sábado, 23 de maio de 2009

Guiné 63/74 - P4403: FAP (28): Manga de vento ... ou não ? ! (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

Uma manga de vento: Foto: Cortesia de FlyTech, loja on line

FAP > MANGA DE VENTO!... OU NÃO?!

Para além das informações de direcção e intensidade do vento fornecidas pelas torres de controlo, via rádio, muitas vezes o aviador tem que se socorrer de outros meios quando essa informação não está disponível. Por isso todos os aeroportos e aeródromos dispõem de mangas de vento, que permitem ao piloto ter uma ideia aproximada de onde sopra o vento e com que intensidade. Os automobilistas podem também observar estas mangas de vento nas auto-estradas, em zonas mais batidas pelo vento.

Basicamente a manga de vento é um aparelho constituído por um cone de tecido com duas aberturas, sendo uma delas, a maior, ligada a um aro de metal. Esse aro, preso a um poste de um modo que permita liberdade de rotação, faz com que o cone esteja aberto, entrando o vento por este lado e saindo pelo lado mais estreito.

A manga fica assim enfiada com o vento, dando uma indicação visual da sua direcção.
Olhando para uma manga, podem observar-se as diversas listas que a constituem, alternadamente vermelhas e brancas. Quem pensa que essa decoração serve apenas para a manga se poder ver melhor, está ligeiramente enganado. Na verdade as mangas podem ser calibradas de modo a darem uma indicação da intensidade do vento. Por norma cada lista representa cerca de 5 km/h de velocidade do vento, Assim, se as duas primeiras listas estão enfunadas e as seguintes descaídas, podemos considerar que o vento sopra com uma velocidade aproximada de 2x5=10 km/h.

O pessoal que passou pelos aquartelamentos com pista de aterragem pôde observar essas mangas colocadas a uma distância de segurança da pista, infelizmente muitas vezes em mau estado de conservação. Isso devia-se em parte à dificuldade em se conservar a manga em bom estado, por falta de material de substituição, mas também à pouca sensibilidade do pessoal do quartel para o interesse que essa informação representava para o piloto.

Sucedeu a um piloto da nossa praça que, tendo demandado um aeródromo algures na Guiné, ali chegado tivesse experimentado sérias dificuldades em manter o controlo do avião na aterragem, devido a um forte vento cruzado que se fazia sentir. Acontece que o estado da manga de vento era deplorável e, consequentemente, a informação do vento inexistente, não tendo alertado o aviador para aquelas condições desfavoráveis.
Furioso, o piloto saiu do avião e dirigiu-se ao Maior do aquartelamento, manifestando-lhe o seu desagrado e ameaçando não voltar a aterrar ali se a situação se mantivesse.

Quis o destino que, passado pouco tempo, o mesmo aviador fosse incumbido de uma nova missão para aquele aeródromo, tendo verificado satisfeito, quando preparava a aterragem, que uma nova manga brilhava no respectivo poste. O piloto preparou a aterragem com todo o cuidado pois pelas indicações da manga o vento soprava forte, cruzado de 90º com a pista. Qual não foi o seu espanto quando, depois de tocar o solo, o avião guinou bruscamente, apontando ao vento (totalmente diferente do que ele esperava); só com grande perícia ele conseguiu evitar a saída da pista e os consequentes danos no avião.

Mais uma vez foi ter, furioso, com o Maior do quartel, perguntando-lhe que raio se passava com a porcaria da manga, que o tinha induzido em erro. Enfiado, o outro respondeu-lhe que tinham resolvido meter um pau por dentro, para ficar esticada e se poder ver melhor do ar...

A falta de sensibilidade para as necessidades, limitações e problemas dos outros é habitual em sociedade. No caso da Guiné, e naquela época, por vezes os pilotos não compreendiam as necessidades da tropa no terreno e esta, por sua vez, não se apercebia das limitações e necessidades dos aviadores. Mas não foi por isso que, dentro das suas capacidades, os pilotos da Força Aérea deixaram de garantir o seu apoio a este e aos outros aquartelamentos.

Miguel Pessoa

___________


Nota de L.G.:

(*) Vd. último poste desta série > 28 de Abril de 2009 >Guiné 63/74 - P4258: FAP (27): Miguel, já não poderás apertar a mão ao homem do Strela que te quis matar... O Caba Fati morreu em 1998 (Luís Graça)

Vd. restantes postes da série, doze dos quais foram escritos pelo Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref:

26 de Abril de 2009 >Guiné 63/74 - P4251: FAP (26): Em louvor dos sargentos pára-quedistas do BCP 12 (Manuel Peredo, ex-Fur Mil CCP 122, 1972/74)

21 de Abril de 2009 >Guiné 63/74 - P4226: FAP (25): Encontros quase imediatos ou como a pista de Cacine se tornou curta (Miguel Pessoa)

19 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4217: FAP (24): Afinal quem foi o camarada artilheiro do PAIGC que me 'strelou' em 25 de Março de 1973 ? Caba Fati ? (Miguel Pessoa)

16 de Abril de 2009 >Guiné 63/74 - P4197: FAP (23): O poder aéreo no CTIG, 'case study' numa tese de doutoramento nos EUA (Matt Hurley / Luís Graça)

14 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4184: FAP (22): Entrega do meu pára-quedas ao Museu dos Pára-quedistas, na Base Escola de Tancos (Miguel Pessoa)

1 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4119: FAP (21): Os meus sentimentos contraditórios no 'verão quente' de 1973 ... (Miguel Pessoa)

28 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4088: FAP (20): Efemérides: 36 anos após a morte do Ten Cor Pilav Almeida Brito, abatido por um Strela em Madina do Boé (Miguel Pessoa)

25 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4077: FAP (19): Efeméride: há 36 anos sob os céus de Guileje 'Batata' procura e localiza 'Kurika' (António Martins de Matos)

19 de Março de 2009 Guiné 63/74 - P4051: FAP (18): Kurika da Mata (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, BA 12, Bissalanca, 1972/74)

13 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4028: FAP (17): Do Colégio Militar a Canjadude: O meu amigo Tartaruga, o João Arantes e Oliveira (Pacífico dos Reis)

13 de Março de 2009 >Guiné 63/74 - P4024: FAP (16): O reencontro, 22 anos depois, de Kurika da Mata com o Marcelino da Mata (Miguel Pessoa)

11 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4010: FAP (15): Correio com antenas... (António Martins de Matos, ex-Ten Pilav, BA12, Bissalanca, 1972/74)

27 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3948: FAP (14): Um dia rotineiro na Base Aérea nº 12, em Bissalanca (Miguel Pessoa, ex-Ten Pilav, 1972/74)

16 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3904: FAP (13): Nha Bolanha, o Ramos, o Jorge Caiano, o Manso, o corta-fogo do AL III, Bissalanca... (Jorge Félix)

14 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3892: FAP (12): O Fur Mil Pil Mota, e as Enf páras Giselda e Natália, caídos no Como em 1973 e salvos pelos fuzos (Miguel Pessoa)

14 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3891: FAP (11): Jorge Caiano, ex-Melec/AV, BA12, 1969/70, reconhecido por Augusto Ferreira~

13 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3885: FAP (10): Obrigado, Tenente Piloto Aviador Pessoa (J. Casimiro Carvalho, CCAV 88350, Piratas de Guileje)

12 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3879: FAP (9): Jorge Caiano, ex- 1º Cabo Esp Melec, BA12, 1969/70, no Canadá desde 1974

11 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3875: FAP (8): O meu saudoso amigo e camarada Francisco Lopes Manso (Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref)

10 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3866: FAP (7): Troca de lugar no ALL III salvou-me a vida, em 25 de Julho de 1970 (Jorge Caiano, mecânico do Alf Pilav Manso)

9 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3859: FAP (6): A introdução do míssil russo SAM-7 Strela no CTIG ( J. Pinto Ferreira / Miguel Pessoa)

5 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3844: FAP (5): Reflexões sobre o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (João Carlos Silva)

4 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3839: FAP (4): Drama, humor e... propaganda sob os céus de Tombali (Miguel Pessoa, Cor Pilav Ref)

1 de Fevereiro de 2009 >Guiné 63/74 - P3826: FAP (3): A entrada em acção dos Strella, vista do CAOP1, Mansoa, Março-Maio de 1973 (António Graça de Abreu)

31 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3825: FAP (2): Em cerca de 60 Strellas disparados houve 5 baixas (António Martins de Matos)

23 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P3783: FAP (1): A diferença entre o desastre e a segurança das tropas terrestres (António Martins de Matos, Ten Gen Pilav Res)

9 comentários:

Joaquim Mexia Alves disse...

Ó Miguel eu cá pensava que "manga" de vento, era "muito" vento, caraças!!!

Fora de brincadeira, a verdade é que nem o pessoal cá de baixo sabia coisas que devia saber do pessoal lá de cima, como a contrária também era verdadeira.

Abraço camarigo

Miguel disse...

Bom, Joaquim, a ideia do título é mesmo fazer esse trocadilho!
Abraço. Miguel Pessoa

Anónimo disse...

E nao e que se aprende todos os dias!

Anónimo disse...

Caro Miguel
No caso vertente, e no que se refere à segunda aterragem que induziu em erro o "piloto da nossa praça", a culpa e falta de sensibilidade foi do próprio, que não transmitiu qualquer mensagem sobre a função da manga. Afinal até houve colaboração, mas quem adivinharia que a imagem da manga pode ser preciosa?
Um abraço
J.Dinis

Anónimo disse...

Caro Miguel,

É de uma oportunidade extraordinária esta tua narração com as dicas sobre as mangas.
Parece uma narrativa simples não é?
Pois!... Mas através desta simplicidade se pode verificar as dificuldades que se deparavam, por falta de conhecimentos.
Julgo que já narrei este episódio no Blog, mas não faz mal repetir.

Em 1965/66 em Cufar não existiam mangas, o que aconteceu:
Provelmente por inexistência desses indicadores _dos quais só tive conhecimento mais tarde funcionário da TAP_ ao viajar numa DO de Bissau para Cufar, a aeronave fez o "cavalo de pau" e eu lá em cima, _com quinze dias de operado a duas hérnias inguinais_ me mandavam saltar da DO. Lá me agarrei à barriga e fui escorregando, porque saltar não!
Tu que sabes da matéria explica aí à malta o que é o "Cavalo de Pau" que julgo ser da gíria aeronáutica, pelo menos naquela altura. "Adornamento da aeronave rodando sobre si com uma asa no chão e outra no ar. Julgo ser assim! pois foi o que aconteceu. Se o termo está correcto ou não, não sei, recordo perfeitamente que foi o utilizado naquele momento.

Alfas Bravos do tamanho do Cumbijã para a Tabanca toda,

Mário Fitas

Miguel disse...

Estava eu a escrever o meu comentário quando um dedo gordo mandou o texto p'rá sucata (bom, talvez ainda esteja dentro do computador...). Mas o meu novo comentário vai sair por isso agora mais terno do que o original...
Caro J.Dinis, não foi meu objectivo achincalhar ou responsabilizar alguém pelo sucedido (o que aliás não fiz e por norma nunca farei). Mas tens que aceitar que o piloto fez um pedido razoável (pôr uma manga de vento nova), não pediu que a transformassem...
Caro Mário Fitas, já descrevi mais ou menos o "cavalo de pau" que fiz no Cacine, uma história que já foi aqui publicada ("Encontros quase imediatos"), em que não tive qualquer problema em realçar a minha actuação parva no episódio.
Um abraço. Miguel Pessoa

Anónimo disse...

Deixem-se de cóisas...
O que o Máior do Quartel quiz dizer com a mánga naquela posiçãoe fói que aquilo era uma Companhia sempre em estado de ereçãoe... mas enbergonhou-se, carago!

Alberto Branquinho

(Sem ofensa para os do Norte, que eu também soue de lá)

Colaço disse...

O Miguel Pessoa põe nos seus postes muito humor.
Mas o défice de preparação com que éramos enviados para a guerra deu azo a muitos acidentes, o que felizmente neste caso não a aconteceu.
Cumprimentos Colaço.

Hélder Valério disse...

Caro Miguel Pessoa
As coisas que a gente aprende aqui no Blogue....
Realmente já tinha dado comigo a pensar que mais utilidade teriam as mangas para além de se saber se há ou não vento (manga enfunada ou caída) e se seria muito ou pouco (tamanho do enfunamento) e também a direcção do vento.
Não tinha pensado na relação das diferentes tiras e a velocidade do vento. Podia ter perguntado a alguém ou pesquisar mas a inércia dá nisso.
Para a história em si, temos que convir que foi dada à bendita manga uma virilidade que a tornava muito mais visívil do ar e isso deve ter sido tomado como conveniente para os homens do ar e ao mesmo tempo podia-se dar a indicação de que quem andava cá por baixo não tinha necessariamente de andar "em baixo".
Mas, lá está, ninguém explicou nada a ninguém e depois dão-se este tipo de equívocos que hoje têm graça mas podiam ter sido graves.
Bem, já passou e agora contado dá, pelo menos, para sorrir.
Um abraço
Hélder S.