sábado, 15 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4823: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (18): Dias em Binar - 3

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 11 de Agosto de 2009:

Amigo Vinhal

Após uma temporada em que me não me foi possível escrevinhar nada, segue agora mais uma “Viagem …” que publicarás se assim o entenderes.

Dei uma vista de olhos pelo blogue, que me pareceu reflectir o tempo em que estamos…em Férias!

Para todos os que as desfrutam… que lhes sejam retemperadoras de espírito e rejuvenescedoras de saúde.

Um abraço
Luís Faria


Dias em Binar - 3
Esta pequena povoação situava-se, como já tive ocasião de escrever, a uma dúzia de quilómetros de Bula, na estrada para Bissorã.

Assim, na proximidade a Norte havia as perigosas matas a que por inclusão chamo de Choquemone (Jundum, Dungor, Choquemone, Madelife) e mais a Norte o Infaíde. Mais para Nordeste seriam as de Biambe (?).

Vem isto ao caso de o Jorge Picado, em comentário ao Poste 4619 ter ficado surpreendido por eu dizer ser um lugar tranquilo onde tínhamos passado uma espécie de férias, estando nas proximidades do Biambe IN.

Na verdade estávamos bastante próximos das matas a que chamo Choquemone (logo a norte de Binar), região de Cacheu. As do Biambe julgo que eram mais para Nordeste, já no Oio, mais próximas de Bissorã.

Como já disse, toda aquela zona de matas para Norte era muito perigosa, e como tal muito patrulhada e onde se sucediam Operações por variados agrupamentos de tropa, inclusive Especial .

Não devemos esquecer o extenso campo de minas na lateral da estrada para S. Vicente, conjugado com as emboscadas e patrulhamentos feitos 24 sobre 24 horas nos pontos de passagem, o que condicionava e muito as movimentações IN naquelas paragens.

Também havia no aldeamento, a tropa Africana (CCaç 17), que teria a sua actividade normal de patrulhamentos e operações na zona.

Talvez também por estas razões, durante aquele mês e meio não tenhamos tido problemas, para além do já descrito ataque de RPG e morteiros na pista de aviação, onde tínhamos postos permanentes de vigilância.


O “Instalazza”

Nesta pista, coube-me experimentar e fazer o respectivo relatório da utilidade de uma nova arma (granada) “Instalazza" (?), com fins, ao que o Capitão me informou, a ser eventualmente usada pelas nossas tropas. O meu parecer foi favorável e pelo menos a nossa Companhia passou a usá-la por sistema.

Se lembram, era uma espécie de pequeno míssil com uma coroa circular dentada na frente, com aletas direccionais estabilizadoras na extremidade oposta e era lançado pela G3, do mesmo modo que o velhinho, perigoso mas útil e devastador dilagrama.

Após muitos lançamentos verifiquei, no meu entender, que era uma arma simples, fiável e que podia ser utilizada num leque alargado de situações já que podia ser usada em tiro horizontal directo a distâncias suficientes em emboscadas, a par e por vezes, apesar da menor carga explosiva, até com vantagem sobre os lança-roquetes e bazucas, dado não ter necessidade de municiador, para além de não fazer cone de propulsão no lançamento, que se não houvesse atenção podia causar queimaduras aos próximos, menos atentos e até incêndio no capim.

Podia funcionar como um mini RPG, (arma que eu mais temia!) quando dirigida às árvores e arbustos, dado ao que me parece recordar, os estilhaços serem direccionados na perpendicular ao eixo.

Em tiro indirecto, funcionava como o morteiro, com menor poder explosivo, mas com a vantagem de eventualmente não desaparecer na bolanha, pois podia ser disparada ao ombro, da coxa e até em tiro instintivo, sem quaisquer problemas. O coice era relativamente pequeno.

Tinha um senão, como o dilagrama que não substituía: a possibilidade, por falta de atenção ou precipitação, de o disparar com bala não própria. Mesmo nesse caso os estragos no pessoal seriam menores já que os estilhaços eram direccionados e não em todas as direcções, como no dilagrama.

Assim, como disse, o meu parecer foi favorável e pelo menos a nossa Companhia passou a usá-la por sistema e ao que me lembro, não tive conhecimento de acidentes com esta arma, ao contrário dos dilagramas, bazucas e até lança-roquetes.


O Turra

Uma manhã, a quebrar o marasmo rotineiro, somos presenteados com um dos turras ao vivo, que andavam a gamar na noite, lá por Pache.

Alertado pela população, o Fur Castro e alguma gericada, (como ele dizia), do 1.º Grupo, conseguiu apanhá-lo, tendo-o pelos vistos amarrado ao poste da Bandeira, onde passou a resto da noite sob vigilância, a par de algum interrogatório amador e talvez de umas amigáveis solhas, digo eu, para afugentar o mosquitame!!

Levado para Binar, por lá ficou à espera de transporte, não recordo se para Bula ou Bissau, para interrogatório apropriado, penso.

Na sala contígua à messe, sentado num banco e amarrado, lá esteve o homem durante um par de horas, provocando a curiosidade da rapaziada em ver de perto e ao vivo um turra, como se de um ser diferente de outro qualquer Planeta se tratasse.

Ao que recordo não aparentava medo ou receio até, antes demonstrando no olhar, laivos de altivez!

O Pessoal aproximava-se, mirava-o e remirava-o, ia mandando umas bocas e fazendo as considerações que achavam sobre a proveniência, a belicosidade, o físico, o olhar… enfim!

Os graduados claro, também entraram na festa e à vez ou ao monte, era ver quem mais e melhor o interrogava, com maior ou menor meiguice verbal, fazendo-lhe as perguntas mais díspares. Também não havia de faltar a foto tirada pelo Fur TRMS Lourenço (Metralhinha) com a sua Asai-Pentax (?), pois interrogatório sem documentação fotográfica para a posteridade (?) não era razoável nem lógico!!?

É nesta altura que me aproximo para também testar os meus dotes de inquiridor.

Adoptando um ar e tom incisivos, para não dizer agressivos, começo o interrogatório e ao fim de meia dúzia de respostas… saio disparado, pouco tendo faltado para ter passado a inquisidor!! A minha cabeça era um turbilhão de perguntas e imagens. Tinha de contar até cem ou mil para voltar ao meu estado normal! Normalmente costumava até dez, ser suficiente!!

Tempo depois, mais calmo, quis voltar para tentar clarificar alguns onde? como? porquês? e obter certezas, o que infelizmente já não foi possível, pois o desgraçado teve que seguir viagem, deixando-me ainda hoje com teorias sem confirmação!

Pelos vistos o rapaz conhecia-me de Ponta Matar e já me tinha tido em mira…duas vezes!!!

A todos um abraço
Luís Faria
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Notas de CV:

Vd. último poste da série de 8 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4657: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (17): Dias em Binar -2

1 comentário:

mario gualter rodrigues pinto disse...

Caro camarada
Luis Faria

Ao ler o teu ultimo post, dei com a tua experiencia sobre o INSTALAZZA, e ocorreu-me a minha experiencia com a dita.

Na minha Companhia no Sul da Guiné a mesma só apareceu no princípio de 71 quaze no fim da comissão.
Como tu fui o escolhido para o seu manuseamento e instrução e cheguei á clonclusão que era um pouco menos perigosa que o dilagrama mas no meu entender menos eficaz.

O raio de acção da mesma era inferior apóa a explosão.

O dilagrama era uma arma defensiva e o Instalazza era ofensiva.

Os cuidados de segurança eram os mesmos.

Um abraço

Mário Pinto