terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Guiné 63/74 - P3867: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (9): Periquito quase depenado


1. Mensagem de Luís Faria, ex-Fur Mil Inf MA da CCAÇ 2791, Bula e Teixeira Pinto, 1970/72, com data de 8 de Fevereiro de 2009:

Vinhal

Com um abraço extensivo, segue uma estória fora do normal.

Naqueles tempos de Guiné onde as situações mais bizarras aconteciam, também houve os bafejados pela sorte e guardados por Deus, entre os quais me incluo.

Até mais
Luis Faria


Bula > Luís Faria parece dizer: - Salta periquito

Foto: © Luís Faria (2009). Direitos reservados



Bula – Periquito quase depenado

Estamos em primeiros de Setembro de 1972, sou já um velhinho que deveria estar com a Força no Cumeré a gozar os últimos dias para regresso a casa, mas não, nem o cheirei pois só na véspera de apanhar o Boeing da FA, cheguei a Bissau. Esqueceram-se que tinha promessa de poder gozar esses poucos dias onde quisesse, na Guiné. Sonhei logo com os Bijagós e foi… um belo sonho !!

Fiquei por Bula continuando no levantamento do extenso campo de minas já referido pelo António Matos e por mim, mas que felizmente estava nos finais. Dessa odisseia espero contar algumas peripécias.

Vamos à estória

A 26 Agosto, chegou para render a 2791 Força, a periquitagem da 3.ª CCAV do BCAV 8320 que, se bem me recordo, era liderada pelo falecido Cap. Salgueiro Maia

À altura, como disse, andava eu a levantar minas e quando íamos para o campo acompanhavam-nos um ou mais GComb para fazer a segurança, emboscando nos sítios que indicávamos.

Nesse dia, o Grupo que me escoltou era pira e chegados os 404 à zona da desminagem (k12/13) não recordo exactamente, há que saltar dos unimogues. Assim fazem e qual é o meu espanto ao ver os piras perfilarem-se de costas para a mata, quase ombro a ombro, aguardando ordem do Alferes! Pareciam estar na parada!! Não sei o nome do Alferes, só recordo que ele usava um testo do caraças na cabeça!!

Mandada corrigir a situação, chamo o Alferes, pego no croquis do campo de minas,vejo o azimute e pergunto-lhe, apontando-lha, se estava a ver uma árvore que se destacava de tudo o que lhe estava próximo. Não há confusão? Não, responde descrevendo a árvore.

Digo-lhe então:
- O meu Alferes leva o pessoal daqui sempre em linha recta, não desvia um metro que seja, ok? Quando o homem da frente esbarrar na árvore, a bicha de pirilau pára e cada homem fica nesse sítio, certo? - Assentiu e lá foram. Chegados ao local comunicaram, tudo bem

Avanço para o campo de minas, com a minha vara-medida, com a faca, com a pica e com a Walter para o que desse e viesse. Começo a lançar, picar,… levantar, lançar, picar levantar… e às tantas deito a vara-medida que me aponta para um cag… humano ainda fresco ??!! Pico e lá está ela, a mina mesmo por baixo! Este turra teve uma sorte do car… f…! e pego na Walter. Depois pensei e…
- Está alguém aqui? - Perguntei. Nada.
- Alguém esteve a cagar atrás desta moita, f…? - Perguntei elevando a voz. Sai detrás de um arbusto um pira que me diz, à rasca:
- Fui eu meu Furriel e explicou-se.
- Venha cá, (na tropa não tratava os soldados por tu) andou com uma sorte do ca… quer ver? - E levantei a mina ! O rapaz ficou sem pinta de sangue, coitado! De certeza nunca mais na vida se esqueceu e se calhar de ler isto vai suar outra vez!

Não o admoestei, a culpa não tinha sido dele. Mas que tinha tido uma sorte daquelas, isso teve. Ele e outros que tivessem entrado no campo.

Agora havia o problema de os tirar de lá. Chamei o Alferes e disse-lhe:
- Está pessoal no campo de minas; o último gajo da fila segue a direito para a estrada pelo mesmo caminho que veio e os outros seguem-no em linha recta, sem desvios. - Assim foi feito e ninguém graças a Deus saiu ferido

Conclusão: tinham passado, enganados, a árvore, mas Deus esteve com essa rapaziada pelo menos nessa hora.

Um abraço à Tertúlia
Luís Faria
__________

Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Fevereiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3849: Viagem à volta das minhas memórias (Luís Faria) (8): Bula, vésperas do Natal de 1970

6 comentários:

zeca disse...

Não tenho a certeza, se estava no esquadrão das panhares, que tambem era em Bula, o saudoso SALGUEIRO MAIA, mas que não era do Batalhão, isso tenho a certeza, sobre o campo de minas, na estrada de S. Vicente, diziam que 14 Km, não devia ser a 3ª companhia pois essa foi para o sul, já não me lembro quem ia para lá, pois a CCS, tinha um pelotão de sapadores. quem ficou em Bula, foi 1 ou 2 pelotões da 1ª e os outros dois e a 2ª, estavam em destacamentos, na área. Um forte abraço.
Zeca pinto.

zeca disse...

Eu digo os outros dois da segunda, mas não pois são quatro.
Abraços
Zeca Pinto

zeca disse...

Já agora, dia tragico, que tal como conta do Militar, que (ARREOU O CALHAU) sobre a mina, eu só porque tinha lá um primo na messe de sargentos, ficamos no quartel, com um amigo da minha terra, e os 3 ficamos no quartel, e deu-se os rebentamentos, no café do Senhor Silva, e no jipe, que se encontrava cá fora, não me lembro quantos mortos e feridos, sei que morreu, um amigo do meu amigo, e eu certamente estaria lá se não fosse o encontro com o meu primo, deus esteve comigo, infelizmente não esteve com todos, é a vida.
Abraços.
Zeca Pinto

Leonel Olhero disse...

O Salgueiro Maia estava no Batalhão de Bula, mas a comandar uma compª. independente- a 3420 (os Progressistas). Antes de ir para o Batalhão, a 3420 esteve distribuida pelos Destacamentos de Pete, de Unche e de Ponta Consolação, mas sob o comando do Batalhão de Bula também.
Leonel Olhero (Ex- furiiel milº. do Esquadrão PANHARD - Bula)

Leonel Olhero disse...

Os rebentamentos ocorridos no café SILVA, em Bula, foram no dia 24 de Agosto de 1972, uma quinta-feira. Ao mesmo tempo houve rebentamentos num geep, só que este estava vazio. À porta do café estava o 1º. cabo Realinho (já c/ comissão acabada) que morreu. TUDO ISTO CONSTA NUM LIVRO QUE PUBLIQUEI e escrito baseado num DIÁRIO que fiz na m/ vida militar. ULTRAJES NA GUERRA COLONIAL assim se chama o livro e cuja 2ª edição está quase a acabar.

Leonel Olhero ( ex-furriel mil. Esquadrão Panhard -BULA)

Leonel Olhero disse...

Ao Luís Faria:
O Batalhão 8320 chegou a Bula no dia 24 de Agosto e foi naquele mesmo dia que rebentaram granadas no café Silva e no geep.
Quem foi comandar aquele Batalhão foi o Ten Coronel Cunha (senhor de baixa estatura) e que já estivera em Bula numa anterior comissão e, como é lógico, c/ patente inferior. Este senhor era de Chaves e já faleceu. O Ten Cor. Cunha rendeu o coronel Almeida ( alcunha de 6 e 5) - açoreano e que ainda vive em Angra do Heroismo.
No meu livro conto todas essas histórias ( ou estórias).

Leonel Olhero (ex-fur. PANHARD - Bula)