sábado, 11 de abril de 2009

Guiné 63/74 - P4174: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (12): Bula - Um mês complicado (1) Faria, oh Faria, apanharam-me

1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 10 de Abril de 2009:

Carlos Vinhal

Há já uns tempos que não dava seguimento à Viagem à volta das minhas memórias.

Um abraço para ti, extensivo a toda a Tabanca e uma Santa Páscoa para todos.
Luís Faria

P.S. Não abusem dos doces, ok ?


Bula – um mês complicado (1)

Fevereiro foi um mês complicado para os três Grupos da Força que ficaram em Bula (o 4.º GComb tinha ido para Teixeira Pinto a 5 de Janeiro) e para mim, pois às operações acumulei a implantação de minas e a inspecção de uma parte do campo já minado, que para além desses engenhos também tinha armadilhas na lateral. Bom susto apanhei!!

Para alem do trabalho usual (emboscadas, colunas etc…) a Força faz 4 Operações tanto a nível de Grupo, como de Bi-grupo e até de Companhia a três Grupos, essencialmente em toda a zona que generalizo de Ponta Matar (Bejintim, Belibar, Braque, Pecuré, Unfote, P.Ponate, P.Matar), zona difícil quer pela morfologia do terreno, quer pela intensidade da presença IN, já que ao que sei, sem bases permanentes, era passagem de Oeste para Leste e para Sul e julgo, zona de recepção de abastecimentos.

Daí que, em três das quatro vezes que lá fomos este mês, tivéssemos recontros violentos, dos quais recordo com clareza, situações/momentos, talvez porque me tenham marcado mais, quer pela dureza, quer pelo insólito, quer até pelo próprio espectáculo.

Uma dessas situações ocorre na segunda operação (Borboleta ?) a nível de três GComb em que felizmente não tivemos feridos.

Como costume, saímos pela calada da noite rumo ao objectivo. Entrados na mata fomos seguindo, como sempre com o máximo dos cuidados, não procurando o confronto mas também não fugindo a ele. Ouvia uns tiros aqui e ali mas, sem problemas, fomos progredindo sem haver contacto e entramos numa mata de arbustos densa, à mistura com laranjeiras e cajueiros cujas copas quase se tocavam.

O meu GComb vai na frente e a dada altura, relativamente perto de uma bolanha, depara-se-me uma pequena zona, em que o chão em terra, pisado e limpo, me deu a entender ser usada pelo IN como local de reunião ou encontro, habituais.

Esta pequena clareira era ladeada pela minha esquerda e frente por vegetação arbustiva densa. Mais ou menos ao centro havia um baga-baga.

Feita a inspecção ao local, a rapaziada começa a avançar em direcção à bolanha, ficando eu e creio que o Castro, no dito espaço a finalizar a inspecção e a controlar o rearranque e passagem do pessoal.

Uma rajada soa e começa uma sinfonia intensa, só de tiros, vindos da zona arbustiva à minha esquerda, obrigando o pessoal que se encontra na zona a proteger-se o melhor que pode e a ripostar. É pedido apoio aéreo. A mata envolvente é densa.

No que me toca, corro para a protecção do baga-baga e agachado tento ver algum turra mas... nada! Ponho-me em pé, parcialmente protegido pelo baga-baga que recebe uns impactos, ouço pela primeira vez um vai no Puto (Metrópole), gritado a poucos metros.

Em simultâneo com um cabrões viro-me na direcção da voz, vejo um ramo a partir-se, continuo a não ver ninguém, disparo três ou quatro tiros (sempre utilizei o tiro a tiro e era bem rápido) nessa direcção e na sequência dos meus disparos partem-se de volta outros ramos na mesma zona e essa voz e esses tiros, deixei de os ouvir (aconteceu-me este tipo de situação três vezes na zona de Bula).

Acabada a refrega arrancamos em direcção à bolanha, a corta-mato com todas as precauções, prevendo a hipótese de novo confronto, o que viria a acontecer.

Estou a dirigir-me para o meu lugar na fila e ouço, vindo da minha frente:

- Faria, oh Faria apanharam-me.

Corri e era o Furriel Almeida que se esforçava por se soltar do turra que era... uns arbustos, que emaranhados no cinturão com cartucheiras e no cantil, não o deixavam progredir e lhe deram a sensação de estar a ser puxado para a mata!

Salvo o meu amigo, continua a progressão em direcção à bolanha, naquela mata fechada que só permitia tiro. Chegados à orla da mata inicia-se o dispositivo de segurança e observação e... começa nova sinfonia, mas desta vez com outros cantares mais pesados. Foi trovoada de pouca dura para a malta, já que esta emboscada coincide praticamente com a chegada do heli-canhão, qual Anjo alado que tinha sido pedido e começo a ouvir o tum-pum do disparo e do embate da bala de ponta explosiva(?), juntamente com gemidos e gritaria vindos da mata.

Ao som dessa melodia, a rapaziada mete–se em bicha de pirilau, sem cerimónias à travessia da bolanha, dando inclusive uns tiraços a aves passantes e espanto meu, vejo alguns dos rapazes, com a arma a tiracolo, trazendo os abafos à guisa de cestas, carregados de laranjas.

Para trás começava a ficar o som do nosso S. Gabriel e do troar da sua espada de fogo contendo e permitindo que ignorássemos nessa hora o Inimigo.

Luís Faria

2.º GComb/CCaç 2791 (FORÇA)

Foto: © Luís Faria (2009). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4020: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (11): Bula, foguetões e confusões no abrigo

1 comentário:

Jorge Fontinha disse...

É sempre um prazer, relembrar umas e ler outras das quais não compartilhei.Escritas por quem tem o dom de saber conta-las melhor ainda.A tua viagem á volta das memórias ainda só vai no começo.Quando chegares ás memórias de Teizeira Pinto, o nosso reencontro, surgirão outras, algumas das quais com algum picante.
Um grande abraço.
JORGE FONTINHA