sábado, 25 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4245: Cap Cav Salgueiro Maia, director do jornal de caserna da CCAV 3420, Bula, 1971/73, Os Progressistas (Luís Graça / Jorge Santos)



O jornal de caserna da CCAV 3420 (Bula, 1971/3), Os Progressistas - Quinzenário de Divulgação e Recreio da CCAV 3420. Director: Cap Cav Fernando José Salgueiro Maia (*).

Fonte: Cortesia do
Jorge Santos (2005)


1. Participei, durante a minha instrução de especialidade de Apontador de Armas Pesadas de Infantaria, em Tavira, na elaboração de um jornal de caserna, em 1968. Em boa verdade, era um jornal de parede. Havia uma pequena equipa redactorial.

 O comandante da unidade, um tenente coronel, se não me engano, zelava pela orientação editorial do jornal e, claro, pelo moral da caserna (e a moral da Nação). Miúdas de peitos fartos, generosos e demais formas redondas, loiraças, provocantes, era bem vindas e aclamadas: afinal de contas, os instruendos estavam na flor da idade, precisavam de ter sonhos cor de rosa... e eram a fina-flor da Nação, como nos lembrava um célebre tenente, herói do norte de Angola (diziam-nos)...

Mas havia outro limites: Recordo-me de, um belo dia, ele, comandante, director, censor-mor, lídimo representante da Nação, ter-nos obrigado a mandar para o lixo uma vasta e luxosa edição, enciclopédica, dedicada à II Guerra Mundial e ao nazifascismo (que palavrão!). O argumento do censor-mor era de peso, de bom senso, definitivamente pedagógico:
- Para guerra, já basta a nossa, a do Ultramar!...

Vem isto a propósito do jornal de caserna Os Progressistas, um quinzenário de "divulgação, cultura e recreio" (sic) da Companhia de Cavalaria 3420, que esteve em Bula, em 1971/73... O director era o respectivo comandante, o jovem capitão de cavalaria, alentejano, de 27 anos, Fernando J. Salgueiro Maia, nem mais nem menos, o Salgueiro Maia (1944-1992), de quem Carlos Loures escreveu, no sítio Vidas Lusófonas, o seguinte:

"Salgueiro Maia, soldado português que à frente de 240 homens e com dez carros de combate da EPC avançou em 25 de Abril de 1974 sobre Lisboa, ocupou o Terreiro do Paço levando os ministros de um regime ditatorial de quase 50 anos a fugir como coelhos assustados, cercou o Quartel do Carmo obrigando Marcelo Caetano a render-se e a demitir-se. Atingiu o posto de tenente-coronel, recusou cargos de poder. É o mais puro símbolo da coragem e da generosidade dos capitães de Abril".

2.Salgueiro Maia foi, além disso, circunstancialmente, meu colega, no ano lectivo de 1975/76, no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCPS), embora eu pouco ou quase nada privasse com ele, porque eramos de cursos diferentes (eu, de ciências sociais; ele, de antroplogia), com o estatuto de trabalhadores-estudantes.

Íamos às aulas à noite e a algumas Reuniões Gerais de Alunos (RGA), numa altura em que o ISCSP passava por um período de vida muito conturbado (saneamento de praticamente todos, senão todos, os docentes com assento no Conselho Científico, pelo menos os professores catedráticos...), o que levou no final do ano lectivo de 1975/76 (ou nas férias...) ao seu encerramento, por ordem do então Ministro da Educação, o socialista Sottomayor Cardia (1941/2006), e ao consequente início de um duro processo de luta estudantil contra a tutela e o regresso das múmias (como, depreciativamente, eram então chamados os professores, alvo de saneamentos selvagens, de natureza claramente político-ideológica, incluindo o Prof Doutor Adriano Moreira, antigo Ministro do Ultramar).

Além disso, num ambiente, claramente esquerdista como era então o ISCSP, virado do avesso, com diversas fações a digladiarem-se (da UEC ao MRPP, do MES à UDP...), o Salgeiro Maia do 25 de Abril era ofuscado pelo Salgueira Maia do 25 de Novembro... Esta ambivalência não terá facilitado as aproximações pessoais...

Salgueiro Maia, como bom alentejano e como militar da Academia, era, por outro lado, um homem reservado... O facto de ele ter estado na Guiné não me dizia nada: definitivamente eu esquecera a Guiné!... Foi um processo de denegação por que muitos de nós passaram. Vivi os cinco anos pós-Guiné com culpa e denegação: Guiné ?Não, nunca ouvi falar... Perdi, com isso, a oportunidade única de ter conhecido (isto é, privado com) um herói vivo...

2. Não me lembro na Guiné, no meu tempo de comissão (1969/71), de ter visto (e muito menos participado na elaboração de) jornais de caserna. A CCAÇ 12 não tinha caserna, éramos uma unidade de intervenção, composta por uma centena de soldados africanos e umas escassas dezenas de quadros (graduados) e especialistas (condutores, mecânicos, transmissões, enfermeiros) metropolitanos, vivendo em casa emprestada (os nossos soldados africanos, desarranchados, muçulmanos, alimentando-se a arroz, dormiam na tabanca de Bambadinca e não dentro do perímetro do aquartelamento)...

Quando regressávamos do mato, não tínhamos disposição nem pachorra para fazer jornais de parede... Além disso, eramos meia dúzia de gatos pingados... E os nossos soldados africanos não liam o português... Diferente era a situação das unidades de quadrícula (por exemplo, no Xime, Mansambo, Xitole) que tinham, pelo menos, caserna e mais algum tempo de sobra...

O jornal de caserna podia ser uma forma interessante de manter alto o moral das tropas e fazer a ligação com a Metrópole. Alguns jovens capitães do QP, como o Salgueira Maia e o Mário Tomé (mas também o Pereira da Costa,  membro da nossa tertúlia) perceberam a sua importância (**).

De qualquer modo, esta faceta do Salgueiro Maia, como director de um jornal de caserna chamado Os Progressistas( CCAV 3420, Bula, 1971), é capaz de ser um aspecto menos conhecido (e desvalorizado) do seu currículo militar. Imagino que tivesse um formato A4 e fosse feito a stencil... Nessa altura, a máquina a stencil estava muito vulgarizada na Guiné... Na secretaria da minha companhia havia uma, foi graças a ela que pude fazer um edição, semi-clandestina, da nossa história da unidade...

Algum do conteúdo, inocente, do quinzenário Os Progressistas já aqui foi revelado pelo José Afonso, que vive no Fundão e foi Fur Mil da CCAV 3420 (***).

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste da I Série do nosso blogue > 3 de Julho de 2005 >Guiné 69/71 - XCVI: Salgueiro Maia, director de jornal de caserna

(**) Lista dos Jornais militares (Guiné), disponíveis no Arquivo Geral do Exército >

DESIGNAÇÃO / UNIDADE / DIRECTOR


33 (o) / Batalhão de Caçadores 3833, Pelundo - SPM 6978, 1971/1972 /
O Comandante

Acção / Comando do Sector de Bissau, 1972 / Cor Inf António Mendes Baptista

Açor (o) / Batalhão de Caçadores 2928, Bula – SPM 6688, 1971 / O Comandante

Águas do Geba / Companhia de Artilharia 2743, Geba – SPM 6548, 1971 /
Cap Mil Ilídio Rosário Santos Moreira /

Alvo (o) / Bataria de Artilharia Antiaérea 3434, Cumeré – SPM 1868, 1971 /
Cap Art António José Pereira Costa /

Ao Assalto / Batalhão de Caçadores 2834, Bula - SPM 4668, 1968 / Ten Cor Inf Carlos B. Hipólito

Azimute / Comando Territorial Independente da Guiné, 1966 / Brig Anselmo Guerra Correia

Baga-Baga (o) / Batalhão de Caçadores 1860, Tite – SPM 2928, 1965 / O Comandante

Básico (o) / Batalhão de Cavalaria 1905, Teixeira Pinto, 1967 / O Comandante

Big / Batalhão de Intendência da Guiné, Bissau – SPM 1648, 1968 /
Maj SAM António Monteiro A. Santos

Boina Negra (o) / Companhia de Cavalaria 2482, Fulacunda – SPM 5688, 1969 /
O Comandante

Capicuas (os) /Companhia de Artilharia 2772, Fulacunda, 1971 / Cap Art João Carlos R. Oliveira

Clarim / Batalhão de Cavalaria 790, Bula, 1965 / Ten-Cor Cav Henrique Calado

Convergência / Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné, Bissau, 1970 /

Corsário (o) / Hospital Militar 241,Bissau, 1962 / ?

Dragão Negro / Batalhão de Artilharia 733, Farim – SPM 2568, 1965 / ?

Dragões de Jabadá/ Companhia de Cavalaria 2484, Jabadá, 1969 / Cap Cav José Guilherme P. F. Durão

Duros (os) / Companhia de Artilharia 2771, Nova Sintra – SPM 6608, 1971 /
Alf Mil Castela

Eco (o) / Pelotão de Artilharia Antiaérea 943, Bissalanca, 1965 /
Alf Art Jaime Simões Silva

Estrela do Norte / Batalhão de Caçadores 1894, S. Domingos – SPM 3668, 1968 /
Ten-Cor Inf Fausto Laginha Ramos

Falcão (o) / Companhia de Caçadores 3414, Sare Bacar – SPM 1878, 1973 /
Cap Inf Manuel Ribeiro Faria

Gato Preto (o) / Companhia de Caçadores 5, Canjadude – SPM 0028, 1971
O Comandante

Jagudi (o) / Companhia de Caçadores 2679, Bajocunda – SPM 1058, 1971 /
Cap Inf Rui Manuel Paninho Souto

Jamtum (o) / Batalhão de Caçadores 3872, Galomaro – SPM 2188, 1973 /
O Comandante

Lenços Vermelhos / Companhia de Artilharia 2521, Aldeia Formosa– SPM 5888, 1970 / Cap Mil Jacinto Joaquim Aidos

MFA na Guiné / MFA da Guiné, Bissau, 1974 / ?

Macaréu / Batalhão de Caçadores 2856, Bafatá – SPM 5438, 1969 /
O Comandante

Manga de Ronco / Batalhão de Caçadores 1932, Farim, 1968 / Alf Capelão Tourais Ferreira

Nova Vida / Batalhão de Caçadores 697, Fá Mandinga, 1965 / ?

Padrão / Batalhão de Caçadores 1877, Teixeira Pinto, 1966 /
Ten-Cor Inf Fernando Costa Freitas

Pentágono Manjaco / Batalhão de Caçadores 3863, Teixeira Pinto – SPM 1458, 1973 / O Comandante

Pica na Burra / Companhia de Cavalaria 2765, Nova Sintra – SPM 6438, 1970
Alf Mil Pedro Duarte Silva

Põe-te a Pau / Companhia de Artilharia 2775, Jabadá – SPM 6628, 1971 / O Comandante

Prá Frente / Companhia de Artilharia 3332, Piche, 1972 / ?

Progressistas (os) / Companhia de Cavalaria 3420, Bula – SPM 1898, 1971 /
Cap Cav Fernando J. Salgueiro Maia

Ronco / Centro de Instrução Militar, Bolama – SPM 0058, 1969 /
O Comandante

Saltitão (o) / Companhia de Caçadores 2701, Saltinho – SPM 1268, 1971 /
Cap Inf Carlos Trindade Clemente

Santo (o) / Companhia de Polícia Militar 2537, Bissau – SPM 5948, 1969 /
Cap Cav Hernâni Anjos Moas

Seis de Cantanhês (o) / Companhia de Caçadores 6, Bedanda – SPM 0038, 1973 / Cap Inf Gastão Manuel S. C. Silva

Sentinela de Catió / Batalhão de Artilharia 2865, Catió – SPM 5618, 1969 /
Ten-Cor Art Mário Belo Carvalho

Sete (o) / Batalhão de Cavalaria 757, Bafatá, 1965 / O Comandante

Soquete (o) / Bataria de Artilharia de Campanha 1, Bissau – SPM 0048, 1970 / Cap Art José Augusto Moura Soares

Tabanca / Companhia de Cavalaria 2721, Olossato – SPM 1318, 1970 /
Cap Cav Mário Tomé

Trópico / Batalhão de Intendência da Guiné, Bissau – SPM 1648, 1972 /
O Comandante

Voz do Quínara (a) / CCS do Batalhão de Artilharia 2924, Tite, 1971-1972
Cap Mil Pinto Madureira

Zoe / Agrupamento Transmissões da Guiné, Bissau – SPM 0228, 1973
Cap Trms Jorge Golias

Fonte: ”Imprensa Militar Portuguesa – Catálogo da Biblioteca do Exército”. Direcção de Alberto Ribeiro Soares (Coronel). Lisboa 2003.

Lista gentilmente cedida pelo nosso camarada Jorge Santos.


(***) Vd. postes de

23 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4240: Histórias da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (1): Era uma vez... (José Afonso)

24 de Abril de 2009 > Guiné 63/74 - P4242: Histórias da CCAV 3420, comandada pelo Capitão Salgueiro Maia (2): Curiosidades (José Afonso)

Vd. também o poste de 26 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1213: A CCAV 3420, do Capitão Salgueiro Maia, em socorro a Guidaje (José Afonso)

3 comentários:

paulo santiago disse...

Agora lembrei-me que escrevi(qual
o tema?)nesse jornal"o saltitão"
aparecido no Saltinho pouco antes
de ir para Bambadinca.Não tenho
qualquer exemplar...o que agora
lamento.

Anónimo disse...

Luís
O meu colega de Cursos, CPC e Agronomia, que te tinha falado é precisamente o do Jornal "Águas do Geba" da CArt 2743 sedeado no Geba.
Abraço
Jorge Picado

FRANCLIM disse...

Descobri hoje este blogue. Provávelmente tenho andado distraído. Estive em Bula na sede do Batalhão, na CAÇ2789 de Maio 1971 a Janeiro 1972, no destacamento de Capunga de Janeiro 1972 a Junho 1972 e em Binar na CAÇ17 de Junho 1972 a Janeiro 1973. A minha primeira Companhia era açoreana, onde cheguei por rendição individual a substituir o furriel Mirandez, transmontano, evacuado por ferimento grave em combate, a CAÇ17 era uma Companhia africana. Quem rendeu a minha Companhia em Bula, foi a Companhia 33?? do Capitão Salgueiro Maia. Lembro-me que a primeira vez que essa Companhia vai em operação à mata de Choquemone, tem 5 baixas. É nesse tempo que se pavimenta a estrada Bula-Binar. O capitão da Companhia 2789 chama-se Santa Bárbara e o capitão da CCAÇ 17 era Alberto Sardica. A Companhia 2789 eram os VIGILANTES. O comerciante mais reputado de Binar era o Mamadu e o restaurante mais qualificado de Bula era o António Silva. Hoje fico por aqui. Franclim Castro Sousa - Furriel Miliciano