quarta-feira, 25 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4076: Os nossos camaradas guineenses (4): Amadu Djaló, com marcas no corpo e na alma (Virgínio Briote)


Guiné > Brá > 29 de Junho de 1973, o Dia do Comando > Cerimónia de imposição de crachás aos novos comandos do Batalhão de Comandos  da Guiné (mais conhecido como Batalhão de Coamndos Africanos=, na presença do General Spínola. 

Foto de Voz da Guiné, nº 203, Separata, 30 de Junho de 1973, dedicada ao Dia do Comando > Legenda: "O Major Almeida Bruno, manifestamente satisfeito, ao impor novas divisas um dos seus 'comandos' Nesse dia, o Batalhão de Comandos da Guiné passou a ter mais 2 Tenentes, 1 Alferes, 12 Primeiro-Sargentos, 3 Segundo-Sargentos e 24 Furriéis. Foto da autoria do fotógrafo Álvaro Geraldo.

 Imagem gentilmente cedida por Magalhães Ribeiro (2006), nosso camarada e amigo da Tabanca de Matosinhos. 

 Guiné > Bissau > Voz da Guiné > Separata do nº 203, de 30 de Junho de 1973, dedicada ao Dia dos Comandos (1). 

  1. Comentário, com data de ontem, de Virgínio Briote, nosso co-editor, ao poste P4607 (*) 

 Caros Carlos Marques dos Santos, Torcato, Artur Conceição, Jorge Picado e mais Camaradas: 

 Obrigado pelo vosso incentivo. Hoje passei a tarde com o Amadu. Soube mais dele, vou-o sabendo aos poucos.É uma alma muito grande. Nasceu oficialmente em 1940. Mas, na verdade, veio ao mundo de Bafatá, em 1938, filho de pai de Fulamori e de mãe de Boké, ambos da Guiné-Conacri. 

 Tem duas mulheres a viver em Bafatá e dez filhos ao todo. Como foi preso e sujeito a sevícias três vezes, tem receio de regressar à cidade natal. Aqui, não lhe reconhecem o posto de Alferes que usou, vezes e vezes, durante a guerra, como soldado ou comandando grupos nas matas de Madina, do Oio, da Coboiana, até na cidade de Conacri e nas matas de Kumbamory. 

 Três marcas no corpo e muitas feridas na alma. Nada de reconhecimentos, nem um pão para a boca, vive do trabalho das duas filhas, aqui, em Odivelas, onde vivem quase todos os nossos Camaradas africanos. É um homem desiludido e amargurado. Não pode deixar de o ser. Portugal recusa-o a aceitar. Nem o considera militar português, e temente da instabilidade na terra dele, Amadu receia regressar. Os comandos africanos ainda não são bem vistos, ao contrário de nós, europeus, que nos recebem [,os guineenses], pelos vistos, de braços abertos. 

Vou levar o trabalho até ao fim (**). Depois, reformo-me também da guerra. Um muito obrigado a todos. vb 

  2. Comentário de L.G.: 

 Há tempos (**), o vb mandou-nos, a título informativo, uma amostra (ou um excerto) do índice (provisório) do livro que tomamos a liberdade de reproduzir, para informação do dos leitores... Os amigos e camaradas da Guiné serão seguramente dos primeiros a comparecer ao lançamento do livro do nosso camarada guineense Amadu Djaló, um homem abandonado e amargurado que precisa da nossa solidariedade (que já lhe está ser dada, na pessoa do vb, o nosso querido co-editor que está praticamente a 100% a trabalhar na  revisão e ficação do texto manuscrito do Amadu e que já nos prometeu, para tristeza nossa, que depois disso se vai "reformar também da guerra"... Tristeza por que aquela expressão pode ter também um outro significado, o da despedida do nosso blogue... Ou pode pura e simplesmente querer dizer: estou em paz com a Guiné, saldei as minhas contas, exorcizei os meus fantasmas, fiz o luto... Um dia vai acontecer-nos isso a todos nós: afinal, já andamos a fazer 'blogoterapia' há quatro anos, desde Abril de 2005... 

  LIVRO 1 Libertação Grupo  | Fantasmas 

  Índice ou Temas Traços Gerais  ! Carta de condução  | Reunião de ajudantes condutores  | Contacto com o Governador-Geral da Guiné  ! Audiência com Sua Excelência  | Concentração na Administração do Conselho  | 

1ª Incorporação no Exército Português - Ano de 1959 | Viagens ao Senegal |NTerminadas as viagens ao Senegal | Circuncisão " 

Incorporação no Exército Português - Ano 1960/61 |   Meu tio-avô | Tratamento medicamentoso | O Mercado Municipal |  Ida à Administração Civil | Regresso da Administração Civil ! Dia seguinte e intervenção do Tenente Carrasquinha 

 A minha incorporação no Exército Português – Ano de 1962 | O 9 de Janeiro de 1962 | O tocar da corneta | 1º Contacto com o quartel | Escola de condução em Bissau | O 1º contacto com o capitão Simões | O 2º contacto com o capitão Simões | Correria do QG para o refeitório da B.A.C. ! Concentração de todos os adidos | Passagem por porto de Inchudé | Porto de …  | Bedanda  ! A 1ª saída em Bedanda | Uma granada espanhola | A ida para Cacine | Bedanda, nosso poiso | O meu destacamento para Cacine | A minha actividade em Cacine | A morte prematura de …  | As minhas férias  | Terminadas as férias em Bafatá e embarque para Bissau | Bolama à vista | Regresso de férias, partida de Catió para o porto de … | Novamente em Bedanda | Adeus Bedanda | Finalmente em Bissau | Farim, o meu destino |   Regresso inesperado | A minha 1ª saída em Farim | A minha ocupação | A recolha de pelotões | A tabanca de Bricama | Atitude sensata do Comandante | Nova ida à tabanca de Bricama | O 1º ataque do PAIGC (...) 

 ______ 

 Nota de L.G.: 


Em 13 de Fevereiro último, o vb explicou-nos como lhe chegou às mãos este manuscrito: 

  "Fui contactado há tempos pelo Lobo do Amaral, Presidente da Associação de Comandos, para colaborar na revisão das memórias de um comando, natural de Bafatá. Na altura, embora no íntimo muito interessado, respondi que não me sentia em condições para tal projecto.

"Ontem, voltou à carga. Que a Associação de Comandos quer publicar em livro as memórias de um guineense que viveu os anos todos da guerra e que na Guiné conheceu os governos de Silva Tavares até Spínola. 

"Eu quero fechar a minha vida na Guiné e não posso. Estive hoje na Associação de Comandos com o Presidente. Passou-me para as mãos as memórias do Amadú Djaló. Desde 1958 até 1974. Desde soldado até alferes. Toda uma vida de um guineense qque se afirma tão português como muitos de nós. Que escreve em crioulo, ou melhor num misto que ainda não consegui perceber bem. E de que vos mando uma amostra, uma primeira abordagem que comecei esta tarde a fazer. 

"Os olhos doem-me de perceber a escrita manual do Amadú e de escrever para um português perceptível, respeitando o estilo da escrita do autor. Foi meu camarada nos comandos [,em Brá, 1965/67,], embora nunca no grupo a que pertenci. Pertenceu ao grupo do Saraiva, depois ao do Luís Rainha. Mais tarde esteve em Fá Mandinga, na formação dos comandos africanos. 

"Cumbamori e Conacri fizeram parte do itinerário de vida do Amadú. Penso que vamos ter aqui uma obra que vai abrir o blogue aos combatentes africanos que estiveram do nosso lado. 

"Um abraço do vb".

11 comentários:

Anónimo disse...

Caros camarigos

Este texto, para além de tudo o que revela, confirma-nos mais uma vez a vergonha que o nosso estado português nos faz passar perante aqueles que foram nossos camaradas de armas, que lutaram connosco, e que são portugueses como nós.

São portugueses muito mais que tanto jogador de futebol nacionalizado, (não tenho nada contra isso), e que vivem em e de Portugal.

Quantos são os que estão na situação deste nosso camarada e compatriota, e não me refiro só aos que serviram na Guiné, mas tambémn em Angola, Moçambique e por aí fora até onde chegava Portugal.

E quantos somos nós ex-combatentes da guerra de África?

Não será possivel fazer uma lista de todos aqueles que estão nesta situação e os ex-combatentes todos juntos, (penso que o número chegará), fazerem uma "Petição", ou lá como é que isso se chama, à Assembleia da República para que esta vergonha seja de uma vez por todas erradicada do nosso País?

Na Segunda feira fui ao Quartel de Leiria dar testemunho para um processo de um soldado da Guiné.
Deixei nesse testemunho escrito a minha indignação pela forma como tratam os ex-combatentes e a vergonha que é um país que não sabe honrar os seus filhos que lhe deram as suas vidas ou pelo menos grande parte delas.

Deixemo-nos de palavras e passemos à acção.
Alguém que tenha acesso a esses dados que prepare essa lista e depois façamos circular entre os ex-combatentes a tal "Petição" à Assembleia da República.
Temos com certeza advogados entre nós que por isso estão aptos a redigir essa "Petição".

Se for preciso vamos arranjar um grupo que peça e vá reunir com os grupos parlamentares.

Quanto a mim não devem ser as associações já existentes porque muitas delas, (perdoem-me mas sinto-o), estão eivadas de politica.

Compete-nos a nós, ex-combatentes anónimos, deixarmos de o ser, e lavarmos a vergonha que acaba por nos cair em cima.

Perdoem-me a extensão do comentário.

Abraço fortemente camarigo a todos
Joaquim Mexia Alves

Hélder Valério disse...

Sinto que o Mexia Alves tem toda a razão.
Há um tempo para tudo.
Este é o nosso tempo!

Um abraço para toda a Tabanca.

Hélder S.

Anónimo disse...

V. Briote, a verdadeira guerra do ultramar foi feita com esses homens ao nosso lado.

Sem esses homens não se conta a verdadeira guerra que durou 13 anos.

Já são guineenses modernos que se perguntam, porque para as valas comuns, o PAIGC, só mandou guineenses que lutaram ao do Tuga, e não consta que tantos caboverdeanos que lutaram contra o PAIGC, não tenham sido vítima dessas mortandades.

Foram muitos milhões de contos para a Guiné, dos diversos governos portugueses, (inutilmente?), mas dessa gente todos se esquecem.

Houve uns que fizeram história, outros contam histórias.

Coragem V. Briote.

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Com calma,serenidade e saber.
Já aqui neste espaço,manifestei a minha indignação sobre este Assunto. Concordante com o Mexia Alves, se ele e vós me permitem, acrescento o seguinte:- encontrar Camaradas de Lisboa , Porto e Coimbra para formarem um grupo de trabalho.(País de risco ao meio e onde a macrocefalia do poder assenta nesses centros...) Certamente com apoio em gentes em Leis e noutras áreas, para reunir elementos do mais variado tipo relacionado com o Tema dos ex-combatentes.
Talvez divirja um pouco neste dois pontos:1- falar com as Associações de combatentes;2- apresentar ao poder politico instituído, este ou outro, um trabalho assente nos elementos coligidos e pressionar ou dizer basta de tanta ignomínia. Quer a políticos quer a outros grupos associativos (sócio de dois)
Comecei pela calma e serenidade,termino com ela mas um murro na mesa (aqui sinónimo do que entenderem)nunca fez mal a ninguém.Abraços do Torcato de Mansambo

Anónimo disse...

Ainda:
O trabalho do Virginio Briote, além de meritório, pode agitar águas. Caso o testemunho do Amadu, que é transversal a toda a Guerra e á dita libertação, pode dar relato dos acontecimentos vividos por um Guineense, nas Forças Armadas de Portugal. Serve a muitos. Ex-combatentes,Portugueses e Guineenses de várias gerações e diz: FOI isto- se não acreditas contesta com factos. Depois Foi isto e Provo! Tenho dez filhos e duas mulheres que não posso ver. E Acuso! Tu bem instalado cá ou lá não sentes algo? Não? Ao que chegaste...
E mais não digo AB Torcato de Mansambo

Anónimo disse...

Caros Camaradas
Indignidade é palavra que não existe no vocabulário dos que nos governam, por não ligarem ao Povo. Apenas a descobrem quando se sentem ofendidos.
Tudo isto para dizer que concordo com o que foi escrito pelo Camarigo e todos os outros.
Faça-se andar com a ideia para a frente. Prepare-se a petição para ser apresentada e ver até que ponto chega a lata, dos que lautamente engordam as suas contas, a dormitar nas bancadas da Assembleia e demais assentos, não etéreos, onde subiram, sem ou pouco terem feito na vida.
Abraços
Jorge Picado

Anónimo disse...

Meu Caro Jorge Picado
Não quero, de modo algum polemizar ou politizar este assunto.
Em 1975 deram-me o direito a Votar. A mim, a todos nós, a partir daí fomos construindo o nosso viver em democracia. Temos os governantes, nestes quase 34/35 anos, que fomos escolhendo. Este Tema dos ex-combatentes tem essa idade ou talvez mais. Nós Povo, nós ex-combatentes, é que não nos podemos acomodar. Por isso o tal grupo de trabalho de juristas e de outras áreas para elaborarem, de uma vez por todas, "trabalho" consistente, devidamente fundamentado e que seja,assim, determinante para acabar com esta humilhação. O Estado somos nós!Logo exigimos, ouvindo ou não, com a colaboração ou não das Associações de Ex-Combatentes, de quem de direito a reposição da Justiça.Quero lá saber do partido á ou bê, quero é que o Governo e a Casa da Democracia cumpram um dever e, de uma vez por todas seja reposto o direito, a tantos humilhados e ofendidos, a uma Vida condigna. Tenhamos nós o tal Trabalho devidamente coligido e que possa ser apresentado e defendido. Com a serenidade e a força da razão. Somos ainda muitos.
Um abraço para ti e para todos os homens e mulheres de boa vontade do Torcato de Mansambo
Já escrevi muito.

Anónimo disse...

Caro camarigo Torcato

Tens toda a razão, mas creio que o Jorge Picado não se referia a estes que nos governam, mas a estes e a todos os que nos governaram e não honraram os compromissos da pátria pelos seus filhos ex-combatentes.
Sei que esta maneira de escrever parece do antigamente mas faço-o de propósito, porque os valores e a dignidade com que uma nação deve tratar aqueles que por ela lutaram, são intemporais.

Quando me referia a associações, não me referia a Associações dos Comandos, dos Ranger´s, dos Páras, dos Fuzos, dos Especialistas da Força Aérea, etc, mas algumas outras mais preocupadas em fazer politica do que ajudar os ex-combatentes.

A hora tem que ser nossa agora, porque aqueles que precisam de nós, dentro de poucos anos deixam de precisar, tal como nós, que não vamos ficando novos.

Bem sei que o terreno politico é se calhar pior de progredir a mais perigoso que as matas de África, mas o tempo também nos deu tarimba para termos mais paciência e persistência.

Vamos a isto que o tempo urge. Provemos àqueles que connosco combateram que ainda há portugueses que honram os seus compromissos.

Abraço camarigo a todos
Joaquim Mexia Alves

Anónimo disse...

Não podia estar mais de acordo com os comentários anteriores. Faltam-me as palavras para classificar os que foram e ainda são responsáveis pelo abandono daqueles que lutaram ao nosso lado. Queria ainda dizer que acompanho o comentário do Luís a propósito do Briote dizer que se vai reformar da guerra. Penso aliás que só nos vamos mesmo reformar quando estivermos na cova.
Como sempre, aqui vai aquele abraço
Henrique Matos

Anónimo disse...

Camaradas,é necessário ter descaramento,muitos destes homens deram tanto e nada receberam,basta
de hipocresia,se fosse homem da bola já estaria naturalizado,se o Amadu andasse a meter bombas aqui e acolá,já andavam a dizer que o receberiam,de um qualquer Guantanamo,Tu Camarada merecias mais,Nós ex-combatentes somos solidários,avancemos com o baixo assinado, velhos mas com Honra
vale mais uma palavra de um ex
do que muita assinatura de politicos de aviário que por aí populam.
José Nunes
Beng 447
Brá 68/70

Anónimo disse...

Boa noite Camaradas
A indignação geral fica patente pelos comentários anteriores. De pessoas que fizeram a guerra, conviveram e solidarizaram-se com os africanos incorporados nas NT. Todos sabemos de casos em que uns salvaram os outros, de generosidade recíproca, de verdadeira camaradagem na dificuldade.
O Amadu será um entre tantos, que estão cá como lá. São produto das circunstâncias, e de políticos que nunca pensam no interesse público, na decência e na moral.
A sociedade também não tem manifestado a solidariedade devida.
Vamos ao passo seguinte: não vejo com optimismo a possibilidade de aos antigos militares africanos, que vivem do que cada dia lhes der, ser-lhes conferida uma qualquer pensão que lhes garanta a dignidade. Não vejo que lhes seja reconhecido um regime de previlégio em concursos para empregos. E são pessoas de idade avançada, de pouca instrução, com poucas possibilidades para competir na procura de emprego.
E serão muitos, naturalmente.
Por isso, torna-se necessário procurar soluções bem inspiradas, aceitáveis pelo poder político, como pela sociedade civil.
Assim, junto-me aos comentadores na procura de eventual solução. Teremos que pensar em soluções originais, por um lado, e para o insucesso da iniciativa, por outro.
Talvez o Pepito possa inspirar-nos. Talvez o Estado ou alguma autarquia cedam meios de produção para uma ou mais cooperativas.
Em todo o caso, havendo vontade, cada um à sua custa, poderemos providenciar um encontro objectivo, onde serão debatidas as ideias, e elaborado um plano de acção. E por falta de estrutura, que os subscritores de comentários se disponibilizem e que o Luis, por exemplo, marque uma data para aferição das possibilidades.
Abraços fraternos
José Dinis