entrada da ponte sobre o rio Geba. A viatura caiu ao rio tendo o infeliz condutor ficado preso e submerso, resultando ainda deste infeliz acidente vários feridos, com maior ou menor gravidade. Os restos mortais deste nosso Camarada, ficaram enterrados no cemitério de Bafatá.

O tempo em Geba era passado em passeios às voltas pela Tabanca, jogos de futebol e deslocações, de vez em quando, até Bafatá (quando é claro não haviam operações).

Em meados de Julho o IN atacou Sare Banda, por volta das dez horas da noite, já alguns soldados estavam deitados. Tivemos que nos levantar rapidamente, agarrar no equipamento necessário e saltar para cima das viaturas.

A coluna arrancou a grande velocidade e, quando nos aproximamos de Sare Banda, apeamo-nos das viaturas e desligamos os faróis. Com os olhos de “gato” atilados (como vulgarmente lhe chamávamos), avançamos à frente das viaturas com todas as precauções, porque ainda se ouviam alguns disparos.

O nosso capitão mandou então lançar algumas morteiradas nas direcções de onde o IN atacava a população, mas como não se levou o prato de assentamento do morteiro, o 1º Cabo tinha medo de segurar no dito tubo durante os disparos, pelo que, tive de ser eu a pegar-lhe e explicar-lhe como se devia fazer.

Conforme o tubo se ia enterrando com os sucessivos disparos, eu mudava-o de lugar e continuamos a enviar morteiradas, enquanto penetrávamos em Sare Banda. Montamos a segurança necessária em volta do arame farpado, enquanto o nosso capitão se inteirava da situação. Viam-se moranças incendiadas e alguns feridos. Tudo se calou à ordem do capitão.

Ao romper do dia fez-se o reconhecimento em volta do arame farpado, vendo-se apenas uns rastos de sangue nas redondezas e vários cortes no arame farpado.

Além disso, só constatamos alguns feridos ligeiros entre a população.

Findo o reconhecimento regressamos a Geba.

Três ou quatro dias depois de Sara Banda ter sido atacada, o meu Pelotão e uma Secção do 3º Pelotão, sob as ordens do Furriel Vaqueiro, saímos de Geba em diversas viaturas, e seguimos em direcção a Sara Banda, onde nos apeamos e fomos reforçados com uma Secção de Milícia de Sara Banda.

No dia seguinte, ainda cedo, arrancamos na direcção de onde tinham sido detectados rastos do IN. Seguimos até à bolanha e, depois de a atravessarmos em Sare Dembel, viramos para a esquerda. O mato era cada vez mais denso e de alto porte. Uns quilómetros à frente os guias e a milícia pararam.

Como eu ia logo atrás perguntei o que é que se passava, ao que eles me responderam que haviam visto uma armadilha. Depois de se tomarem todas as precauções e medidas de segurança, o capitão incumbiu-me da missão de ser eu a levantar a armadilha, em virtude de o furriel de Minas e Armadilhas do meu Pelotão, ter morrido em Junho.

Mandei distanciar todo o pessoal e fiquei sozinho, a armadilha era constituída por uma granada defensiva, que estava camuflada dentro da vegetação e com acesso difícil. Assim, tive que rastejar de costas, por debaixo dos ramos, até lhe chegar, muito lentamente. Virei-me com cautela, agarrei a granada e, ao mesmo tempo, a respectiva cavilha de segurança saltou. Como eu tinha a alavanca presa com a mão, não houve problema algum. Ainda tive algum receio ao introduzir a cavilha no seu lugar, mas, logo que o consegui, foi só enrolar o fio em volta da granada e metê-la no bolso.

Continuamos a marcha e um quilómetro ou dois adiante, outra armadilha foi avistada numa zona de fraca vegetação, no meio de uma grande clareira e mais uma vez o capitão ordenou que eu a desmontasse. Desta vez tudo foi mais facilitado, em virtude de o local se encontrar desprovido de vegetação e a granada estar instalada numa cova, no meio do capim, que ali era muito rasteiro. O fio encontrava-se elevado por meio de duas ganchetas, dum lado e do outro da picada, tive que agarrar na granada, enrolar o fio em sua volta e metê-la no outro bolso.

Comecei a pensar que estava sempre pronto para todo o serviço.

Continuamos a marcha sem encontrar sinais do IN, até que surgiram pegadas frescas e bocados de fruta deixados na picada. Entramos novamente no mato denso, pelo meio de árvores de grande envergadura. Quando todo o pessoal estava dentro da mata paramos, foi instalada a segurança, e fizemos uma pequena reunião com o capitão, o alferes e os furriéis, sobre as cautelas a tomar em virtude dos rastos avistados, porque sabíamos que o IN deveria estar por perto.

Estávamos nós ali reunidos em pé, no meio da picada, eu de frente para os restantes e eis que surge um elemento do IN, a uns trinta metros numa curva, em direcção a nós. Farda amarela, chapéu redondo da mesma cor, uma arma a tiracolo e com a cabeça baixa fixando o solo.

Quando eu tentei tomar posição de tiro, para lhe apontar a minha arma, o capitão e os outros como estavam à minha frente, ficaram surpresos e sem reacção, porque não sabiam o porquê da minha atitude. De repente o elemento IN desapareceu no meio do mato, penso que eles nem o viram.

Disse eu então: “Um terrorista”.

O capitão mandou-me disparar uma bazucada.

Continuamos o nosso avanço em direcção de onde ele havia surgido, que era a nossa direcção para Sinchá Jobel, da qual estávamos já muito perto. Quando desfizemos a curva, seguia-se uma grande recta, mas nem sinais do IN. No final da recta o capitão mandou a secção do Furriel Vaqueiro ficar para trás, emboscada no mato, para nos proteger se o IN viesse atrás de nós.

A uns cem metros aproximadamente, haviam umas grandes palmeiras e água corrente, pelo que aproveitamos para matar a sede, encher os cantis e descansar um pouco à sombra das mencionadas árvores.

Em frente havia uma grande clareira e em volta desta muitas bananeiras. O capitão estava a falar com os guias sobre qual a melhor direcção a tomar. Eu desloquei-me mais para a frente.

O IN, sem o sabermos, estava um pouco à frente das nossas posições, num pequeno declive espiando-nos, e ao aperceberem-se de quem era o nosso comandante (porque um guia inadvertidamente pronunciou o seu posto), lançou duas granadas de mão, uma na direcção do capitão e outra na minha, iniciando o ataque com rajadas de metralhadoras.

O nosso pessoal respondeu de imediato com disparos de G3 e morteiradas, durante uns dez minutos aproximadamente e o IN retirou sem deixar rasto.

Do nosso lado registaram-se dois feridos ligeiros, atingidos por estilhaços das granadas, um soldado da Milícia que estava junto ao Capitão, que ficou ferido num braço, e um soldado dos nossos que estava junto a mim. Felizmente, a mim, valeu-me estar a passar junto a uma árvore de grande porte, que me protegeu do rebentamento e dos estilhaços.

Comunicou-se com o Furriel Vaqueiro, para avançar ao nosso encontro e continuamos na direcção de onde vieram os disparos, uma grande clareira onde se viam muitos rastos no capim. Passamos a clareira e entramos numa bolanha profunda, como a água nos dava pelo peito, os mais baixos seguiam agarrados a uma corda, que tínhamos levado connosco. Mais uns quilómetros e avistamos as viaturas à nossa espera.

Regressarmos então a Geba, sem mais nada acontecer.

Mais uns dias de descanso, passeios pela Tabanca, jogos de bola, comer uns petiscos com umas cervejas a acompanhar e ir até Bafatá, visitar os meus conterrâneos - os irmãos Teixeira -, sendo que o mais velho, tinha uma drogaria em frente ao quartel e o mais novo, que tinha sido proprietário do restaurante “A Transmontana”, estava casado com a professora - D. Armanda Chaves -, da minha freguesia.

1 - Tampa Superior
2 - Tampa de Papelão
3 - Tampa da espoleta
4 - Eixo do percursor
5 - Mola
6 - Percussor
7 - Leather circlet
8 - Ranhuras de encaixe
9 - Corpo de conexão
10 - Pavio
11 - Segunda espoleta
12 - Detonador
13 - Primeira espoleta
14 - Parafuso
15 - Pino
16 - Alavanca
17 - Vista interna

(Continua)

Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426

Imagens: © Wikipédia (2009). Direitos reservados.
__________
Nota de MR:

Vd. postes anteriores desta série, do mesmo autor, em:

1 comentário:

Hélder Valério disse...

Caro Fernando
De facto as rotinas são sempre perigosas pela falsa sensação que induzem de que por sistematicamente não acontecer nada de anormal, de imprevisto dão a ideia que será sempre assim.
E, quando se "baixa a guarda", leva-se o murro (isto para continuar a usar a imagem do boxe) e muitas vezes de forma fatal.
Isso foi verdade "lá" e continua a ser verdade "cá" em qualquer aspecto da vida.
Agora uma àparte: não achas que já estavas a abusar assim "enfeitado" com tantas granadas nos bolsos?
Quer dizer, em vez de medalhas, coleccionavas granadas...
Um abraço
Hélder S.