terça-feira, 31 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4113: Carta aberta ao sr. gen Almeida Bruno (4): Humilhados e ofendidos (A. Marques Lopes)

Guiné > Zona Leste > Banjara > Destacamento da CART 1690 (1967/68) > Cenas da vida quotidiana no Bu...rako de Banjara... Um elemento do 'bando' junto a uma metralhadora pesada (Breda ou Browning ?) (1ª foto, em cima); mais elementos do 'bando' com uma peça de caça: um papa-formigas... Aqui caçava-se e comia-se tudo que tinha pernas (excepto mesas e cadeiras, que também não as havia) e tudo o que tinha asas (excepto aviões, e que passavam ao largo). As fotos tanto podem ser do A. Marques Lopes como o António Moreira, ambos Alf Mil deste 'bando', que tinha a sua cabeça em Geba. O Marques Lopes, o Moreira, o Reis e o Maçarico, os quatro alferes da companhia, criaram uma amizade a toda a prova e encontram-se regularmente. 

 Fotos: © A. Marques Lopes (2008). Direitos reservados.


 
1. Mensagem, com data de 29 de Março de 2009, de um nosso amigo e camarada que, com a criação da Tabanca de Matosinhos, tem andado mais caseiro, lá por cima (espero poder abraçá-lo na próxima 4ª feira, dia 8...)... Trata-se de um tabanqueira da primeira hora, o A. Marques Lopes, Cor DFA, na situação de reforma. Foi Alf Mil na CART 1690 (Geba ) e CCAÇ 3 (Barro) entre 1967 e 1969 (Aqui, na foto, à esquerda). Conheceu alguns dos melhores Bu...rakos da Guiné, por exemplo Cantacunda, destacamento de Geba, que ficava também a cerca de 40 kms da sede da companhia, a CART 1690, perto da base que o PAIGC tinha em Samba Culo, na margem sul do rio Camjambari. Também conheceu a boa vida de Banjara e de outros Bu...rakos. Viveu sempre em 'bando', como era norma na época.


Ronda a ofensa (*) 

 O senhor General Almeida Bruno, referindo-se aos combatentes na Guiné, disse que: “…a maioria esmagadora eram bandos que estavam atrás do arame farpado à espera que o inimigo atacasse para se defenderem… havia muito pouca iniciativa”. 

Põe como excepção os pára-quedistas e os fuzileiros (admiro-me que não fale nos comandos…). Parece-me que se trata de uma manifestação de sobranceria estilosa e de menosprezo da actividade, dos problemas e sacrifícios dos que estavam obrigados aos dispositivos táctico-estratégicos determinados não por eles, mas por quem dirigia a guerra, quer para gestão de quadrículas quer para ocupação de pontos considerados importantes para manobras operacionais ou para enquadramento de populações. Esta declaração entristece-me vindo de quem vem, sabendo eu o que sei, apesar de estar longe de ser alguma sumidade na arte da guerra, o que não é o caso do senhor General. É só pelo que vi e vivi, e também tenho lido. 

 Segundo os dados que colhi das publicações da CECA, 1.276 é o total de elementos que constituem o “bando”, então, dos mortos em combate na Guiné, não estando neste número, é claro, nem os fuzileiros nem os pára-quedistas (aos quais manifesto o meu respeito e admiração), que também lá tiveram mortos. Uma “limpeza” que a guerrilha fez atrás dos nossos arames farpados?… Eu “vi” que não foi assim. A primeira Companhia em que estive (CART 1690) teve 10 mortos em combate, na zona do Oio: 3 soldados e 1 alferes em ataques à base do PAIGC em Sinchã Jobel; 1 soldado e 1 capitão em deslocação entre destacamentos da companhia; 2 soldados, 1 furriel e 1 alferes em ataques do PAIGC a destacamentos nossos. Foram também evacuados para o HMP de Lisboa, por ferimentos em combate, 2 alferes (1 num deslocamento entre destacamentos, 1 numa operação) e 3 soldados (em operações). 

 Quanto à outra por onde passei, de guineenses do recrutamento local (não era tropa especial): enquanto foi 1.ª CCAÇ, teve 7 mortos em combate, quando andou por Bissorã, Talicó, Bedanda, mata de Cudana, Sambuiá…; depois de se transformar em CCAÇ 3, teve 15 mortos em combate, sendo 3 em ataques do PAIGC a Barro, 3 em ataques do PAIGC a Guidage (onde teve elementos destacados) e os restantes em operações ou emboscadas (Sano, Sambuiá, Canja...). 

  Quanto à “muito pouca iniciativa”: À CART 1690, quando chegou à Guiné, foi-lhe dada a responsabilidade de uma quadrícula de 1600 km2, na mata do Oio. Nessa quadrícula tinha, inicialmente, quatro destacamentos: Geba (onde era a sede da companhia), Camamudo, Cantacunda e Banjara (estes dois a cerca de 40 km de Geba). Depois constituiu mais um destacamento em Sare Banda. A companhia foi, pois, desmembrada desta maneira… por “iniciativa” dos altos comandos da guerra. Mesmo assim: - forças suas participaram em 61 operações com nome de código, 12 destas com PCV; - forças suas realizaram 1561 patrulhamentos, 36 emboscadas e 442 outras acções. Quanto à CCAÇ 3 não tenho dados numéricos, mas, da minha experiência pessoal, garanto, senhor General, que os pelotões desta companhia realizaram inúmeras emboscadas e patrulhamentos na fronteira com o Senegal, nas zonas de Sano e Canja, e participaram em várias operações em Sambuiá. 

 O que diz o senhor General é a “sua” verdade, com muita coisa em falta, que, pelos vistos, desconheceu (embora me custe a crer…). Vou dar outros dados que constituíram a verdade dos “bandos” que estavam atrás do arame farpado: - da CART 1690 houve 15 elementos que foram evacuados para o HMP de Lisboa por motivo de doença - e dois exemplos de uma das razões disso: o destacamento de Banjara esteve, em certa altura, com dois meses sem abastecimentos, tendo os seus ocupantes que se desenrascar comendo macacos e cobras; quanto à água, porque só havia fora do arame farpado, estabeleceu-se tacitamente uma escala: num dia iam os do PAIGC da zona e noutro dia iam os nossos buscá-la; em Barro, quando as barcaças demoravam muito tempo a trazer-nos os abastecimentos pelo Cacheu, tínhamos de ir “caçar” as vacas que o PAIGC tentava levar do Senegal para o Oio – era uma forma de poder comer de jeito. 

 As condições que tínhamos no arame farpado não eram as mesmas, naturalmente, do que as que tinha quem estava em Bissau. Até das coisas mais comezinhas tínhamos, muitas vezes, que nos privar. Eu, por exemplo, que sempre fui um fanático por óculos escuros rayban, nunca os pude usar. É que, quando no arame farpado, eram topados ao longe e, quando em emboscadas, patrulhamentos ou operações, seria logo referenciado. É claro que não me interessava ser um alvo privilegiado. Parece-me que, num programa [da RTP] com a projecção de A Guerra não foram nada cuidadas as declarações do senhor General, mesmo que delas esteja (mal) convencido. Os que estão a leste do que foi a guerra pensaram mal de nós, os ex-combatentes, alguns terão mesmo pensado que andámos lá a passar férias. Os que querem conhecer o que ela foi, ficaram mal informados, induzidos em erro. Para nós raiou a ofensa. A. Marques Lopes 

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 Nota de CV:

1 comentário:

Julio Vilar pereira Pinto disse...

Amigos combatentes da Guiné, agora é que eu vejo porque é que o General falou em "bandos", falou foi de inveja por voicês estarem bem instalados nesses resorts,cmo ar condicionado, diversões à fartazana e ele coitado no duro em Bissau e a viver sem condições nenhumas.