domingo, 22 de março de 2009

Guiné 63/74 - P4066: Humor de caserna (9): Quando os alentejanos de Jumbembem viram cair-lhes os tomates... a seus pés (Artur Conceição)

Guiné > Região do Oio > Jumbembém > CART 730 (1965/67) > Artur Conceição, o hortelão na sua horta onde se gabava de cultivar os melhores tomates e alfaces do CTIG.

Foto: © Artur Conceição (2009). Direitos reservados.

1. Mensagem do Artur Conceição, ex-Sold Trms Inf e Cond Auto, CART 730, Bissorã, Farim e Jumbembém (1965/67):

Caro Luís Graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote

Para dar continuidade à linha dos dois últimos postes, 4064 e 4065 achei que era ocasião de mandar este texto, que já estava escrito faz algum tempo.

Tive o cuidado de seguir as recomendações do Luís Graças que desde já agradeço.

“Fruto do tomateiro é tomate, e não se escreve no plural”

Deixo ao vosso critério o interesse que possa ter.

Um abraço

Artur António da Conceição
Damaia - Amadora


2.Humor de caserna (*) > Frescos em Jumbembem!... Só tomate e alface
por Artur Conceição


Em Outubro do ano passado, estive em Benfica a cumprimentar alguns camaradas, e também para assistir à apresentação do livro do António Graça Abreu.

Como sempre acontece nestas ocasiões fala-se de muita coisa relacionada com a guerra.

Os mais atentos, e que fazem a leitura de todos os postes, já perceberam que durante os 13 anos de guerra na Guiné houve avanços e talvez recuos como é normal.

A dada altura falou-se da logística e do poderio aéreo de ambas as partes, o que como é evidente gerou debate de opiniões, como seria de esperar, e ainda bem que assim é.

Para mim, combatente entre 1965 e 1967, deixou-me um pouco admirado ouvir falar em distribuição de frescos (couves, pepinos, tomates e outros), por helicópteros e avionetas, a partir de Bissalanca para os aquartelamentos espalhados pelo resto do território.

Não tenho qualquer razão para duvidar desta afirmação, mas parece-me que primeiro é necessário que a acção seja colocada no tempo.

Durante o tempo que estive em Jumbembem, apenas tenho ideia de duas idas de helicópteros para evacuar dois mortos, e uma terceira para evacuar uma doente da população. A avioneta passava uma vez por semana para largar lá do alto os sacos do correio, e nada mais caía do céu, a não ser umas valentes chuvadas no seu tempo. Morteiradas… Graças a Deus, nunca caíram.

Chegaram em determinada altura umas galinhas vindas de Farim, mas em coluna, e que por serem poucas foram parar à messe de Oficiais e à messe de Sargentos. Em má hora o fizeram, porque para agravar a situação aconteceu na ausência do Comandante da Companhia, isto porque os praças fizeram “serenata” junto a essas messes com aquela canção do Conjunto António Mafra: “oh senhora Marquinhas, cuidado com as galinhas porque o meu galo é solteiro"...

Sem pretender meter foice em seara alheia, penso que o solo da Guiné é muito bom para a produção de muitos produtos agrícolas que designamos por frescos. Em relação a alface e tomate, posso afirmar que é um sucesso, porque aqui falo por experiência própria.

Muitos produtos agrícolas não existiam na Guiné porque não eram cultivados, e não eram cultivados talvez por uma questão cultural. Os hábitos alimentares da população não incluem este tipo de produtos.

Ao fundo das moranças de Jumbembem, entre a tabanca e a ribeira existia uma faixa de terreno onde havia um poço que tinha instalada uma bomba de balanço para tirar água onde nos abastecíamos para todas as necessidades antes da abertura do furo. A partir da altura em que foi aberto o furo, esta bomba deixou de ter a mesma utilidade e servia apenas para rega e algumas, poucas, lavagens, pois o furo debitava quanta água fosse necessária para a CART 730 e para a população.

Foi neste bocado de terreno que alguns de nós, os mais dedicados à natureza, plantámos alface e tomate que depois usávamos na alimentação, suprindo assim a falta dos tais frescos que não vinham de lado nenhum.

A produção de alface era de tal ordem que em menos de um mês, depois de sair do alfobre, estava pronta a comer; isto é, quando se arrancava uma para comer, era colocado logo outra naquele local. Quando se chegava ao fim do terreno, era voltar ao princípio e repetir o mesmo processo.

Quanto aos tomateiros, a produção era mais morosa mas havia belos exemplares e de excelente qualidade.

O meu contacto com a agricultura tinha terminado por volta dos 11 anos, mas entre andar a martirizar os peixes, metidos num bidão, para fazer campeonatos de pesca, ou andar a cultivar alface e tomate, eu preferia a segunda alternativa.

Ao lado da “horta das transmissões” havia a horta dos camaradas Alentejanos que, com muito mais experiência iam dando umas dicas e fornecendo sementes, que eles próprios pediam da Metrópole. Algumas dicas eram aceites, mas outras não, e ainda bem!!!

Um certo dia, os camaradas Alentejanos, compartes da horta, receberam da metrópole a seu pedido sulfato de cobre e cal para fazer uma calda bordalesa para tratar os tomateiros. Perguntaram-me se eu queria, mas eu argumentei que os tomateiros não tinham qualquer doença. Venceu a tradição e os tomateiros dos Alentejanos levaram mesmo com a calda bordalesa em cima.

O pior estava para acontecer, porque os tomateiros, todos “capadinhos” e carregadinhos dos mais bonitos exemplares, ficaram completamente queimados como se por eles tivesse passado um incêndio.

Os Alentejanos quando viram o resultado, caíram-lhes.. os tomates aos pés e confesso que não era para menos!

Tinham uma seara de luxo e ficaram sem nada. Os meus safaram-se de boa.

_________

Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior desta série > 21 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4064: Humor de caserna (8): O Silva cagou-se (António Matos)

Sobre a temática hortofrutícola, vd. também o poste de 21 de Março de 2009 > Guiné 63/74 - P4065: As Nossas Queridas Enfermeiras Pára-Quedistas (7): Os tomates do Capelão da BA 12, Bissalanca... e outras frutas (Miguel Pessoa)

2 comentários:

António Matos disse...

Se bem me apercebi, o meu post " O Silva Cagou-se" reabriu o tema "Humor de Caserna".
Desde logo, porém, e na presença de outros textos, pressenti uma necessidade de se passar a explicar o inexplicável ou seja, explicar o humor que a soberba diversidade da língua portuguesa permite.
Sentiu-se a necessidade de esclarecer que os tomates do capelão mais não eram do que os do tomateiro da horta do mesmo bem assim como Folhões não deveria ser confundido com outro vocábulo do nosso léxico vernáculo...
Tudo isto me fêz pensar se a expressão "cagou-se" teria ultrapassado o limiar do consentido por tão esmerados ouvidos que a vida militar apurara e educara.
Perante tão exacerbada dúvida, meti mãos à obra e fui rever outras aplicações do verbo cagar de modo a penitenciar-me, se fosse caso disso, por tão vil desaforo linguístico.
Estou-me cagando para este comentário - é uma expressão corriqueira e de aplicação linear neste contexto ;
Que cagada de post - é outra expressão com a qual podemos classificar aquele onde um jornalista desenvolve a teoria de que os militares na Guiné morriam essencialmente de desastres rodoviários ;
Isto é de cagar a rir - expressão empregue no climax do gozo ao ler alguns comentário deste blogue ;
Cagaste esta merda toda - quando alguém estraga o que estava feito como, por exemplo, se põem em questão algumas opiniões expressas neste blogue....
Depois desta reflexão aturada, concluí que "cagar" é muito usado quer pela plebe quer pela nobreza, quer como necessidade fisiológica quer como liberdade de expressão e ... descansei.
Para todos um abraço da Amadora até ao Colombo ( ida e volta ), com passagem pela Casa do Artista, circundando as obras da CRIL

Anónimo disse...

Companheiros:

Não estou de acordo com o Artur Conceição.
Para haver horta é preciso haver água.
Em Mansambo não havia.
Era preciso ir à "fonte" até que o cantarinho se partiu.
Uma emboscada, vinda da copa das árvores destroçou um pouco a Companhia.
Assim que foi conseguido um "furo" e água no aquartelamento, TUDO MUDOU.
O banho, e também, a possibilidade de uma horta, tomate, etc...

Muita sopa de beldroega!!!

Mas de Heli chegou muito FRESCO.
Até batata mais podre do que sã!!!

CMSantos
Mansambo CART 2339 - 68/69