terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3932: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (23): Resposta do autor do livro a António Martins de Matos (Parte II)

1. Texto de Coutinho e Lima, enviado em 10 de Fevereiro último.

Comentário sobre a apreciação de “ A RETIRADA DE GUILEJE” de António Martins de Matos (Coutinho e Lima)

2ª (e última) Parte (*)


Sobre a maneira de actuar da Força Aérea, foi afirmado:

“…o apoio aéreo em vôo baixo, com metralhadoras e foguetes, ainda que possa aumentar o moral das tropas, é, e será sempre, completamente inadequado”.


O Sr Ten Gen terá que confrontar o Sr General da FA Lemos Ferreira, na altura Coronel Piloto Aviador, Comandante da última parelha de FIAT G-91, que prestou Apoio Aéreo a Guileje, na tarde de 21 MAI 73. No seu depoimento (págs 137/138, resposta à 2ª. Pergunta), declarou:

“…o pedido teve execução com bombardeamento nos locais mais suspeitos e igualmente com metralhamento…”.

Este apoio “completamente inadequado” (na opinião do Sr Ten Gen), foi apreciado, de maneira diversa, por Guileje (pág. 140, último comentário):

“…o pessoal presente na guarnição considerou esta missão de Apoio Aéreo a mais eficaz de todas”.

Não só contribuiu para aumentar o moral das tropas, que tão baixo estava, como também neutralizou o Inimigo, que não mais se manifestou na área bombardeada e metralhada.


“Um homem sem perfil, …”.

Não reconheço ao Sr Ten Gen autoridade para avaliar o meu “perfil”, até por que não me conhece.


Quanto ao “erro de casting” que, segundo o Sr Ten Gen, foi a minha nomeação para o COP 5, não sou a pessoa indicada para comentar.

São ainda apontadas “algumas decisões” que não terão sido as mais correctas”.

Tenho muito prazer em esclarecer tais “decisões”.

“O estabelecimento da sede do COP5 em Guileje em vez de Cacine ou Gadamael”.

Na página 24 do meu livro (nº. 4. Sede do COP 5), está explicada a razão por que a sede foi em Guileje.

“…troca de armamento sem razão aparente…”

Em 24 JAN 73 (3º. dia de existência do COP 5), propus a substituição das 3 Peças de Artilharia de 11,4 cm por 3 Obuses de 14 cm (pág. 25); o motivo desta proposta foi o conhecimento que eu tinha, de que as munições de 11,4cm estavam a acabar, o que não se verificava com as granadas de 14 cm. A proposta incluía também a permanência das Peças, em Guileje, enquanto houvesse munições, juntamente com os Obuses; as Peças regressariam a Bissau, no final da época das chuvas.

O atraso na substituição do material de Artilharia (em 18 MAI 73 só estavam em Guileje 2 Obuses), conjugado com a ordem para as peças seguirem para Bissau (via Gadamael), antes mesmo de se completar a substituição, diminuiu grandemente o apoio de fogo de Artilharia (a arma mais potente que tínhamos), quer em quantidade, quanto em qualidade; em vez de 3 Peças, passaram a existir 2 Obuses, com a agravante de o tiro das primeiras estar perfeitamente regulado (por observação aérea) e a impossibilidade de regular o tiro dos Obuses, por falta de meio aéreo, para o efeito. O fogo de Artilharia, sem regulação de tiro, mostrou-se pouco eficaz, comprovado na reacção à emboscada do dia 18 MAI.

“Suspensão da actividade operacional”

A palavra “suspensão” é da inteira responsabilidade do Sr Ten Gen; o que eu propus, em 27 ABR 73 (Pág 32, mensagem 588), foi.

“…SOLICITO REDUÇÃO MÍNIMO PARTIR 30 ABR ACTIVIDADE OPERACIONAL CCAV 8350…”

A justificação era a proximidade da época das chuvas e o grande atraso das obras em Guileje.

A resposta da REP/OPER foi:

“…AUTORIZADO, MEDIDA POSSÍVEL DEVE CONTINUAR ABERTURA ESTRADA MEJO”,

o que foi feito.

Ficam assim explicadas as decisões que “contribuíram para o agravamento da situação”, com que discordo totalmente. Tais decisões, nomeadamente a terceira (da minha parte houve apenas uma proposta), quando muito, não permitiram detectar os movimentos do Inimigo, na fase de instalação do seu dispositivo. Se não tivesse havido redução da actividade operacional, poder-se-ia ter constatado, mais cedo, a NÃO EVACUAÇÃO DE FERIDOS GRAVES, se os houvesse.

Importa, relativamente a Guileje, conhecer o que pensava o Comando-Chefe.

Na Reunião de Comandos efectuada em 15 MAI 73, sob a presidência do Sr General Spínola, o Sr Chefe da Repartição de Operações afirmou:

“ Se não forem concedidos os reforços solicitados e as armas que permitam às NF enfrentar o In actual, para lhe evitar, a breve prazo, a obtenção de êxitos de fácil exploração psicológica e graves efeitos tácticos da maior influência no moral das NT, julga-se que será necessário remodelar o dispositivo, reforçando guarnições que sob o ponto de vista militar se considerem essenciais e que permitam, à luz de outras concepções de manobra, desencadear mais tarde acções ofensivas com forças de grande envergadura para recuperação de posições enfraquecidas, ou estruturar uma manobra de feição caracterizadamente defensiva baseada na implantação de um certo número de pontos de apoio a sustentar a todo o custo…”.

Os reforços solicitados eram tais que, estou certo, o próprio Comando-Chefe estava ciente que não podiam ser satisfeitos pela Metrópole.

A remodelação do dispositivo, preconizada em 15 MAI 73, já devia ter sido feita; com efeito, as hostilidades em Guidage tinham começado em 8 MAI 73 e, no que diz respeito a Guileje, o Comando-Chefe possuía elementos de informação suficientes para prever o seu início, a curto prazo.

O último “cenário” apresentado, parece que seria o preconizado para Guileje, já que o Sr. Comandante-Chefe, ao nomear o Sr Coronel Paraquedista Rafael Durão para novo Comandante do COP 5, alterou a Missão deste (pág 117 – Resposta à 1ª Pergunta):

“…No dia 21 recebi directamente de Sua Excelência o General Comandante-Chefe ordem para manter a todo o custo o destacamento de Guileje, naquele local, para o que devia verificar as necessidades em meios para lá colocar os abastecimentos de toda a ordem, mais de 200 toneladas…”

A missão de “manter a todo o custo”, era a mais exigente e que, no limite, poderia significar que era preciso aguentar até ao último homem; não era esta a Missão que me estava confiada, pois se o fosse, não poderia ser efectuada a retirada.

Não posso deixar de referir que, naquela data (21 MAI), com o aquartelamento de Guileje sujeito a intensas, constantes e prolongadas flagelações, desde as 20 horas do dia 18 MAI, a preocupação era “ colocar lá os abastecimentos…”, em vez de, em primeira prioridade, desarticular o dispositivo do Inimigo, de modo a aliviar a forte pressão que estava a ser exercida sobre as Nossas Tropas.

Na mesma Reunião de Comandos de 15 MAI 73, o Sr. Brigadeiro Leitão Marques, Comandante Adjunto Operacional do Comando-Chefe (oito dias mais tarde seria nomeado para proceder a Auto de Corpo de Delito contra mim), afirmava, conforme consta na acta da referida reunião:

“…No mínimo, e disso não restam quaisquer dúvidas, o In está a preparar as necessárias condições para conquista e destruição de guarnições menos apoiadas por dificuldades de socorro (GUIDAGE, BURUNTUMA, GUILEJE, GADAMAEL, etc), a fim de obter os êxitos indispensáveis à sua propaganda internacional e manobra psicológica – isto está já ao alcance das suas possibilidades militares.

Quanto às vantagens para a manobra psicológica In, não podemos esquecer que qualquer êxito pode conduzir à captura de prisioneiros em número tal que possa constituir um elemento de pressão psicológica sobre a Nação Portuguesa.

…tal elemento será aproveitado ao máximo para desmoralizar a retaguarda e manter-se-á até serem atingidos os objectivos finais em todas as PU”. (Os negritos são meus).

A decisão de retirar de Guileje tem de ser comparada com a outra modalidade de acção, que era a de permanecer no local. Nas páginas 76 a 82 do meu livro, estão indicados os factores em que baseei a minha decisão.

Embora não dispusesse, na altura, da informação privilegiada do Sr. Comandante Adjunto Operacional, o meu conhecimento das possibilidades do IN, conjugado com a não atribuição de qualquer reforço, a não evacuação de feridos e com os outros factores referidos nas páginas indicadas, levaram-me a considerar a posição insustentável e, em consequência, decidir efectuar a Operação de Retirada.

A alternativa era o cenário exposto pelo Sr. Brigadeiro Leitão Marques. Com a retirada, que foi um êxito, surpreendendo totalmente o Inimigo, foram evitadas as graves consequências, que eu previa como certas, para as Tropas Portuguesas, Milícia e População.

“Todos nós, que estivemos na Guiné, temos alguns fantasmas”.

O Sr Ten Gen faz uma generalização abusiva; na expressão “todos nós”, seguramente que não estou incluído; nunca tive fantasmas.

Também recuso, liminarmente, a designação de “herói”ou “anti-heroi”. Assumi as minhas responsabilidades de Comandante, fiz o que achei que se impunha ser feito e arquei com todas as consequências resultantes da minha decisão.

Relativamente ao que se passou em Gadamael, não quero deixar de fazer algumas considerações, tal como fiz no meu livro (págs 92 a 95 - Comparação entre as situações de GUILEJE e GADAMAEL).

Parece que não se colheram nenhuns ensinamentos do que ocorrera em Guileje. Com a guarnição de Gadamael muito aumentada, em minha opinião, impunha-se a adopção das seguintes medidas:

- Melhoramento das condições de defesa do aquartelamento (vá lá saber-se por que nunca foram construídos abrigos semelhantes aos de Guileje).

- Reforço urgente com tropa especial.

Parece lícito questionar que, se a guarnição de Gadamael tivesse sido reforçada em tempo oportuno (o reforço inicial só foi accionado em 2 JUN 73, sendo que a acção inimiga teve início em 31 MAI, pelas 14 horas), as consequências, para as NT e população, não teriam sido menos graves. Ninguém pensou que as tropas presentes em Gadamael, cujo estado físico e moral foi descrito pelo Sr. Alferes Miliciano Médico Antunes Ferreira (pág. 188), não estavam em condições de enfrentar um ataque em força do PAIGC?

E como se explica a “debandada”, que se verificou em Gadamael, dos Militares e da População, para fora do quartel (matas circundantes e margens do rio).

Responda quem souber.

Um ponto em que estou de acordo com o Sr Ten Gen Martins de Matos, qual é a homenagem ao Batalhão de Caçadores Paraquedistas nº 12, à qual me associo.

Para terminar, quero manifestar o meu apreço e grande consideração pela actuação da Força Aérea Portuguesa; em variadíssimas situações, muitas de extrema dificuldade e risco, tive oportunidade de constatar o seu alto grau de preparação, profissionalismo e espírito de missão. O apoio da FAP, importantíssimo para as Forças Terrestres, é merecedor da nossa maior gratidão.

Coutinho e Lima
Cor Art Ref
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Nota de L.G.:

(*) Vd. poste anterior > 18 de Fevereiro de 2009 Guiné 63/74 - P3910: A retirada de Guileje, por Coutinho e Lima (22): Resposta do autor do livro a António Martins de Matos (Parte I)

1 comentário:

Anónimo disse...

Companheiro Coronel Coutinho e Lima e tertulianos deste Blog:

Estive em defesa (??) de Portugal Uno e Indivisivel desde o Minho a Timor em 68/ 69.

As operações em que estive envolvido (85) não foram fáceis, incluindo a "construção de um aquartelamento" (!!!)

As decisões tomam-se perante factos e não sobre " visões aéreas dos factos ".

Quem estava no terreno tinha que decidir, rápido, já, agora...

E, afinal, parece-me que a minha "guerra" foi muito soft, perante estas e outras descrições e comentários.

Que me desculpem os meus companheiros de percurso.

Um abraço,

CMSantos
Mansambo - 68/69