sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3747: Fauna & flora (9): Do macaco-cão ao macaco-fidalgo... à mesa (José Nunes / Artur Conceição)

Guiné-Bissau > Região de Tombali > Iemberém > Visita ao Cantanhez dos participantes do Simpósio Internacional de Guileje (Bissau, 1-7 de Março de 2008) > 2 de Março de 2008 > Os macacos-fidalgos vinham, de manhã, acordar-nos e dar-nos as boas vindas (*)...

Foto: ©
Luís Graça (2008). Direitos reservados.


1. Mensagem do José Nunes, com data de 11 do corrente:

Como descrevi no poste sobre a Missão Católica ou missão heróica (**),comi macaco-cão à mesa com os missionários italianos na Missão,não por mero prazer mas por necessidade. O caçador da Missão era um jovem de nome Cabi, os missionários entregavam-lhe uma espingarda de caça e ele saía à caça. Quando regressava tanto podia vir um macaco,como meia dúzia de patos farons,era o que aparecia.

A carne é muito adocicada,como se temperassemos a carne de vaca em vez de sal pormos açucar.
Nas tascas do Pilão e de Bandim era normal ver-se assarem macacos para petiscarem, desde que houvesse água de lisboa sabe!

Sempre me causou muita náusea ver o animal inchar por acção do fogo,muitas vezes era assados tal cpomo eram caçados,e quando espreitei para a panela de bianda que era cozinhada, a primeira coisa que vi foi a cabeça. Fez-me muita náusea,e desde então,nunca mais tive curiosidade de ver.

Para dar comida aos leprosos era necessário recorrer de engenho e tudo era comestível.

Por onde andei vi macacos na ilha de Bissau, ali para os lados de Prabis, na Ponta do Inglés [Xime], e em Bissum-Naga.

Mas parece que eram muito ariscos e não facilmente domesticáveis.

Cordiais Saudaçoes a toda a Tabanca.

José Silvério Nunes
1º Cabo Mec Elect de Centrais
Beng 447
Brá, Bissau, 1968/70

2. Mensagem de Artur Conceição (ex-Sold Trms Inf e Cond Auto, CART 730, Bissorã, Farim e Jumbembém, 1965/67 ):

Meus caros Luís graça, Carlos Vinhal e Virgínio Briote:

Este será o meu modesto contributo para uma causa tão nobre como é a defesa do nosso “primo” babuíno, em que está empenhada Maria Joana Ferreira da Silva, investigadora portuguesa, a fazer, no Reino Unido, a sua tese de doutoramento sobre o macaco-cão da Guiné,

Quando da minha passagem pela Guiné nos anos de 1965 a 1967, existiam muitos macacos, e de várias espécies.

Insisto: no meu tempo - e com isto quero ressalvar o facto de que a Guerra na Guiné não pode ser tomada como sempre igual, tudo evolui, para não se correr o risco de entrar em contradições inexistentes. A guerra durou 13 anos, e teve várias fases, que eu não me atrevo, por incapacidade, a definir, mas todos sabemos que os militares que passaram pela guerra na Guiné, essa guerra foi muito pior para alguns do que para outros, em função do período em que por lá passaram.

No início da guerra, a fauna era muito mais abundante do que no final da guerra, e não vale a pena inventar as razões, dado que são tão óbvias que todos percebem.
Em relação aos macacos, conheci três espécies diferentes, embora saiba que existem mais para além destas:

(i) O macaquinho sagui, pequenino, engraçado, e que era propriedade de algum militar que os tinha a seu cargo;

(ii) O macaco-cão, o tal babuíno que se procura e que quase todas as unidades militares possuíam como mascote. (Era pertença de todos, embora mais amistosos com alguns, que lhes dedicavam mais atenção);

(iii) E finalmente o macaco-fidalgo, que talvez por ser bastante mais ágil e muito mais barulhento, nunca o vi em cativeiro na Guiné.

Comi macaco em Bissau num restaurante que tinha essa especialidade, e que ficava localizado numa rua em frente aos Correios, para o lado do Forte da Amura, uma ligeira subida do lado esquerdo. O nome cabrito pé da rocha para mim é novidade (***).

Para colocar alguma ordem, eu comi porque me garantiram que era macaco fidalgo, porque. sem tal garantia, o macaco cão penso que não seria capaz de comer, sendo que uma das razões era exactamente o contacto que tinha com eles, o macaco cão.

Para além de macaco fidalgo confeccionado em restaurante, e que já não posso dizer se gostei ou não, comi também gazela, uma ou duas vezes, javali, várias vezes, águia e raposa uma vez. Cobra... embora digam que é um petisco, penso que era mais fácil comer capim.

Utilização de macacos para fins medicinais ou outros nunca me apercebi. Os nativos capturarem macacos para os comer também não me parece, pelo menos na zona dos Fulas onde estive 18 meses.

Macacos cão em grupo também nunca vi, mas macacos fidalgo era frequente aparecerem na estrada que liga Jumbembem a Canjambari, a Oeste de Farim, na região do Oio. Eram grupos constituídos por duas a três dezenas, de pelagem bastante mais escura que o macaco cão, muito ágeis e muito barulhentos, de cauda mais alongada e que pareciam voar de uma árvore para a outra.

A captura do macaco é muito fácil, uma vez que o macaco fecha a mão para apanhar o isco e nunca mais a abre, também há humanos assim…!! Se o orifício for pequeno, a mão não sai e o macaco fica preso.

Uma das grandes virtudes do macaco é ser o grande propagador da semente do cajueiro, uma vez que ele vai roubar as castanhas do cajú e foge, levando-as na boca. Quando tenta trincá-las, a castanha liberta um liquido amargo e ele deita-a fora, dando origem a um novo cajueiro naquele local.

Um abraço do tamanho do Cacheu porque o Cumbijã eu não conheci...

Artur António da Conceição
Damaia - Amadora

__________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes desta série:

13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3734: Fauna & flora (8): O estudo do Papio hamadryas papio (Maria Joana Ferreira Silva)

13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3733: Fauna & flora (7): Babuínos, chimpanzés, caçadores, militares, pitéus e... turismo científico (Pepito)

13 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3732: Fauna & flora (6): A mensagem da Maria Joana e a resposta do Patrício Ribeiro

12 de Janeiro de 2008 > Guiné 63/74 - P3727: Fauna & flora (5): Coluna de Macacos Kom dizimada na estrada de Cutia para Mansabá. (Jorge Picado)

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3722: Fauna & flora (4): Tudo o que sabemos sobre o macaco-kom (Jorge Teixeira / António Costa)

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3721: Fauna & flora (3): Mais histórias de macacos (Henrique Cabral / Luís Faria)

11 de Janeiro de 2009 > Guiné 63774 - P3720: Fauna & flora (2): Os macacos-cães do nosso tempo (Luís Graça / J. Mexia Alves)


10 de Janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3714: Fauna & flora (1): Pedido de apoio para investigação científica sobre o Macaco-Cão (Maria Joana Silva)

(**) Vd. poste de 13 de Setembro de 2008 >Guiné 63/74 - P3202: Estórias avulsas (22): Missão Católica ou Missão Heróica? (José Nunes)

(***) Vd. poste de 11 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1266: Estórias de Bissau (1): Cabrito pé de rocha, manga di sabe (Vitor Junqueira)

1 comentário:

Anónimo disse...

Meu Caro Artur Conceição,
Que pena eu tenho de não conheceres o Cumbijã, para veres quão grande é o abraço e o significado.
De qualquer forma gostei!
Mas primos nossos?
Ignoro qualquer relacção familiar.
Desculpa! É que tambem não passei credencial nenhuma para esse efeito!

Do tamanho do Cumbijã aquele abraço.

Mário Fitas

Fur Mil de Oper. Espec. da C.CAÇ 763 em Cufar, de Março de 1965 a Novembro de 1966