domingo, 30 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4884: Estórias do Juvenal Amado (22): O que será na verdade a coragem

1. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74, com data de 27 de Agosto de 2009:

Caros Carlos, Luis, Virginio. Magalhães e restante Tabanca Grande

Era para ser um comentário ao poste 4865 do camarada Carlos Adrião Geraldes que li e reli pois achei muito saborosa.
O Cabo Mqueiro Abel era na verdade aquilo que se pode chamar um desenrascado.

Lembrei-me dos ajuntamentos à volta da minha Berliet, onde os Maqueiros ou Enfermeiros tratavam alguma ferida mais ligeira de algum popular. Era comum aparecerem nas aldeias mais recondidas, mulheres e crianças com sarna que eram tratadas logo no local. Entretanto, nós trocavamos os comprimidos de sal por fruta. Eles ficavam contentes e nós ainda mais.

Um abraço para todos
Juvenal Amado


O que será na verdade a coragem

O André era de compleição robusta, transmontano de gema cedo puxou pelo físico nos campo e possivelmente na construção civil. Se bem me recordo, os baldes, em madeira e chapa de zinco, cheios de massa eram acartados ao ombro dos garotos serventes, que ainda em idade escolar tinham que ajudar os magros rendimentos das famílias. Muitos chegaram às fileiras do Exército só com as 2.ª e 3.ª classes do ensino obrigatório.

O peso dos baldes era hoje muito para a maioria dos adultos e estamos a falar de crianças.

Isto repetia-se por todo o País e não só na terra do André.

Quando chegaram à idade militar, uns foram utilizar essa força, construir as cidades de países já livres de disputas coloniais, que utilizaram os seus meios económicos para se modernizarem e darem bem estar ao seu povo.

De forma indirecta ajudaram a perpetuar com as suas remessas monetárias o regime e a guerra, que os obrigou a procurar sobrevivência por toda essa Europa livre.

Outros tiveram que utilizar a mesma força, incorporando os contingentes que foram sendo despejados em África nos principais teatros de operações.

Mas voltando ao André, quis a sorte que ele fosse escolhido para Maqueiro.

Penso que ele se sentia mais à vontade a usar a espingarda do que a seringa. Gostava da acção, e a provar foi a forma em como no ataque a Galomaro utilizou o morteiro 60 mm pondo a zona de onde o IN atacava a ferro e fogo.

Mas, os maqueiros tinham uma especialidade em que a primeira coisa a fazer era prestar socorro aos feridos, e mesmo debaixo de fogo, tentar ajudar quem deles precisava, esquecendo que também eles eram alvo das balas inimigas.

Era pois uma coragem em que se escolhia os outros primeiro.

Assim, 15 dias antes do ataque a Galomaro, o André esqueceu as possíveis minas e de um salto já estava ao pé do Teixeira que lançava gritos lancinantes de dor e de espanto.

Ninguém lá chegou primeiro que ele, tal era o seu espírito solidário.

Medicou, fez torniquetes e deu esperança ao nosso camarada gravemente ferido. Finalmente as lágrimas correram-lhe pelo rosto em sinal de revolta, quanto fechou aqueles olhos que já não viam.

O André quando regressou também emigrou e foi construir as cidades dos outros, cumpriu assim o destino luso.

Conseguiu o bem-estar, que até aí lhe tinha sido negado. Construiu na sua terra uma maison com garage e terá assim feito planos para que os filhos não passassem o mesmo que ele passou, quando finalmente regressasse.

Que outra maneira poderia ser?

Homem que não aprende com o passado não tem futuro.
Juvenal Amado

Pessoal de Saúde de prevenção no decorrer de uma Operação. Da esq. Fur Graça, Médico, André e Catroga

Tratamento em ambulatório - Cabo Enfermeiro Catroga

Vacinação

O Alf Vasconcelos e o Médico Vieira Coelho

O Alf Vasconcelos e o Médico Vieira Coelho

Furriel Graça com população

Fotos: © Juvenal Amado (2009). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 23 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4854: Estórias do Juvenal Amado (21): O dia de Alcobaça e a Feira de S. Bernardo, dia 20 de Agosto

5 comentários:

Anónimo disse...

Juvenal

Gostei! Gostei do enaltecer do teu André,sinónimo de muitos e muitos Enfermeiros/Maqueiros a quem tanta e tanta Gente deve um ARADECIMENTO,para não dizer TODOS os que por lá andamos.Mesmo não tendo precisado d`Eles eram por norma e no mínimo um apoio psicológico!

No Post 4383 de 20 Maio fiz-Lhes referencia,agradecendo-lhes ... mas,tens razão...não lhes faltava coragem!

Um abraço

Luis Faria

Zé Teixeira disse...

Pela parte que me toca como 1º cabo auxiliar de enfermeiro( não sei porque era auxiliar, se não havia enfermeiro no mato e os cabos enfermeiros, que ficavam nos hospitais, tinham exactamente a mesma escola)muito obrigado.
De facto, passavamos momentos terríveis de angústia, quando caíamos debaixo de fogo, não de medo, pois nesse aspecto éramos como os outros. Angústia de haver feridos e não termos condições para "atacar" de momento. Um minuto depois poderia ser tarde e quantas vezes o desespero de não termos, conhecimentos, equipamento e ou medicamentação apropriada. O tempo de espera pelo hélio ou avioneta era terrívelmente sofrido e o mais doloroso era quando sentíamos a morte de camaradas por falta de transporte para o hospital.
Só quem foi enfermeiro sentiu esse drama.
Abraço.

Hélder Valério disse...

Caro Juvenal
As referências ao trabalho do pessoal ligado á enfermagem nunca serão demais. Quantas vezes não foram eles a diferença entre a vida e a morte. É claro que isso também se pode aplicar a outras pessoas e outras situações, os helis que chegavam para a evacuação, as enfermeiras paraquedistas, etc., mas eles eram muitas vezes a primeira linha de apoio.
Por outro lado também acho que a introdução e os considerandos estão muito interessantes e retratam (relembrarão a uns e talvez esclareçam outros) um pouco a realidade de uma parte do "nosso povo" naqueles tempos.
Um abraço
Hélder S.

JD disse...

Caro Juvenal
A estória do André é elucidativa sobre a camaradagem, a ânsia de ajudar um camarada em dificuldades. Essas atitudes multiplicaram-se por entre maqueiros, enfermeiros, médicos, mas, também por pessoal de transmissões, macânicos, condutores,e operacionais, que às vezes até queriam arriscar para vingança raivosa.
Mas quantas vezes fomos imprudentes, como referes do Abel,que foi o primeiro a chegar junto do ferido, sem cuidar das condições no terreno. Eram manifestações de impreparação.
Também recebi dessas provas de solidariedade, mas cheguei a surpreender os voluntariosos quando, zangado, lhes chamava a atenção para a imprudência e a possibilidade de aumentarem a tragédia. Não os esqueço, guardo essas gratas recordações.
Abraços fraternos
J.Dinis

augusto.catrogahotmail.com disse...

E com grande comocao que vejo nesta e noutras paginas um sem numero de fotos minhas. Na verdade alem das fotos nao vejo nenhum comentario a importancia dos servicos de saude,alem dos medicos. Pois camaradas amigos eu considero que individuos como o maqueiro Antonio Andre foi bem mais importante na mentalizacao dos colegas que como guerreiro. Augusto Catroga