quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3909: (Ex)citações (16): Por que é que a FAP não bombardeou Madina do Boé em 24/9/1973 ? (Luís Graça / A. Graça de Abreu)

Guiné-Bissau > Região do Boé > Madina do Boé (?) > 24 de Setembro de 1973 > Imagens da cerimómia da proclamação da independência por parte do PAIGC, na presença de convidados e imprensa estrangeira, segundo a revista PAIGC Actualités, n º 54, Outubro de 1973.



1. Comentário de Luís Graça ao poste de 17 de Fevereiro de 2009 > Guiné 64/74 - P3905: PAIGC Actualités (Magalhães Ribeiro) (4): O nº 54, Outubro de 1973, dedicado à proclamação da independência: pp. 7-8
Uma pergunta para a qual ainda não encontrei resposta:

(i) As autoridades portuguesas (e em especial o Com-Chefe e a nossa polícia política, a DGS) sabiam que, no dia 24 de Setembro de 1973, o PAIGC iria proclamar unilateralmente, com pompa e circunstância, a independência, numa região libertada, a sudeste, neste caso na região do Boé, perto da fronteira com a República da Guiné-Conacri...

(ii) Gostava de saber em que sítio exactamente teve lugar a cerimónia da independência... (Alguém conhece as coordenadas? ).

(iii) A movimentação de pelo menos 120 representantes do Partido, mais os convidados estrangeiros, mais os dirigentes, mais as forças de segurança (não falando dos figurantes...) não poderia facilmente passar despercebida à FAP, que de resto tinha voltado a ser dona dos céus da Guiné...

(iv) Por que é que a FAP não actou nesse dia, sob os céus do Boé ? Não para provocar um massacre de civis (incluindo estrangeiros, o que poderia ter graves repercussões diplomáticas...) mas para afirmar a nossa soberania ou, pura e simplesmente, como prova de força...

O Nº 54 da revista PAIGC Actualités não fornece quaisquer dados para uma resposta a esta questão. Era um órgão de propaganda (ideológica), não de informação (jornalística)... para consumo externo. Obviamente.

Há tempos, (...) conheci o Eng Mário Cabral, que pertenceu ao primeiro governo da Guiné-Bissau, saído da declaração de independência em Madina do Boé. O nome dele e o cargo são, resto, referidos neste nº do PAIGC Actualités, de Outubro de 1973: Eng MÁRIO CABRAL, Sub-Comissário para o Controlo Económico e Financeiro...

(...) O Mário Cabaral (que não tem qualquer parentesco com o Amílcar Cabral nem o Luís Cabreal) é hoje um dos muitos quadros guineenses que viVE fora do seu país natal. Neste caso vive em Portugal. (...).

Na conversa que tive com ele, ...) ele contou-me que estava em Madina do Boé e da preocupação dos militares do PAIGC em relação à segurança. O ambiente era de festa, havia decorações penduradas nas árvores, havia muitas centenas de pessoas espalhadas pela mata, havia muitas mesas e cadeiras, etc., nada que não se visse do ar...

Ele na altura era um jovem, engenheiro, um quadro do exterior (julgo que nunca andou na guerrilha), e compreensivelmente não se sentiria muito confortável num lugar como aquele, num país em guerra...

O que poderia ter acontecido, se a nossa Força Aérea tivesse recebido ordens para bombardear as posições do IN, no dia 24 de Setembro de 1973 ?

Na altura não tive tempo de fazer essa pergunta ao Mário Cabral... Mas gostava de a fazer hoje, a ele, e outros dirigentes e militantes do PAIGC, ainda vivos, que viveram esse momento histórico...

E, já agora, os nossos pilotos... O que diz as suas cadernetas de voo nesse dia ? (...)

2. Idem, do António Graça de Abreu (ex-Alf Mil, CAOP 1, Teixeira Pinto, Mansoa e Catió, 1972/4):


Eu também não entendo porque a Força Aérea não actuou. A cerimónia terá sido mesmo em Madina do Boé, dentro da Guiné? Na altura eu soube que um mês depois da proclamação da Independência, o general Bettencourt Rodrigues foi de héli a Madina do Boé, até levou um jornalista alemão que fez uma reportagem. Não encontraram rigorosamente ninguém. (**)

Escrevi isso no meu Diário e há dois anos atrás em conversa com o Cap Mil, José Blanco, secretário pessoal do Spínola e do Bettencourt (1972/74), o meu velho amigo José Blanco confirmou-me que era mesmo verdade, o Bettencourt tinha ido mesmo a Madina do Boé, de héli.Talvez os nosso homens da Força Aérea possam acrescentar mais dados.

Um abraço,

António Graça de Abreu

________
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Notas de L.G.:

(*) Vd. último poste da série > 6 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3847: (Ex)citações (15): São momentos destes em que nos tresmalhamos nos carreiros e nas neblinas cobrindo as bolanhas (Mário Fitas)


(**) Vd.Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura, de António Graça de Abreu, p. 16~6.

Cufar, 6 de Dezembro de 1973

O governador, general Bettencourt Rodrigues, foi mesmo de helicóptero a Madina do Boé, ao lugar onde o PAIGC diz ter declarado a independência. A ideia que tenho da região é que se trata de zonas desabitadas, abandonadas há anos [, em 6 de Fevereiro de 1969,] pelas NT, devido à ausência de interesse estratégico da região no extremo da sudeste da Guiné.

O governador esteve lá durante uma dezena de minutos, numa espécie de comprovação da impossibilidade de o PAIGC ter usado aquela 'zona libertada' para declarar a independência. Houve um jornalista alemão que acompanhou a comitiva do Bettencourt Rodrigues e redigiu uma crónica datada de Madina do Boé. A propaganda é necessária.

Também é verdade que não encontraram vivalma na antiga povoação do Boé, destruída pela guerra em anos passados. Onde estavam os heróis do PAIGC que declararam a independência da Guiné em Madina do Boé ? Talvez não estivessem longe, mas ninguém os viu ?

9 comentários:

Unknown disse...

Caros amigos e camaradas. Permitam-me expor a m/ opinião.
A Guerra Colonial para uns, ou a Guerra Utramarina para outros, já estava deveras a ser fortemente criticada nos foruns internacionais, à excepção dos países sobejamente conhecidos, que apoiavam as guerras que eu designo como coloniais. Tambem na ONU como deverá ser do V. conhecimento já começavam as "resoluções" desfavoráveis à politica colonial portuguesa.
Agora o mais importante, é que Amilcar Cabral pela sua postura, inteligência e moral politica de estadista africano (na época) também já era reconhecido e respeitado nesses mesmos foruns e organizações internacionais.
Aqui a razão que levou a que o exército português (melhor dizendo, o governo portugues) não levasse a cabo nenhuma acção militar contra o PAIGC no momento da sua proclamação de Indepencia em Medina do Boé.
O resultado seria devastador para a politica externa do governo colonial portugues ou se desejarem (para a politica ultramarina do mesmo governo) a nivel internacional. Além de correr sérios riscos de qualquer acção militar nesse dia e aquele local poder redundar num fracasso, ou não atingir os objectivos militares por completo.
Primeiro porque eram GUERRILHEIROS no seu habitate, segundo não se convoca uma assembleia para proclamar a independencia no meio do mato rodeado de tropas inimigas, só porque "apeteceu" ao lider máximo. Implicou muita organização, logistica e vigilância. (Lembram-se de quando as vaquinhas passavam em filas muito rectilineas, sem se desviarem para os lados, mesmo à frente dos nosso narizes nos postos avançados??)
Permitam este àparte; na America Latina muitos grupos de guerrilha fazem proclamações de "povoações livres" rodeados de tropas altamente treinados nas florestas locais.
Aproveito para agradecer sinceramente ao camarada que propôs a publicação da edição do boletim do Paigc.
Seria bom que a par de nossa literatura militar/guerra ultramarina escrita por ex e/ou militares, tambem dessemos alguma atenção aos escritos de Amilcar Cabral.
Aos editores deste Blog, podem proceder como entenderem com este comentário.Obrigado.
Para todos e para cada qual, um abraço.
Carlos Filipe; ex CCS BCAÇ3872 Galomaro
Bissau, 24Dez71
galomaro@sapo.pt

Anónimo disse...

Não retiro uma palavra ao meu comentário anterior.Agora, lendo o que escreve o Carlos Filipe, parece-me ser uma hipótese a considerar. Mais: A politica de Spinola enquadra-se na hipótese do Filipe. Argumentos contrários; ataque a Conakri, Senegal etc, Mas, no meu tempo vi ele mandar desarmar, creio que eram rockets,colocados numa DO antes de uma operação de Páras no COP- 5 ou 7,(Galomaro)e na Lança Afiada não permitiu as emboscadas na margem esquerda do Corubal...e mais. Ora aqui, caso a cerimónia fosse feita em território da Guiné, dita portuguesa, o arrasar com um bombardeamento teria um impacto a nivel internacional tremendo. Muitos Países reconheceram a independência da Guiné posteriormente.Estou a ler o livro do Graça de Abreu e vou tentar, esta tarde, encontrar o escrito. Falta-me o tempo e não só.
Falando muito nestes assuntos não seremos um "veículo de propaganda" aos que nos combateram na Guiné???
Não tenho mais tempo por agora.
Abraços para todos do Torcato M

Anónimo disse...

Estas coisas com o Gen. Spinola eram sempre estranhas.
Recordo que durante o mês de Maio73 Guidaje deixou deixou de ser servida pelos meios aereos, nomeadamente para transporte de feridos ou de reabastecimentos e no entanto a meio do mês, no auge da guerra, a mesma parou,dos dois lados, durante uma hora para que o heli do Spinola aterra-se no meio do aquartelamento.

Luís Graça disse...

Carlos:

Cuidado com os anacronismos... Em 24 de Setembro de 1973, já o Spínola não estava na Guiné... Poderia estar talvez o seu fantasma, ou o vazio deixado por ele...Mas o Spínola não... Ele podia ter muitas qualidades, mas não o dom da ubiquidade...

De qualquer modo, não contesto o que dizes sobre o comportamento do Spínola, em Maio de 1973, em Guidaje...

Chamo a atenção só para as estas coisas das datas que são sempre uma trapalhada... Num poste do A. Marques Lopes, li que o Spínola regressou à Metrópole em 6 de Agosto de 1973, "vindo a ser substituído nos cargos que desempenhava na Guiné", Governador-Geral e Comandante Chefe... (Esse tipo de informação deveria vir numa boa cronologia da guerra colonial, na Guiné, que ainda não temos: no sítio 'Guerra Colonial 1961-1974', da A25A, a que existe é muito sumária...)

O homem que substitui Spínola foi, comos e sabe, o Gen Bettencourt Rodrigues, que aparece na Wikipédia como último governador da Guiné, desde 30 de Agosto de 1973...

O nosso camarada António Graça de Abreu, que estava no CAOP 1, em Cufar, e que era um homem bem informado, atento e preocupado, escreveu o seguinte no seu preciosos diário (já aqui tantas vezes citado):

"Cufar, 4 de Setembro de 1973

"O Spínola retirou-se estrategicamente da guerra da Guiné. É fácil entender porquê. Com o agravamento do conflito, não quis assumir derrotas. Foi a Lisboa, falou com o Marcelo Caetano, pediu mais meios, mais tropa, mais aviões, e disseram-lhe que não havia, não era possível.

"O general pediu a exoneração e acho que fez bem. Para os guineenses acabou o 'mito Spínola'.

"O novo governador, general Bettencourt Rodrigues, parece ser um homem com um 'curriculum' notável, mas que pode fazer na Guiné ? (...). Vai-se meter em grandes assados. Há muita descrença, cansaço, passividade a povoar o quotidianoda tropa portuguesa. E de certeza haverá mais feridos e mortos. De que aspectos se revestirá a fase final da guerra na Guiné ? Ninguém sabe"...

Noutro sítio, li que o Bettencourt Rodrigues tomou posse a 21 de Setembro de 1973...

Não se pode dizer que houvesse um vazio de poder, na Guiné, em 24 de Setembro de 1973, quando o PAIGC declarou unilateralmente a independência, alegadamente dentro do "nosso território", em Madina do Boé... É verdade que a situação político-militar era delicada e complexa para o novo Governador e Com-Chefe (um homem de resto considerado brilhante e competente, que nessa data ainda estava a 'palpar'o terreno)...

O antigo aquartelamento (e tabanca) de Madina do Boé, abandonado pelas NT em 6 de Fevereiro de 1969, ainda dista uns bons 8 a 9 quilómetros, em linha recta, da fronteira sul com a República da Guiné. Vd. respectiva carta:
htp://www.ensp.unl.pt/luis.graca/guine_guerracolonial28_mapa_madinaboe.htm

O mais provavel é que o PAIGC não tenha realizado a cerimónia exactamente na antiga Madina do Boé, mas em local mais conveniente, mais próximo da base de Foulamory, junto à fronteira, por razões logísticas e de segurança...

Anónimo disse...

Camarada Amigo Luís Graça:Cheguei e vim ver o "correio". O mail não é para mim mas errei igualmente. Dou a mão á palmatória. Pensei que o Marechal Spinola ainda estava na Guiné. Mas uma interrogação faço, a mim claro: esperaram a saída dele? Errei e não o devia ter feito. O livro dele - Portugal eo Futuro- é, salvo erro, dos últimos meses de 73 e uma 2ª edição de Março/74. Não quero errar mas quase de certeza. Irei confirmar.O resto mantenho e dúvidas muitas. parece-me bom ter dúvidas e errar de quando em vez.
Um abraço do Torcato

Anónimo disse...

Eu afirmei e mantenho que em Maio o Gen. Spinola aterrou em Guidage no meio da guerra,pois eu estava lá com o Sr. Cor Correia de Campos

Anónimo disse...

Eu afirmei e mantenho que em Maio o Gen. Spinola aterrou em Guidage no meio da guerra,pois eu estava lá com o Sr. Cor Correia de Campos

Luís Graça disse...

Acrescenta o Carlos Pereira, em mail que foi enviado para a nossa caixa de correio, e aquem agradeço a preocupação com o rigor factual:


"Em Maio73 eu estava com O Sr. Cor Correia de Campos em Guidaje e não falei em Setembro.

"Efectivamente o Gen. [Spínola] veio a Lisboa depois disso e depois de se encontrar por várias vezes em Zinguinchor com o PAIGC, pois passava no nosso corredor de heli e nós fazíamos protecção. Não voltou e foi subtituido pelo, penso, Brigadeiro e não General Bettencourt Rodrigues. Digo isto porque tenho uma cópia de uma ordem de serviço que se refere ao Brig Comandante Militar.

"Um abraço. Carlos Pereira"

Anónimo disse...

Caros amigos Tertulianos,
Estive com o Carlos Pereira, no funeral do Coronel Costa Campos em Sesimbra.
Falá-mos sobre Guidage, e muitas outras coisas da Guiné.
Só agora conseguimos identificar, e confirmar a nossa vivência com o Coronel Costa Campos e para além de conversas, a caminhada conjunta na Guiné, sendo a do Carlos Pereira preveligiada pois foi um homem do COP3.
Há muito a escrever e a dizer.
E há contactos de facto preveligiados.
Já agora, se quiserem tornar esta informação Histórica. Aí vai:
A Sra. D. Raquel mãe do Coronel Costa Campos, foi professora primária de Amilcar Cabral, o qual na mesma escola foi colega do Carlos Costa Campos mais tarde "adversários" na Guiné.
Tudo isto, para confirmar que o Carlos Pereira, poderia não saber isto, mas que tem muitos conhecimentos e que fala a verdade dos factos é realidade.

Para toda a Tabanca, vamos reconstruindo a verdade da Guiné, sem morteiradas.

O velho abraço do tamanho do Cumbijã,

Mário Fitas