sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Guiné 63/74 - P4938: Estórias cabralianas (54): O Alfero e as mezinhas (Jorge Cabral)


Guiné > Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Mãe fula com bebé ainda de leite . Foto do nosso saudoso Zé Neto (1929-2007)

Foto : © Zé Neto / AD - Acção para o Desenvolvimento. (2007). Direitos reservados.


1. Desde o ínício de Janeiro do ano da Graça de 2006, que o nosso Alfero nos vai deliciando periodicamente com as suas estórias cabralianas (estórias e não histórias, como ele faz questão de frisar contra os puristas da língua)... Como ele é um artesão da escrita, a sua produção é unitária, peça a peça... A produtividade é baixa, mas a qualidade é alta... Digamos que, com sorte, os nossos leitores têm o privilégio de saborear uma estória cabraliana por mês... Devagarinho, já ultrapassámos a meia centena... Hoje, para assinalar a rentrée bloguística, publica-se a nº 54... Obrigado, Alfero.


Mensagem do Jorge Cabral:

Caros amigos,

Aqui estou novamente a falar dos meus tempos da Guiné. Tempos que não foram nem os melhores, nem os piores da minha existência. Foram sim, diferentes. Como se naquele período, eu tivesse vivido numa galáxia distante, onde fui outro Jorge, se calhar mais real, se calhar mais autêntico… Claro que essa experiência me marcou e muitas vezes aquele Alfero regressa e faz das suas… como aliás o prova a história de hoje.

Abraços Grandes
Jorge Cabral


2. Estórias cabralianas (54) > O Alfero e as Mezinhas (*)
por Jorge Cabral


Nem um mês tinha de Guiné e já andava a experimentar todas as mezinhas recomendadas pelo Nanque (**). Bem, todas não. Nunca bebeu a primeira urina da manhã, remédio infalível para o estômago mas ainda no outro dia o receitou a uma distinta senhora, que calculem, se zangou com ele, por se pensar gozada.

Tomou porém todas as demais, desde afrodisíacos a um chá para a tristeza, que o deixou eufórico durante quase toda a comissão… Apesar de tantos tratamentos, a verdade é que o Alfero gozava de excelente saúde.

Apenas de vez em quando algumas dores de ouvido o acometiam, mas para estas, foi facilmente encontrado medicamento eficaz. Não à primeira com leite de cabra, mas à segunda com leite de mulher. Foi da Cumba Candé e pagou-lhe alguns pesos, o que motivou a vinda ao quartel de uma dúzia de mulheres, oferecendo os seus préstimos…

Mas o Alfero já estava curado… e para muitos anos, pois foi só há dois, que lhe voltaram a doer os ouvidos. Lembrou-se então da solução e, deparando na Almirante Reis com uma gorda mãe a amamentar o filho, nem hesitou, pediu-lhe um pouquinho de leite.

Pois não é que a mulher começou a gritar:
- Velho nojento! Depravado…

Claro que fugiu a sete pés… e nem tentou explicar. E explicar o quê? Solidariedade leiteira?

Jorge Cabral
3. Comentário de L.G.:

Meu caro Alfero: Desculpa a intromissão... e permite-me que cite um livro raro, de meados do Séc. XVIII, de que foi feita em 2005 um edição facsimilada e que eu tive o privilégio de prefaciar - Postilla Religiosa e Arte de Enfermeiros - para te confirmar que o teu Nanque, o teu terapeuta, estava perfeitamente actualizado, dominando os conhecimentos terapêuticos que existiam em Portugal, em... 1742 (data da edição do manual de formação dos nossos enfermeiros... militares, que na altura pertenciam à Ordem Hospitaleira de São João de Deus, tendo a sua sede no convento e hospital de Elvas).

Deixo-te aqui duas notas que são uma preciosidade (actualizei a ortografia portuguesa):


(...) "Tratado II. Arte de enfermeiros para assistir aos enfermos, com as advertências precisas para a aplicação dos remédios (p. 72)

(... ) Capítulo X. Dor de ouvidos com que se há-de acudir na ausência do Médico

"142. É mui singular remédio o mungir de uma mulher o leite do peito no mesmo ouvido do enfermo, pondo-lhe logo uma pelota de algodão em rama. Também é aprovado e pronto remédio o fumo de alfavaca-de-cobra deitando no ouvido três ou quatro gotas, e pondo-lhe a pelota de algodão" (p. 90).


Em matéria de leite e e suas virtudes terapêuticas, o tratado é peremptório:

(...) " 302. O melhor leite, e o mais proveitoso, é o de mulher; e se for preta, melhor; logo o de burras, depois deste o de cabras negras, ou ruivas, logo o de vacas, e o de ovelhas não havendo outro" (p.156).

___________

Notas de L.G.:

(*) Vd. as últimas cinco estórias:

28 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4750: Estórias cabralianas (53): A estranha doença do soldado Duá (Jorge Cabral)

(...) Quando uma noite, em Missirá [, o último destacamento de Bambadinca, a norte do Rio Geba, no Cuor,] o Alfero passava ronda, ficou estupefacto, ao constatar que todos os Soldados de Sentinela se encontravam acompanhados das respectivas Mulheres.- Mas que se passa? – indagou…- É por causa da doença! O Duá apanhou a doença do Victor!- Doença do Victor? (...)


22 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4723: Estórias cabralianas (52): Em 20 de Julho de 1969, também eu poisei na Lua... (Jorge Cabral)

(...) Na Guiné, há mês e meio, mas já em Fá, havia nessa tarde muito calor. O pessoal dormia e toda a gente procurara a aragem possível. Em silêncio, o Quartel repousava… Eu porém, em tronco nu, saíra, a caminho da fonte mais pequena. Resolvera isolar-me, para escrever, calculem, um poema… Lá chegado, ainda nem escolhera um poiso confortável, quando vejo surgir, não sei de onde, um vulto de mulher, apenas com uns panos, caindo da cintura. (...)



7 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4651. Estórias cabralianas (51): Alfero esfregador entre as balantas (Jorge Cabral)


(...) Tanto nas Tabancas Fulas como nas Mandingas, o Alfero actuava à vontade com as Bajudas, perante a complacência dos Homens e Mulheres Grandes… Aliás não ia além de um acariciar voluptuoso, acompanhado com promessas de encontros no Quartel. Na altura teria merecido o cognome de Apalpador. (...)

Em Novembro de 1969, visitou uma Tabanca Balanta, Bissaque [, a norte de Fá, ], e ficou deslumbrado com a beleza das Bajudas, designadamente peitoral…



3 de Junho de 2009 >Guiné 63/74 – P4455: Estórias cabralianas (50): Alfero, de Lisboa p'ra mim um Fato de Abade (Jorge Cabral)


(...) - Meu Alferes! Meu Alferes! Já chegou o Senhor Abade! - O cozinheiro Teixeirinha, todo eufórico, gritava, à porta do meu abrigo.
- Abade - pensei comigo - , o Puím?

Magro, simples, humilde, o único Capelão que conheci na Guiné, viera de sintex e, antecipando-se, não esperara por ninguém, entrando no Quartel. Logo após o descanso, a missa foi celebrada, mesmo ao lado da Cantina, no local da Escola. Fiéis, sete, dois comungantes e o Padre, de paramentos verdes. (...)



12 de Maio de 2009> Guiné 63/74 - P4326: Estórias cabralianas (49): Cariño mio... Muy cerca de ti, el ultimo subteniente romántico (Jorge Cabral)

(...) Dois dias depois de chegado a Bambadinca em meados de Junho de 69, fui mandado montar segurança no Mato Cão. Periquitíssimo, cumpri todas as regras, vigiando a mata de costas para o rio, sem sequer reparar na beleza da paisagem.Mal sabia então, que ali havia de voltar dezenas de vezes, durante o ano que passei em Missirá. Pelo menos uma ida por semana para ver passar o Barco, no que se transformou numa quase agradável rotina.(...)


(**) Vd. postes de:

10 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P2426: Estórias cabralianas (32): Nanque, o investigador (Jorge Cabral)

(...) O Alferes era calmo. Afável, prazenteiro, nunca se irritava. Naquela tarde porém explodiu. É que constatou que as valas estavam a ser utilizadas como retretes.Reuniu o pessoal e, no mais puro vernáculo de caserna, descompôs o Pelotão, furriéis, cabos, soldados, brancos e negros… Que vergonha! Pois não haviam assistido à valente piçada que ele sofrera, na semana passada, quando o Major Eléctrico (2), visitara o Quartel, e criticara tudo, desde a limpeza das panelas ao comprimento do seu bigode!? (...)


3 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P836: Estórias cabralianas (10): O soldado Nanque, meu assessor feiticeiro

(...) Desde que cheguei, e durante o primeiro ano, o Pel Caç Nat 63, foi pluriétnico. Mandingas, Fulas, Balantas, Manjacos, Bigajós, estavam representados. Pluriétnico e plurirreligioso, com um Manjaco, Pastor Evangélico, um Marabú Mandinga Senegalês, vários adoradores de muitos Irãs, e até alguns crentes na Senhora de Fátima, vivendo todos em Paz ecuménica, sob a batuta do Alferes agnóstico com tendências panteístas, que pensava que nada o podia surpreender (...).

5 comentários:

Anónimo disse...

Jorge Cabral

Tambem não admira!!!
Então sem mais nem p´ra quê pedes uma esguichadela de leite à santinha,sem ao menos dizeres quem lhe apertava as mamas e para onde ?!

Oh jorge...julgo que o Alfero fez muito bem em se pirar rápido!!

Devia ter sido filmado!!!
Um abraço com votos de que a dor tambem se tenha pirado.
Luis Faria

Anónimo disse...

Desculpa o lapso da minúscula no segundo Jorge
Luis Faria

sotnaspa@gmail.com disse...

Jorge Cabral

Sou um fã incondicional das estórias cabralianas do alfero.
Estou sempre na prespectiva de ler a proxima.
Esta do leite é mesmo verdade, até em Lisboa nos anos 50 e muitos. Eu proprio lembro-me em miudo de ver as velhinhas da minha rua "prescreverem" a mesma receita para os mais pequenos, não tinha na época acesso às prescrições para os mais velhos.

Um alfa bravo

ASantos

Hélder Valério disse...

Meu caro "Alfero Cabral"

Oxalá eu tivesse o teu jeito para fazer como tu que, em "duas pinceladas", nos brindas com uma história (desculpa o "h" mas eu gosto mais assim) de nos fazer ir às lágrimas (de riso) quando conseguimos imaginar a cena...

Realmente, nao é preciso muito esforço para se visualizar uma cena tipo "apanhados", com o "Alfero" a ser corrido, em plena Almirante Reis, aos gritos de "velho nojento" e "depravado"... acho que gostava de ter visto... e fico com uma dúvida "porquê velho"?

É que quanto aos outros mimos consigo perceber. Por pura ignorância da senhora, que não sabia dos antecedentes em termos de conhecimentos de mezinhas populares, podia de facto pensar que o apelo ao leite do peito podia ser apenas fruto de alguma espécie de depravação e também aceito que ela pensasse que caso não acertasse com o leite no ouvido, o mesmo podia escorrer, pala cara, pelo pescoço, pela barba, e ela consideraria isso um nojo, mas velho? Francamente!

Um abraço
Hélder S.

MANUEL MAIA disse...

CARO JORGE,

QUEM SABE ,SABE, E TU SABE-LA TODA!

COM QUE ENTÃO QUERIAS TETAS NA VIA PUBLICA A TROCO DE TRATAMENTO???

UMA VEZ MAIS COM DUAS PINCELADAS BREVES,PINTAS A MANTA COM UMA QUALIDADE E HUMOR, QUE SÓ TU SABES EMPRESTAR.
UM ABRAÇO.
MANUEL MAIA