terça-feira, 11 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4812: Contributo sobre a CCAÇ 4942/72 (António J. Sampaio) (2): "Os primeiros dias"

1. Mensagem de António Sampaio, ex-Alf Mil na CCAÇ 15 e Cap Mil na CCAÇ 4942/72, Barro, 1973/74, com data de 6 de Agosto de 2009:

Caro Camarada

Envio hoje mais uma página para a história da 4942/72 que eu conheci.

Se acharem que não deve ser publicada não publiquem. Em consciência devo estas recordações aos camaradas dessa Companhia com quem convivi.

Gostava que estas linhas, fizessem acordar outros que também com eles viveram.

Enquanto me permitirem, darei conta de figuras como o Rui (cabo da arrecadação e o melhor apontador de morteiro - por instinto que conheci), o Prioste (mecânico que chegou a chefe de mecânicos da Fiat no Funchal – segundo creio), o Mosca (melhor pescador que conheci – à granada ofensiva), o Silva das transmissões (que nos ia matando numa crise de total descontrolo – era dos forcados de Vila Franca de Xira) e de muitos outros que recordo como parceiros de bons e maus momentos.

Se me quiser juntar à lista agradeço, e se a puder editar também por apelidos então era ronco mesmo.

Um abraço e até um dia destes ao café se andar cá por Leça
António Sampaio


Contributo sobre a CCAÇ 4942/72

2.ª Parte (*)

“Os primeiros dias”

O ambiente era totalmente irreal para uma situação de guerra e se de facto o 25 de Abril já tinha ocorrido, não é menos verdade que se continuava a fazer operações. E se os contactos não tinham a violência a que todos estávamos habituados, não tinham simplesmente deixado de acontecer.

Não foi fácil a alguém, com a formação militar a que tinha sido sujeito desde os 10 anos de idade, perceber o que ali se passava.

Ainda hoje não tenho a certeza absoluta do que se passou. Penso conhecer alguma da verdade mas tenho igual certeza de não a conhecer toda.

Continuo no entanto firmemente convencido de que não há maus soldados, somente podem ser mais ou menos difíceis. Pode haver, isso sim, comandos melhores ou piores, ou mais ou menos adaptados ao pessoal que comandavam.

Foi talvez uma falta grave nunca se ter feito essa avaliação. Quantas vidas se teriam poupado?

Passado este aparte.

Tentou o Alf Lima explicar a situação e o melindre e dificuldade operacional que representava, pois nem garantia a segurança das instalações e do pessoal.

Como o fim da tarde ocorreu sem demora, informaram-me que era hora de jantar e que estavam à espera que o Alf Lima desse autorização.

Com o respeito que sempre lhe reconheci e que se transformou em amizade, séria, perguntou-me se podia autorizar o inicio da refeição e se eu próprio não queria jantar também. O que de facto aconteceu.

Primeiro choque – numa unidade em que estavam 1 capitão e 3 alferes, os alferes não tinham autorização de se sentar à mesa com o capitão. Mesas separadas e poucas conversas era a norma, como fui informado.

Convidei o alferes Lima para me acompanhar e perguntei pelos outros alferes. Só um estava presente e foi-me nessa altura apresentado, à civil. O outro encontrava-se destacado em Ingoré como fui informado. Mas, enfim, já fomos 3 à mesa e nunca mais deixou de ser assim. Felizmente!!!!!!!!!!!!!!!!!

A classe de sargentos, também fazia segregação. O 1.º Sargento sentava-se sozinho à mesa (o exemplo vinha de cima), mas para mostrar a incongruência da situação, passada a refeição sentava-se à mesa da lerpa, onde profissionalmente limpava o furriel mecânico que ali deixava tudo o que lá ganhava. Enfim...

Uma noite de descanso refez as forças para enfrentar o desafio.

Sempre dormi bem, até bem demais (ainda em Mansoa, na CCAÇ 15, durante um alto, adormeci no trilho e só fui acordado por um fiel balanta, caso contrário se calhar ficava numa situação difícil.

Recolhidas as informações que quiseram dar-me e feita a analise da situação, confirmei a ideia inicial de que estava num buraco.

A análise às fichas do pessoal indicava uma Companhia que parecia mais um depósito disciplinar do que uma unidade operacional. Castigos em cima de castigos era o que se via mais nas notas de assento. Não podia ser verdade. Admitia dois ex-desertores, alguns ex-refractários, algumas porradas no CTIG, mas tantas?

Tinha de haver alguma razão para isso. Urgia descobrir qual e rapidamente senão corria o risco de ainda piorar a situação.

Apresentei-me a uma Companhia devidamente formada antes de almoço e após curta apresentação, seguida por muita desconfiança, pareceu-me que o primeiro passo para a normalização da situação, estava dado.

Nessa tarde os camaradas alferes refizeram as escalas de vigilância e reforços dos postos da breda e dos 81, que por incrível que pareça não eram guarnecidos desde a crise.

Houve que normalizar o rancho, as messes e os bares.

Parece mentira? Foi o que me pareceu a mim também na altura.

Havia ranchos diferentes para oficiais e sargentos e praças.

Havia messe de oficiais, outra de sargentos e o refeitório das praças. De notar que havia a mesa do capitão e a dos alferes. Nos sargentos o 1.º comia em mesa separada dos furriéis.

No bar, uma tabanca a servir para o efeito, havia separação idêntica à da messe, não sendo os alferes convidados a co-habitar com o capitão. (não sei se na lerpa o senhor não estaria presente pois o 1.º precisava de ganhar a vida e ganhava...)

Tudo isto tinha sido determinado superiormente!!!

Para abreviar...

O maior escândalo rebentou quando sugeri que se fizesse um torneio de futebol entre os 3 GCOMBs, encarregando-me eu de tentar pôr de pé uns joguinhos de volei (onde me sentia mais à vontade, pois nunca fui de futebóis) em que eu também participava num campo que com voluntários improvisámos na placa do heliporto. Jogar ao lado de soldados não era considerado conveniente num passado próximo e criou grande expectativa.

Como não podia deixar de ser, ajudou a quebrar a barreira de gelo e a começar aquilo que se tornou numa sã camaradagem, confiança e respeito, entre todos.

Passado poucos dias, comovi-me quando pedi um grupo de voluntários para uma missão e a Companhia em peso deu um passo em frente.

ESTAVAMOS TODOS NO MESMO BARCO. COMEÇAVAMOS A SER UMA FAMÍLIA.
__________

Nota de CV:

(*) Primeira parte do "Contributo sobre a CCAÇ 4942/72, integrado no poste de apresentação do nosso camarada António Sampaio de 9 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4662: Tabanca Grande (159): António João Sampaio, ex-Alf Mil da CCAÇ 15 e Cap Mil da CCAÇ 4942/72 (Guiné, 1973/74)

4 comentários:

Anónimo disse...

António Sampaio

Pois é !

O respeito e a amizade,a confiança mobilizadora e sem condições, a estabilidade e coesão de grupo!

Não era à "chibata" que se conseguia(egue)

Gostei

Um abraço (se calhar ainda somos primos?!)

Luis Faria

Joaquim Mexia Alves disse...

Caro António Sampaio

Dessa de adormeceres na C. Caç 15 não me lembro.

Se calhar já estava em Lisboa, ou Luanda, para onde fui logo a seguir.

Realmente nalguns sitios e com alguns comandantes havia uma distancaição que não tinha sentido.


Embora no Xitole houvesse aquilo a que pomposamente se chamava messe de oficais, messe de asrgentos e sala do soldado, muitos de nós nunca nos sentimos inibidos de frequentar os outros lugares.

Enfim coisas da tropa à antiga!!!

Abraço camarigo para ti eà espera de histórias da C. Caç 15 que é um periodo um pouco nebuloso na minha memória.

Unknown disse...

Caro Luís Candeias.
Assunto: A afirmação de que a CCAÇ 4942 foi uma unidade de valentes e disciplinados soldados do exército português.

Faz hoje, 27 de Dezembro, 40 anos sobre o embarque da companhia no Uíge, rumo à Guiné.
É uma data de grande simbolismo para todos os que nessa data partiram para uma missão, que independentemente da opinião de cada um tivesse sobre a guerra foi relevante para as suas vidas.
Esta data leva-me a enviar esta nota tendo em conta o contributo dado pelo capitão António João Sampaio relativamente à avaliação que fez da tropa que encontrou em Barro em resultado da substituição que fez do comandante anterior.
Penso que a avaliação efetuada não é adequada porque não a contextualiza com o momento vivido, não apenas na frente da Guiné como nas outras frentes e provavelmente com maior acuidade na retaguarda.
A CCAÇ 4942 desempenhou com valentia e disciplina as missões que lhe couberam nomeadamente na frente Sul, no Cantanhez em Jemberém.
Quem combateu na Guiné e conheceu as reais dificuldades dessa zona sabe ser impossível sair sem baixas se não tivesse havido disciplina.
Não existem, nem poderiam existir, relatórios que noticiem qualquer desempenho inadequado da Companhia.
Quero referir que fui alferes miliciano na CCAÇ 4942, e que pelo facto de ser o alferes” mais antigo”, comandei a companhia durante um longo período.
Não tive o privilégio de conviver com o então capitão Sampaio porque aquando da mudança de Jemberém para o norte, fui colocado em Bigene junto do COP , ficando sob o meu comando, nessa localidade, um pelotão da 4942.
Saudações.
Vitor Negrais.

Unknown disse...

Não sei se este blogue ainda mexe, mas deixo aqui o meu comentário.
Amigo Vitor Negrais, o que aqui ficou escrito é pura verdade. Andamos juntos nesta tarefa difícil de levar uma companhia formada por homens, e trazê-la inteira de volta - e conseguimos! Mesmo com a falta de um comandante unificador, nós alferes e furriéis milicianos que lidávamos de perto com os homens que comandávamos, sempre tivemos um controlo e disciplina totais. Mas eles também sabiam que fazíamos tudo o que estava ao nosso alcance por eles, pois estávamos no mesmo barco.
Compreendo a visão do amigo e então capitão António Sampaio, vindo de fora, de quem curiosamente a minha recordação é pouca, mas lembro-me que quando substituiu o anterior comandante foi de facto um alívio e uma grande serenidade.
Quando relembro estes factos ocorridos há mais de 40 anos, dou-me conta que a memória vai-se encarregando de ir apagando alguns pormenores e até a sequência fica meia confusa, mas os factos mais importantes estão gravados a fogo.
Um abraço a todos aqueles que me reconhecem, mesmo aqueles de quem eu já mal recordo os nomes, mas o alferes Lima era o meu comandante de pelotão - o 3º, o alferes Vitor Negrais o comandante do 2º pelotão, o alferes Pires, o comandante do 4º pelotão e o do 1º era um operação especiais cujo nome já falha.
António Castro
ex-furriel mil.